Rui Ferreira, Arquidiocese de Braga
1 – No final do mês de maio, a Igreja vai encerrar formalmente o tempo estendido da Páscoa, com a celebração da solenidade de Pentecostes, momento oportuno para redescobrirmos a sua dimensão carismática. Contudo, maio é também o tempo especialmente devotado ao culto mariano. Na Arquidiocese de Braga esta dupla dimensão celebrativa adquire singular pertinência devido à inequívoca inclinação mariana exposta no seu carisma.
2 – Desde a sua restauração, ocorrida após o ano de 1070 por intermédio do Bispo D. Pedro, que a devoção a Santa Maria assumiu um caráter tutelar da missão da Igreja bracarense. A reedificada Catedral seria dedicada à Virgem Maria, e nela se consagrando todo o seu território de missão. Não se pense, porém, que esta precoce singularidade eclesial é um exclusivo bracarense. Propalado e valorizado pela tradição cristã oriental, o culto à Virgem Maria foi-se estendendo para ocidente sobretudo a partir do Concílio do Éfeso, contudo mais enfaticamente através da ação e influência de ordens religiosas como Cluny ou Cister.
3 – A face mais visível do carisma mariano da Igreja de Braga é particularmente aferível nas suas peregrinações, caminhadas de fé e devoção que se realizam ordinariamente em todo o seu território. No calendário anual da Arquidiocese de Braga estão inscritas 27 peregrinações, das quais 13 têm estatuto arciprestal. Destas, apenas uma não é devotada a um culto mariano. Trata-se da peregrinação arciprestal ao Bom Jesus das Mós, em Terras de Bouro, que celebra o culto ao Sagrado Coração de Jesus. Entre os arciprestados destaca-se Barcelos com um total de quatro peregrinações anuais, todas dirigidas a santuários marianos: Franqueira, Socorro, Facho e Aparecida. A única destas peregrinações com extensão arquidiocesana decorre no primeiro domingo de junho e dirige-se ao santuário do Sameiro, localizado na montanha cimeira sobre a cidade de Braga.
4 – O Concílio Vaticano II fala de uma Igreja que ainda está a caminho, estabelecendo uma analogia com o Antigo Testamento, nomeadamente com a peregrinação dos judeus através do deserto em busca da Terra Prometida. Por isso mesmo, a peregrinação possui um carácter também externo, visível no tempo e no espaço, em que ela se efetua historicamente. Ao exibir esta dimensão de peregrinos, os cristãos bracarenses personificam a atitude solícita e atenta do povo que, conduzido exclusivamente pela sua fé, procura encontrar o seu lugar no mundo, seguindo primordialmente o modelo da Mãe de Jesus.
5 – O pendor mariano da Igreja de Braga encontra-se particularmente visível no denominado rito bracarense, que integra no seu devocionário particulares celebrações marianas devotadas a Nossa Senhora das Candeias ou a Nossa Senhora dos Prazeres. Convém recordar também as significativas as alusões marianas no decorrer da liturgia pascal, mas também as orações e prósulas marianas dispostas no seu missal.
6 – Invocada com os títulos de advogada, auxiliadora, socorro ou medianeira, Maria é o exemplo maior para compreendermos a identidade da Igreja em termos deste movimento dinâmico a que os cristãos são chamados na sua existência. Como refere sublinha a “Lumen Getium”, Maria «não foi utilizada por Deus como instrumento meramente passivo», mas «cooperou livremente (…) na salvação dos homens»[1]. O protagonismo crescentemente concedido à espiritualidade mariana ao longo da história da Igreja Católica seria especialmente fortalecido com a atribuição do título de corredentora, que tem vindo a ser acentuado pelos sucessivos Pontífices, sempre acrescido da ressalva de que o único mediador é Jesus Cristo[2].
7 – Apesar de se tratar de uma mediação sempre subordinada à mediação de Jesus Cristo, possui uma dimensão singular, como sublinha o Papa João Paulo II na carta-encíclica “Redemptoris Mater” quando refere que a mediação de Maria «está intimamente ligada à sua maternidade e possui um carácter especificamente maternal»[3], facto que a distingue da mediação de todos os demais seres vivente que participam na comunhão dos santos. A mediação de Maria que vem sendo universalmente presente na Igreja Católica não implica necessariamente a transferência para Maria dos atributos especificamente cristológicos e até todos os atributos divinos[4]. A Mãe de Jesus é, sim, modelo primordial do nosso encontro com o mistério de Deus revelado em Jesus Cristo.
8 – Por muito grandes que sejam os modelos de Cristianismo que os cristãos bracarenses possam ter, particularmente o lugar especial concedido à Virgem Maria nas diversas narrativas devocionais, o mais importante é Jesus Cristo. É Ele que nos conduz, que nos faz viver, que dá sentido a todas as coisas. Brilhando como sinal de esperança segura e de consolação[5], o culto mariano é a inspiração primordial para o povo de Deus, ainda peregrinante, que caminha na Igreja bracarense.
Rui Ferreira
[1] CONCÍLIO VATICANO II – Constituição Dogmática “Lumen Gentium”, 56.
[2] CONCÍLIO VATICANO II – Constituição Dogmática “Lumen Gentium”, 62.
[3] JOÃO PAULO II – Carta Encíclica “Redemptoris Mater”, 38.
[4] BALTHASAR, Hans Urs Von – Teodramática III: Las Personas del Drama: el Hombre en Cristo, Madrid: Ediciones Encuentro, 1993.
[5] CONCÍLIO VATICANO II – Constituição Dogmática “Lumen Gentium”, 68.