Novo cardeal português agradece ao Papa

D. Manuel Monteiro de Castro, de 73 anos, fala do serviço a que foi chamado na Santa Sé e da importância do seu trabalho como penitenciário-mor num «tribunal da misericórdia»

D. Manuel Monteiro de Castro, de 73 anos, nasceu em Santa Eufémia de Prazins, Guimarães; foi ordenado padre em 1961 e bispo em 1985. O novo cardeal português tem uma longa experiência diplomática ao serviço da Santa Sé, que o fez passar pelo Panamá, Guatemala, Vietname, Austrália, México, Bélgica, Trindade e Tobago, África do Sul e Espanha, onde permaneceu entre 2000 e 2009, acompanhando a subida ao poder do primeiro-ministro José Luis Zapatero; foi também observador permanente do Vaticano na Organização Mundial do Turismo.

Está na Cúria Romana desde julho de 2009, quando assumiu o cargo de secretário da Congregação para os Bispos, tendo sido posteriormente nomeado por Bento XVI como consultor da Congregação para a Doutrina da Fé e secretário do Colégio Cardinalício, antes de, em janeiro, passar a ser o responsável máximo pela Penitenciaria Apostólica, um dos três tribunais da Cúria Romana. A 6 de janeiro, Bento XVI anunciou a sua criação como cardeal, que vai decorrer no Consistório público deste sábado.

 

Agência ECCLESIA (AE) – Sente que a criação como cardeal é o reconhecimento do serviço que prestou à Santa Sé, ao longo dos anos?

D. Manuel Monteiro de Castro (MMC) – Sim, naturalmente, devo dizê-lo com toda a humildade. Fiquei muito contente e agradeci ao Santo Padre, com quem já tive oportunidade de falar.

Servi a Santa Sé em países com muitas dificuldades, como a Guatemala e o Vietname, em anos de guerra, o México ou El Salvador, na África do Sul com Nelson Mandela. Daí fui para Espanha e sobre a Espanha os senhores em Portugal sabem mais do que eu…

 

AE – O cargo de Núncio em Madrid terá sido o mais mediático?

MMC – O trabalho foi bom, mesmo nos momentos difíceis: embora tenha falado pouco, resolvemos os problemas. Tenho cartas muito bonitas que agora me chegaram de altas personalidades espanholas. Também já estive com o Papa em Espanha e ele ficou muito contente com o meu trabalho.

 

AE – Depois dessa missão, acabou por ser chamado por Bento XVI para a Santa Sé.

MMC – Para mim foi uma surpresa, nenhum dos meus antecessores tinha ido para a Cúria, eu tinha tudo planificado para ir para Santa Eufémia. Quando vim [para a Santa Sé], já foi para um cargo muito importante, geralmente daí são nomeados cardeais, mas não necessariamente, até atendendo à minha idade [completa 74 anos em março]. Quanto ao cargo de penitenciário-mor, acontece que sou dos poucos, dentro do corpo diplomático, a ter feito o exame da Rota Romana (tribunal da Santa Sé): o exame dura das 9 da manhã às 9 da noite, são doze horas para dar uma sentença e em latim.

Essas são circunstâncias que talvez tenham facilitado a decisão do Papa, até porque Portugal tinha dois eleitores e agora teríamos só um [D. José Saraiva Martins completou 80 anos de idade em janeiro].

 

AE – Também sentiu que este é um reconhecimento para Portugal?

MMC – Sim, sim. O Santo Padre ficou com uma impressão muito, muito boa após a visita a Portugal [maio de 2010]. Tudo isso ajudou, naturalmente.

 

AE – Para si, o que significa ser cardeal?

MMC – Os cardeais são sacerdotes que estão ao serviço do Santo Padre, não importa para o que seja. Somos os seus primeiros colaboradores, com campos definidos. Também temos reuniões plenárias [os encontros de chefes de dicastérios da Cúria Romana] e ainda recentemente [28 de janeiro] participei numa, embora ainda não fosse cardeal: cada um diz o que pensa sobre o que se passa no mundo, sobre como se pode melhorar a situação, tratam-se os temas a nível geral.

O Colégio Cardinalício está ao serviço do Papa, os que estão nos Dicastérios estamos mais ainda, porque estamos num serviço bem determinado. No meu caso, o Santo Padre deu-me praticamente plenitude de resolver todos os casos.

 

AE – Enquanto penitenciário-mor, vai ser responsável pelo chamado ‘Tribunal da Consciência’, na Santa Sé.

MMC – Tribunal da consciência é já a confissão: quando nos confessamos, há uma penitência, isto é, uma pena dada pelo sacerdote.

A Penitenciaria Apostólica é o dicastério mais antigo da Cúria Romana, vem já do século XIII; é um tribunal ao qual o Santo Padre entrega tudo quanto se refere ao foro interno. Poderemos chamar-lhe quase um tribunal de misericórdia, porque as pessoas que têm algum problema podem dirigir-se a nós.

Hoje, no mundo, tudo vale o mesmo e as pessoas deixam correr, mas chegam a um certo momento em que não se sentem felizes, não se sentem realizadas. Aqui, procuramos ajudá-las.

Ajudamos também na formação de confessores, em todo o mundo e, particularmente, em Roma com 58 penitenciários menores nas basílicas de São Pedro, de Santa Maria Maior, de São Paulo fora de muros e São João de Latrão. Estes elementos trabalham connosco, estão bem formados, e procuram levar as pessoas a sentirem-se felizes, realizadas, com os olhos postos em Deus.

 

AE – Como é que se procede nas várias situações de concessões de graças, absolvições, dispensas, sanções ou condenações?

MMC – Geralmente, nos casos que podemos resolver, damos uma resposta aos confessores em 24 horas, nos casos que ele não pode absolver, que são comunicados se a pessoa que se confessou estiver de acordo. O padre pode dirigir-se ao nosso dicastério, diz do que se trata, sem mencionar o nome da pessoa, e esta é absolvida. Nós, daqui, mandamos uma penitência.

Quando temos um caso mais difícil, temos uma reunião, com colaboradores: um teólogo, que é sempre um jesuíta, um especialista em direito e outros três, com preparação neste campo. Além da reunião, eles dão um parecer por escrito e depois o penitenciário-mor decide e, se subsistirem dificuldades, pede uma audiência ao Papa.

 

AE – Dentro dessas funções, há um conjunto de situações que implicam excomunhão.

MMC – Sim, isso faz parte do nosso trabalho, quando se trata do foro interno, porque se for público é com a Congregação para a Doutrina da Fé. Todos os casos que os bispos e os padres não podem resolver, resolvemo-los aqui. Imagine-se, por exemplo, uma pessoa que profanou a Sagrada Eucaristia, sem que ninguém tenha visto, e passados alguns anos, poucos ou muitos, quer pôr a sua vida em ordem. Através de um sacerdote, comunica essa situação e nós damos-lhe uma penitência.

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