«O amor de Deus nunca será abstrato»

Mensagem de Natal do bispo de Portalegre-Castelo Branco

Estamos à porta do Presépio como quem espreita para dentro do próprio coração. Maria, José e Jesus, são o Caminho que Deus escolheu para chegar ao homem e à sua vida. E todos desejaremos, por certo, mais ou menos discretamente, que o Natal não seja uma mera regressão infantil à nostalgia de um sonho.

Há muito tempo que Deus se habituou à humanidade. A persistência com que sempre saiu ao seu encontro é prova disso mesmo. O homem, porém, é que demorou a habituar-se a Deus. E por entre dúvidas e evidências ainda hoje Lhe resiste, tem receio de se sentir diminuído ou de perder a liberdade.

Uma das notas mais fortes do amor é que, quando é verdadeiro, nunca se deixa ficar no abstrato. É de sua natureza dom gratuito e generoso, capaz de revelar-se e revelar, de se comprometer, de acolher, ser e agir.

Em Jesus Cristo, partilhando a carne humana, Deus faz-Se nascer como amor no coração de cada homem e da humanidade inteira. É o mistério do Natal! A cada golpe de amor, a história muda e a humanidade fica mais rica. O Presépio é a história humana. Era necessário que Deus Se fizesse homem para que o homem compreendesse o que é ser Deus, repetem-nos os primeiros cristãos. E quando Deus incarna assume tudo aquilo que o homem é. Não para Se reduzir à sua fragilidade, mas para revelar o sentido humano da fragilidade como uma grande possibilidade de esperança. Não bastam já as palavras afetuosas, é preciso acolher e viver o amor de Deus traduzido em gestos.

Apesar da aparência de força e de exibição da capacidade, o nosso tempo revela-nos muitas fragilidades. Colocou-nos diante do risco de novos conflitos à escala mundial, deu-nos a provar o sabor das novas ditaduras, escaqueirou os princípios éticos em manifestações variadas de corrupção, confrontou-nos com a violência e as agressões gratuitas, surpreendeu-nos com uma autêntica “desumanização civilizada”, revelou-nos a fragilidade e a dificuldade da educação e da liberdade, o falhanço dos projetos, a debilidade dos compromissos, a apetência pela indiferença e pelo egoísmo.

Bem perto de nós, o ano que passou trouxe a experiência devastadora dos incêndios. Implacáveis, fizeram imperar a destruição da casa comum que é a natureza, acumularam dolorosamente o sofrimento humano, ceifaram pessoas e destruíram famílias, mataram animais e devastaram bens essenciais fruto do trabalho e da dedicação humana. A desolação, o desânimo e a desistência bateram à porta de muita gente ainda não completamente refeita.

Ainda a nível mais próximo, é impossível esconder ou disfarçar o sofrimento de tantas pessoas que vivem sozinhas e doentes ou são abandonadas nos Lares, com frieza e ingratidão dos mais chegados. Outras vivem amarguradas pela destruição da harmonia familiar com a infidelidade, a violência, a droga e o álcool que roubam a paz e arrastam indizível sofrimento tantas vezes vivido no silêncio de lágrimas amarguradas, escondidas e persistentes. Outros sentem-se afetados pelo desemprego, pela mesa sem pão para os filhos ou pela doença que teimosamente bate à porta de forma intrincada e arrogante.

No entanto, se a experiência da fragilidade humana pode, de facto, ser a mais sofrida e dolorosa, também pode, paradoxalmente, ser a mais fecunda de todas as experiências vividas. Na verdade, o que faz com que a nossa fragilidade não nos destrua é que ela acaba por revelar, a cada um e a todos nós, onde havemos de crescer, de mudar e converter, sem cedermos à tentação de deixar cair os braços com desânimos ou desesperos inúteis embora compreensíveis.

De Jesus, o cego ouviu: “Vê”! O mudo começou a falar e as multidões, admiradas, exclamaram: “nunca se viu nada assim”! Os discípulos recuperaram a alegria e o entusiasmo: “Coragem! Sou Eu, não tenhais medo”! De junto de Jesus, o paralítico saiu transportando o seu catre. Pela Palavra e pelo gesto de Jesus, o endemoninhado encontrou paz e a mulher pecadora foi perdoada. Os leprosos ficaram limpos e o homem que tinha a mão atrofiada estendeu-a e começou a agir. Zaqueu quis ver, foi visto e transformou-se. As parábolas (tantas!) fizeram com que cada ouvinte se sentisse dentro da história: o Bom Samaritano, por exemplo, lembra a prioridade dos que sofrem, a do semeador pede paciência e a recuperação do discernimento, a tempestade acalmada, o sábado no seu lugar, a paixão na Cruz, a morte vencida … todas e tudo são passos de Jesus a fazer novas todas as coisas, a agir nas experiências da fragilidade humana. E é este o Natal de Jesus! Existem, por isso, pelo menos dois caminhos por onde a fragilidade nos pode levar: ou nos vitimizamos e estagnamos, ou identificamos os talentos a desenvolver e empreendemos caminho. Ora, o Natal é sempre a segunda opção: identificar os talentos e pô-los a render.

Deus vem à nossa história fazer-Se nascer como amor. E o amor muda o rumo da nossa história. Gratuito e da ordem do dom, o amor é paciente, bondoso, regozija-se com a verdade, tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta; não é arrogante nem se ensoberbece, não é ambicioso, não busca o próprio interesse, não se irrita, não guarda ressentimento nem se alegra com a injustiça (1Cor 13,4).

Se fossemos à procura daquilo que é especificamente próprio do homem, e se, da mesma forma, fossemos à procura daquilo que o amor de Deus oferece, não encontraríamos objeção nem incompatibilidade. A nossa humanidade revela-se amando, o melhor de nós revela-se no amor. É por isso que o Natal nunca será só um dia.

Neste Natal, saibamos agradecer o amor e, ao mesmo tempo, pedir a capacidade de continuar a amar. Nós somos o Presépio!

Feliz e Santo Natal!

 

Antonino Eugénio Fernandes Dias

Bispo de Portalegre-Castelo Branco

 

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