Decorre a Semana Nacional da Cáritas. Até ao dia 15 de Março, o Dia Nacional da organização católica, esta iniciativa quer colocar no centro das celebrações e debates, as actividades sociais dinamizadas por este serviço, que ganham contornos específicos devido à crise económica e financeira. Chegam às Caritas diocesanas quadros novos de pobreza, protagonizados por pessoas que até há pouco tempo estavam empregadas e tinham hábitos de consumo elevados. Eugénio Fonseca explica que estes casos são cada vez mais numerosos: “Este é o grande desafio. Estou convencido que esta crise apresenta um lado de esperança. Inclusive para a organização interna da acção social da Igreja, a crise pode ser uma oportunidade”. O Presidente da Cáritas portuguesa explica que se organizavam acções para atender a situações de pobreza sistémicas, “que passam de geração em geração. Estão a vir ao nosso encontro, pessoas que estão em situação de privação de bens, e que pedem que a instituição as ajude a delinear projectos de vida. Este é um grande desafio para os nossos grupos. Um desafio de requalificação, pois obriga a um olhar diferente, uma postura diferente, e quer evitar o facilitismo das respostas assistencialistas”. A Semana Cáritas de 2009 assume, segundo Eugénio Fonseca, uma urgência específica concretizada em dois objectivos – “a consciencialização de que a resolução da crise não passa apenas por revitalizar a economia, pois a crise tem contornos que ultrapassam as fronteiras económicas e financeiras e toca a civilização. Neste campo, a Igreja, através do seu pensamento e das suas instituições sociais, deve tornar esse pensamento mais próximo dos cidadãos”. Eugénio Fonseca sublinha ao programa Ecclesia, a responsabilização, “individual e colectiva, de cada cidadão e, em particular, dos cristãos”, pois “a crise não vai ser superada se apenas contarmos com as decisões dos governos”. O Presidente da Cáritas reconhece comportamentos individuais e em sociedade que têm de ser revistos. “Valorizar a pessoa e o sentido de dignidade que ela contém, que lhe confere direitos e deveres, e perceber que o dinheiro é apenas um instrumento que deve ser colectivo”, são duas vias essenciais. Neste sentido da universalidade dos bens, esta semana quer também “reforçar a partilha com quem está sem trabalho e, sabendo que os cidadãos vivem sobretudo do trabalho, na lacuna laboral, os cidadãos ficam na pobreza”. O apelo é dirigido aos cristãos para que partilhem na Eucaristia do Dia Nacional da Cáritas, 15 de Março, e aos portugueses em geral, no peditório público a decorrer a partir desta Quinta-feira. Consumismo desregulado Eugénio Fonseca lamenta que por muito generosos que sejam os portugueses, face aos compromissos que as famílias têm por cumprir, decorrentes de um consumismo desregulado, os donativos não chegam para colmatar as dívidas causadas. “Isto já se previa. Pelos mecanismos de marketing que seduziam as pessoas para preferirem bens que não lhe eram necessários e contraírem dívidas supérfluas. Outras dívidas as pessoas contraíram contando com os recursos que dispunham – as dívidas de habitação própria, por exemplo”. As Cáritas diocesanas, destino da recolha de donativos, vão priorizar o atendimentos às necessidades básicas, para que não falte o indispensável e as pessoas subsistam com dignidade, garante Eugénio Fonseca. “Para além desta semana, precisamos continuar a criar dinamismos, em cooperação com outras entidades, com vista a reforçar a generosidade dos portugueses e ajudar quem está em situação de carência”. Combate à crise O contributo da Cáritas não se fixa apenas na assistência. Eugénio Fonseca assume que a instituição vai cooperar com as medidas determinadas pelo governo. “Esperamos que algumas medidas não se tornem lentas por força da burocracia que apresentam. De qualquer forma, a preocupação do governo para recolocar os postos de trabalho para que as pessoas possam ter garantido o seu trabalho, é uma medida salutar”. Algumas medidas indicadas pelo governo estão dependentes da conjectura internacional, “sabemos que Portugal está muito dependente do exterior. Essa é uma das nossas fragilidades”, indica o Residente, recordando que a crise é grave dentro das fronteiras portuguesas devido à falta de competição de Portugal. “Fomos mais consumidores do que produtores”. Eugénio Fonseca recorda no entanto, haver mecanismos internos, que competem ao Estado, por proposta de política estrutural, que pode ajudar as pessoas na criação de emprego. “Mas não basta criar condições para a criar desse emprego. É preciso ajudar as pessoas a escoarem o que forem produzindo”. Serviço da Igreja Católica A Cáritas Portuguesa rege-se pelas orientações da Igreja Católica Portuguesa, consignadas no Direito Canónico, em termos organizativos, mas também “porque estamos em sociedade e precisamos de responder às exigências da lei civil”. Eugénio Fonseca explica que algumas Cáritas diocesanas, estão constituídas como Instituições Particulares de Solidariedade Social. A Cáritas portuguesa é um serviço da Igreja para a promoção da sua acção social. Hierarquicamente, está dependente da Conferência Episcopal. Cada Cáritas diocesana depende do seu bispo. “É um serviço do bispo para a promoção social”. A acção social acontece também por iniciativa de outras organizações da Igreja católica. Eugénio Fonseca aponta esta diversidade como uma riqueza, “suscitada algumas vezes por carismas cristãos”. Falta de coordenação O Presidente da Cáritas lamenta a falta de organização no trabalho das várias instituições no campo da acção social. “Acredito não ser um problema da Igreja, mas uma condição do ser humano, que tem a tendência para considerar mais o seu trabalho que outro desenvolvido por terceiros”. Por parte da Igreja, reconhece haver uma preocupação de “articular os diferentes serviços”. O Presidente da Cáritas relembra a falta de articulação, em alguns locais, entre as actividades do Centro Social e Paroquial e a vida da própria paróquia. “Os centros sociais e paroquiais nem sempre são a expressão da caridade da paróquia onde se integra”, indica. Na mensagem para o Dia Nacional da Cáritas, D. Carlos Azevedo, Presidente da Comissão Episcopal para a Pastoral Social, sublinhou a urgência da coordenação da acção social e caritativa das diversas instituições da Igreja e indicou a Cáritas como o serviço capaz de realizar esta sinergia. Eugénio Fonseca assume que, sendo esta uma instituição ao serviço da Igreja que depende directamente, a nível diocesano, do bispo, e da colegialidade da Conferência Episcopal, “a Cáritas é também uma instância de comunhão”. A função de coordenação é já exercida, em algumas dioceses, pela Cáritas. Noutras dioceses, esta função é assumida pelo Secretariado diocesano de acção ou pastoral social. “São aspectos organizativos que ultrapassam as decisões da Cáritas e que depende dos próprios bispos”. Eugénio Fonseca aponta a necessidade de optimização dos “parcos recursos materiais e humanos de forma a não decalcar as mesmas solidariedades”. Rede intra e internacional A Cáritas interliga-se a nível diocesano, mas está também em sintonia com a rede internacional. “A Cáritas é um serviço da Santa Sé. Sempre esteve intimamente ligado à Cúria Romana e existe, inclusivamente, o organismo Cor Unum, que tem por missão coordenar a partilha que chega ao Papa para as Igrejas em maior carência. A sua aplicação é depois confiada à Cáritas”. Por decisão de João Paulo II, a Cáritas integra a Cúria da Santa Sé. Portugal integra a Cáritas Europa e também a rede das Cáritas Lusófonas. A interligação diocesana e internacional permite a elaboração de campanhas de solidariedade que possam responder a urgências decorrentes de calamidades naturais. Eugénio Fonseca explica que a acção da Cáritas decorre nas duas frentes – nacional e internacional, mas lamenta que “muitas acções nas dioceses não tenham a visibilidade correspondente à importância da ajuda”. Nas dioceses e nas paróquias “existem muitas actividades que se realizam com descrição e simplicidade, mas com efeitos práticos e transformadores”. O Presidente da Cáritas Portuguesa lamenta ainda que a comunicação social se sinta “mais motivada para as acções que envolvam dramatismo ou número. Nas situações mais escondidas, o dramatismo não é visível porque devemos respeitar a confidencialidade das vidas”. No entanto, Eugénio Fonseca relembra o apoio que a Cáritas prestou às vítimas dos incêndios, em 2004 e 2005, que teve expressão e a sociedade reconheceu, assim como o apoio prestado às populações atingidas pelo tsunami no Natal de 2004. Missão da Igreja A matriz diferenciadora da acção social da Cáritas de outras instituições, “que deve ser aprofundada”, é apontada como sendo a proximidade. O Presidente deste serviço aponta a necessidade de ser valorizar as respostas próximas. “Só assim poderemos atingir pessoas que não nos procuram por respeito, a chamada pobreza envergonhada. Falta a cultura do próximo”. Eugénio Fonseca aponta ainda que “nunca poderemos dizer que este trabalho não nos compete. Trabalhamos pela salvação das pessoas e se não salvarmos a pessoa toda, não a salvamos”. “A caridade deve, então, ser entendida na sua verdadeira dimensão, não criando paternalismos ou dependências, mas enquanto valor libertador, profético, que anuncia, denuncia e é transformador. A caridade é mais do que a solidariedade, que supõe a responsabilidade para com o outro. A caridade faz reconhecer que todos somos irmãos. Não é uma responsabilidade mas uma obrigação”. Eugénio Fonseca relembra as Eucaristias que vão decorrer no Dia Nacional da Cáritas e o peditório público, a decorrer até ao dia 15. Em 2008, o peditório de rua aproximou-se dos 250 mil euros. “Tudo o que for recolhido na diocese fica na respectiva Cáritas diocesana para ajudar, não os católicos, mas todas as pessoas que procuram a Cáritas independentemente de religião, partido, etnia. A universalidade é característica da Cáritas”. A celebração nacional da Cáritas decorre na diocese de Lamego.