Novo livro do Papa apresentado em Roma

João Paulo II reflecte sobre os males do mundo e revela a sua opinião sobre o atentado de 1981 Foi ontem apresentando em Roma o novo livro do Papa, “Memória e Identidade”, no qual João Paulo II escreve sobre os males que afectam o mundo, abordando os temas mais importantes da história do século XX, respondendo às grandes questões da vida moderna e aprofundando as relações entre as civilizações e as religiões. João Paulo II escreve sobre o nazismo e o comunismo, vincando que teve a “a experiência pessoal da realidade das ideologias do mal”. “É algo que permanece indelével em minha memória”, assegura. Neste livro, João Paulo II responde também às inquietações, dúvidas e perplexidades do mundo moderno, fazendo uma profunda reflexão sobre a história, à luz da revelação cristã, e pede à humanidade que questione os grandes problemas existenciais e ontológicos, desde as próprias raízes. O Cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, apresentou a obra em conferência de imprensa, desementindo qualquer intenção do Papa em comparar “a Shoah com o aborto”, ao contrário do que se tem vindo a publicitar nos Media. “O Papa recorda a tentação permanente dos homens e diz que nós também não somos imunes à destruição da vida humana, mas a identificação entre Shoah e aborto é alheia ao livro e às ideias do Santo Padre”, defendeu. O quinto livro de João Paulo II como Papa chega esta quarta-feira às livrarias em vários idiomas (inglês, espanhol, português, francês, alemão, polaco, eslovaco, catalão, coreano e croata). Na apresentação à imprensa, o porta-voz da Santa Sé, Joaquín Navarro-Valls, também desmentiu estas referências à Shoah no novo volume. “No Papa há nenhum desejo de comparar sistemas de mal; o que quer é identificar as raízes do mal moral”, indica. “Se o homem pode decidir o que é o bem e o que é o mal, então pode optar por aniquilar um grupo de homens, como sucedeu no passado e como pode suceder ainda”, adicionou. João Paulo II reflecte sobre “a eliminação de milhões de filhos e filhas de Israel”, dizendo que “basta recordar tão só este evento, tão próximo no tempo, para ver com clareza que a lei estabelecida pelo homem tem limites precisos, que não se podem superar”. “Tanto os nazis, durante a guerra, como mais tarde no Leste da Europa os comunistas tentavam ocultar perante a opinião pública o que faziam. Durante longo tempo o Ocidente não quis acreditar no extermínio dos Judeus”, lamenta na obra agora publicada. O Papa convida, nesse sentido, “no início de um novo século e de um novo milénio a perguntar-se sobre algumas opções legislativas decididas nos Parlamentos dos actuais regimes democráticos” e em particular as que introduziram o aborto. “Os Parlamentos que aprovam e promulgam semelhantes leis devem ser conscientes de que extrapolam as suas próprias competências e de que se põem em aberto conflito com a lei de Deus e com a lei da natureza”, indica. Biografia interior “Memória e identidade” foi descrito por Navarro-Valls como uma “biografia interior”. João Paulo II dialoga com o os filósofos Jósef Tischner e Krzysztof Michalski, fundadores do Instituto de Ciências Humanas de Viena, sobre grandes temas da História Europeia, com especial incidência nas ideologias totalitárias, encontros que aconteceram nos jardins de Castel Gandolfo no verão de 1993. O Papa acrescentou e reelaborou algumas passagens desse material. O livro tem duas grandes partes, uma primeira mais teórica e que consta de dez capítulos, e uma segunda com referências históricas mais recentes. “Em todo o livro se põe o problema do mal, mais em concreto a coexistência entre o bem e o mal, não um mal físico, mas moral, derivado das decisões humanas livres”, explicou Navarro-Valls. O Cardeal Joseph Ratzinger falou desta visão sobre o mal recordando que “a Redenção é a palavra-chave de todo o pensamento de João Paulo II” e, desde esta perspectiva, “o mal converte-se num instrumento para o bem”. “Acontece, de facto, que em certas situações concretas da existência humana o mal se revela em alguma medida útil: útil porque cria ocasiões para o bem”, escreve João Paulo II. Desfiando as suas memórias, o Papa polaco revela, em relação ao nazismo, que “a dimensão real do mal que se desencadeava na Europa não foi percebida por todos, nem sequer por aqueles entre nós que viviam no centro do turbilhão”. Numa escrita introspectiva, João Paulo II revela os seus pensamentos de então. “Já depois da guerra, pensava comigo: o Senhor Deus concedeu ao nazismo doze anos de existência e depois de doze anos todo aquele sistema foi derrubado (…). Se o comunismo sobreviveu mais tempo e se tem ainda diante de si – pensava então comigo – uma perspectiva de desenvolvimento, deve haver algum sentido em tudo isto”. “Para mim, então, foi imediatamente claro que aquilo duraria um tempo mais longo do que o nazismo. Quanto tempo? Era difícil prevê-lo. O que vinha à mente é que aquele mal fora de algum modo necessário ao mundo e ao homem”, assegura. O atentado de 1981 João Paulo II acredita que uma “ideologia da prepotência encomendou o atentado” executado por Ali Agca a 13 de Maio de 1981. Em “Memória e Identidade”, o Papa apresenta pela primeira vez as suas convicções sobre a responsabilidade por este episódio. “Acredito que este atentado foi uma das últimas convulsões das ideologias da prepotência, que se desencadearam no século XX. A violência motivada por tais argumentos também se manifestou aqui na Itália: as Brigadas Vermelhas matavam homens inocentes e honestos”, relata. Narrando depois a conversa que teve em 1983 com Agca na prisão, escreve: “Ali Agca, como todos dizem, é um assassino profissional. Isto significa que o atentado não foi uma iniciativa sua. Alguém o idealizou, alguém o contratou para executá-lo”. Do atentado, João Paulo II falou diversas vezes, principalmente para afirmar a sua convicção de que a bala mortal foi desviada pela mão da Virgem de Fátima. “Foi um testemunho da graça divina”, refere no livro. “Memória e identidade” será o terceiro livro de memórias e reflexões do Papa, após “Ultrapassar o Limiar da Esperança”, de 1994 – entrevista com Vittorio Messori que foi publicada em 32 línguas –, e “Levantai-vos! Vamos!”, deste ano, no qual João Paulo II recorda e medita sobre os seus anos como bispo auxiliar e arcebispo de Cracóvia(1958-1978). João Paulo II publicou ainda uma recolha de poemas, o “Tríptico Romano”, em 2003. Todas estas obras venderam milhões de exemplares.

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