O B.I. da Europa

A questão da identidade europeia é, verdadeiramente, incontornável a propósito da redacção dos Tratados, ou de muitas outras questões Não será certamente muito entusiasmante para os cidadãos a imagem, que nos tem chegado, de uma União Europeia marcada por intermináveis discussões a respeito do sistema de votação, em que cada governo “puxa a brasa à sua sardinha” e onde dificilmente se encontra algum sinal de unidade. A ideia de associar a população, pela via do referendo, às decisões que modelarão de forma significativa o futuro da Europa, parece definitivamente posta de parte, sobretudo porque não se pode correr o risco de novas respostas negativas, que seriam dificilmente ultrapassáveis. Vê-se, claramente, que o entusiasmo pela Europa não chegou ainda aos cidadãos. Para que isso possa suceder, há que definir bem, antes de mais, a própria identidade europeia, a partir do seu património histórico e dos valores que forjaram e distinguem a sua cultura. Só assim podem as populações ser mobilizadas e capazes de sentir uma coesão europeia que, sem substituir a coesão nacional, a esta possa ser, de algum modo, equiparada. Para que possa surgir um demos europeu, um “povo” europeu. É por isto que são importantes as discussões a respeito da referência ao cristianismo no preâmbulo do – hoje superado – Tratado Constitucional, ou na nova redacção – opção que acabou por vingar – dos Tratados actualmente em vigor. Essa referência não é uma simples questão de palavras, mas de autêntica definição do “bilhete de identidade” europeu. O secretariado da Comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia (COMECE) congratulou-se com o facto de a proposta de nova redacção dos Tratados incluir, como o fazia o projecto de Tratado Constitucional, a referência à «herança cultural, religiosa e humanista da Europa», lamentando, porém, a falta de referência explícita ao cristianismo. Assinala positivamente a circunstância de nessa proposta se manter a definição, que constava do projecto de Tratado Constitucional, dos valores que estruturam a União Europeia, à cabeça dos quais se situa o da dignidade da pessoa humana. E também a consagração nessa proposta, que já constava desse anterior projecto, de um diálogo institucionalizado entre a União Europeia e as igrejas e comunidades religiosas, que reconhece o papel social e culturalmente relevante e benéfico destas. Importa dar a estas questões mais relevo do que aquele que é normalmente dado pela comunicação social. É a identidade da Europa que está em causa. Sem que esta esteja bem definida, não podem os cidadãos sentir o projecto europeu como algo de mobilizador. Não o sentirão certamente quando, como tem sucedido (e tem passado despercebido a muitos) em organizações internacionais a União Europeia está na primeira linha do ataque a valores, tão preciosos para muitos europeus, como os da vida e da família. A propósito da redacção dos Tratados, ou de muitas outras questões (como a da adesão da Turquia), a questão da identidade europeia é, verdadeiramente, incontornável. Mas a alusão ao cristianismo na definição da identidade europeia não deve ser vista como uma reivindicação particularista, contra quem quer que seja, ou que exclua outros credos, religiosos ou não, também presentes na sociedade europeia. Nem é incompatível com a adesão da Turquia, como reconhece hoje a diplomacia da Santa Sé. O cristianismo foi, historicamente uma semente de valores (como o da dignidade da pessoa humana) em que se reconhecem, hoje, muitos europeus, cristãos ou não cristãos. E o pensamento social cristão pode iluminar, em benefício de todos, muitos dos desafios com que se depara hoje a Europa. Propõe, por exemplo, o equilíbrio entre os princípios da subsidiariedade e da solidariedade, tão oportuno a propósito da revisão do modelo social europeu ou da formulação das regras institucionais. A propósito das tão prementes questões ambientais, conduz ao respeito pela integridade da criação como um dom inestimável, sem cair num ecologismo anti-humanista. E conduz também à abertura à paz e fraternidade universais, contra qualquer lógica de “Europa-fortaleza”. Pedro Vaz Patto

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