José Luís Nunes Martins
A sociedade atual tem uma perspetiva tão errada do que são os valores que se julga capaz de os determinar por via de leis.
O que separa o bem do mal não é o mesmo que separa o legal do ilegal. Os valores fundamentais são intemporais, fazem parte da nossa identidade enquanto seres humanos. Não são sujeitos a mudanças. Tentar alterá-los é tão perigoso quanto idiota.
Hoje, muitos atentados contra a vida encontram suporte em leis, que os justificam e até prescrevem.
O aborto, por exemplo, é e será sempre algo condenável, no entanto, de acordo com as perspetivas atuais, chega a ser recomendável em muitos casos, sendo que, para tal, basta a mãe (ou será só mulher? Também pode ser homem que tenha mudado o cartão do cidadão!), não querer o filho (ou será apenas um conjunto insignificante de células?), para que o Estado (nós?) lhe realize essa sua vontade (mas não é involuntária a tal interrupção?).
São muitas as incertezas, os nevoeiros e as contradições quando se debatem estas questões. Mas por que razão, nestes casos, se prefere a morte?
A justificação para o mal contra a vida é paradoxal: em face do sofrimento, existente ou possível, prefere-se pôr-lhe fim imediato. A sociedade apenas solicita que alguém assuma a responsabilidade e exige aos outros que aceitem o gesto sem comentários negativos. Se alguém diante do sofrimento prefere a vida, e escolhe enfrentar esse mal com o bem em que acredita, esse sim, é condenado como se se tratasse de um carrasco!
A vida é feita de dores. Sofrimentos profundos. Não há vida sem infelicidades, pelo que o seu inevitável acontecimento devia ser motivo para nos unirmos na defesa do bem e não para tentarmos acabar o mal com… mal ainda pior.
Matar é um mal, mesmo nos casos em que as leis defendem quem o faz.
A dignidade é o valor que nos chega pelo facto de sermos livres, para o bem e para o mal. Quem escolhe o mal, escolhe-se como indigno da sua liberdade. Se uma mãe e um pai confiam nas decisões de um filho que, depois, no uso dessa liberdade, escolhe o mal, será que os pais se devem alegrar com a liberdade do seu filho? Será ele responsável? E se o que fizer não violar nenhuma lei do seu país?
A eutanásia, outro exemplo, enraíza-se numa ideia de infalibilidade do discernimento, ou seja, de que acertamos sempre no que é melhor para nós mesmos. Na verdade, e por experiência, todos sabemos que muitas vezes nos enganamos a esse respeito. Não sabemos nem fazemos o que é melhor para nós mesmos. No entanto, as leis acreditam que sim.
O que deve alguém fazer diante de uma lei injusta? Cumpri-la por ser lei ou violá-la por ser injusta?