Novo bispo chega a Vila Real, a caminho do centenário e com olhar otimista sobre o Interior

D. António Augusto Azevedo toma posse como bispo da Diocese no próximo domingo e admite ser tentador um convite a “este Papa, com quem tudo é possível”, por ocasião do centenário deste território católico, em 2022

O responsável considera “uma coincidência feliz” o facto de a Diocese celebrar o seu centenário em ano de Jornada Mundial da Juventude, o que “permite cerca de um ano de festa” a Vila Real.

O novo bispo de Vila Real considera o despovoamento do país “uma questão muito séria” e nesta entrevista conjunta à Renascença e Ecclesia admite que “o papel da Igreja, sobretudo nas aldeias que estão envelhecidas e despovoadas, é importante”, mas ao mesmo tempo muito difícil.

Entrevista conduzida por Paulo Rocha (Ecclesia) e Henrique Cunha (Renascença)

 

Já tem uma ideia mais aprofundada da realidade que vai encontrar em Vila Real?

Sim, já tenho uma ideia mais aproximada, tinha uma ideia, enfim, o fruto do conhecimento de visitas durante alguns anos. Nos últimos dias, naturalmente ,documentei-me sobre alguns aspetos, alguns pontos concretos sobre a diocese, mas a partir do dia 30 é que irei conhecer mais em concreto o terreno, as pessoas, a vida da diocese.

 

Tem um percurso muito ligado a Universidade Católica e ao Seminário Maior do Porto, onde se formaram muitos sacerdotes da Diocese de Vila Real. Isso será uma vantagem e como é que pode potenciá-la?

De facto, há essa coincidência feliz de, nos últimos 40 anos, os seminaristas de Vila Real serem formados no Seminário do Porto. Tem sido um projeto de colaboração das duas dioceses, muito bonito, muito estável, tem dado bons frutos e Vila Real tem um conjunto de padres novos; tem uma geração com um número apreciável e certamente também com boa formação. No meu caso concreto, como novo bispo, creio que será uma vantagem porque acredito que o conhecimento pessoal, a proximidade, a relação é um fator decisivo em todas as dimensões na vida e sobretudo na pastoral, na relação de um pastor, de um bispo com o seu presbitério; creio que é um fator muito importante e muito positivo.

 

É meio caminho andado então?

Sim, creio que é meio caminho andado.

 

Tudo aponta para que seja o bispo diocesano por altura do centenário da Diocese de Vila Real em 2022. Já começou a pensar no programa dessas celebrações?

Para mim foi uma descoberta. Essa da coincidência, da celebração do centenário da criação da diocese no ano de 2022. Desconhecia, fiquei a conhecer. É claro que é uma ideia que naturalmente começa a povoar o meu pensamento, o meu espírito, mas não tenho qualquer ideia concreta, até porque qualquer programa, qualquer iniciativa passará sempre pelo pronunciamento da diocese, dos seus órgãos próprios, do seu clero, dos leigos, movimentos e, portanto, só depois esse assunto irá ser aprofundado. De qualquer forma, à partida, julgo que é uma grande oportunidade, o centenário de uma diocese é sempre um momento que será aproveitado para que se tome mais consciência da sua história, dos seus valores e assim ganhe um novo elã para o futuro, para os desafios do presente.

 

O centenário da diocese vai coincidir com a realização em Portugal das Jornadas Mundiais da Juventude e com a presença do Papa nessa Jornada. Esse será também uma feliz coincidência e pode também potenciar a celebração do centenário na Diocese de Vila Real?

Eu julgo que é, de facto, uma feliz coincidência, o que nos permitirá desde logo – e se Deus quiser com este Papa, Papa Francisco – termos quase um ano de festa. Portanto, uma primeira parte do ano teremos o centenário e na segunda parte teremos toda a preparação mais intensa e próxima das Jornadas Mundiais da Juventude e, portanto, o que pode obviamente ajudar a trazer um pouco a juventude desde logo para a vida da diocese.

 

Levar também o Papa á vida da diocese pode ser uma possibilidade?

Não tinha pensado nisso, não me parece que seja muito viável, mas tudo é possível. Mas não me parece de todo que possa acontecer.

 

É uma ideia tentadora?

É uma ideia tentadora, mas é tudo possível com este Papa, portanto…. mas sinceramente não me passa pelo espírito neste momento.

 

Vila Real tal como a maioria das dioceses do interior sofre com a questão do despovoamento. Não está nas mãos da Igreja a solução para este problema. Que apelo é necessário fazer as autoridades para que se aposte em definitivo no combate ao despovoamento do interior?

De facto, a questão do despovoamento é uma questão séria no país. Toda a faixa do interior nos últimos 20-30 anos sofreu uma grande perda de pessoas que migraram para o litoral. Nas últimas décadas, o país inclinou para o mar. Eu acredito, eu quero crer que no futuro – não me atrevo a dizer quando -, mas imagino que num futuro não muito longínquo nós iremos redescobrir o interior, redescobrir o campo. Tenho essa convicção. E isso pode significar, desde logo, alguma gente nova, alguma energia.

Porém, importa também sublinhar que no caso de Vila Real, noutras zonas, há núcleos urbanos – Vila Real, Chaves, Régua e outros núcleos de concelhos – que têm alguma vitalidade. Isto quer dizer que há algum crescimento, muito pela presença da universidade e esse é um fator muito importante, pois temos núcleos urbanos com vitalidade.

Quanto ao papel da Igreja, sobretudo no que diz respeito às aldeias que estão envelhecidas e despovoadas, é um papel importante, embora difícil. Em primeiro lugar, é um papel de presença, portanto a Igreja terá sempre de pensar, digamos assim, formas de presença, ministros ordenados, vida da paróquia… Por outro lado, também que tipo de pastoral, que tipo de assistência, que tipo de redes, de relações humanas e de vida comunitária privilegiar, com os que estão; ao mesmo tempo, a ajuda, o apoio p de emigrantes – sejam os emigrantes dentro do pais, que possam dar apoio, sejam os emigrantes que estão por toda a Europa e por todo o Mundo que também virão nas férias. Perante este problema, a Igreja tem uma responsabilidade importante.

 

E faz da dimensão social do trabalho da Igreja uma dimensão prioritária na diocese?

Julgo que sim. A diocese já tem, tanto quanto eu conheço, alguma presença social e essa presença naturalmente será apoiada. Na minha forma de ver a questão, essa presença deve ser valorizada.

 

Para garantir essa proximidade de que falava?

Exatamente. Isso vale para o interior, para Vila Real, para qualquer sítio. Temos de adequar as respostas sociais às necessidades. No país houve alguns desajustamentos neste aspeto, a Igreja terá de ser nisso muito objetiva e muito realista.

 

E ser supletiva ou ter iniciativa nesse âmbito?

Sempre numa logica de cooperação com o Estado, com as instituições da sociedade civil. A logica terá de ser sempre de cooperação e em relação ao Estado uma logica supletiva, evidentemente.

 

Ainda sobre este despovoamento de que falávamos, D. Amândio Tomás, agora administrador apostólico da diocese de Vila Real, em entrevista à Renascença, alertava para o facto de que, se nada for feito, a região se poder transformar numa “coutada de coelhos”. D. António Augusto parece mais positivo e também nas declarações que fez a respeito da Diocese de Vila Real foi referindo que a zona pode ser uma zona de charneira do transito do interior para o litoral, também no que pode ter de dinamismo a Nacional 2 que passa em Vila Real. Está preocupado de facto com esta “coutada de coelhos” que pode emergir ou tem um olhar mais positivo ?

Eu creio que o Sr. D. Amândio se referia a uma preocupação real própria de um pastor, porém, eu creio que é papel da Igreja e de todas as entidades sobretudo civis, políticas, autárquicas, económicas, etc. potenciar esses aspetos que têm grande potencial, não é? Como é de facto, desde logo, a estrada N2, também essa passagem que vem de Espanha até ao Porto e atravessa Trás-os-Montes, ainda um outro elemento fundamental, que é o próprio Douro. A margem Norte pertence a Vila Real e o Douro tem um potencial turístico imenso. Eu creio que, por exemplo, o fator turismo, no futuro, vai também ter um peso importante, isto é um elemento que pode revitalizar algumas aldeias, alguns lugares; pode ser exatamente o turismo, que já não pode ficar apenas à volta do Porto e, porventura, também à volta de Lisboa, mas deve alargar-se a uma zona tão bonita como é Trás-os-Montes e Alto Douro.

 

E o turismo religioso poderá também ter um papel importante?

Eu creio que sim, nós em Portugal ainda não exploramos, no bom sentido, ainda não temos consciência de todo o potencial do turismo religioso, para alem de Fátima, com certeza, mas o Norte – onde se inclui,naturalmente,  Vila Real – tem um grande potencial em termos de turismo religioso. Isto é, no turismo em geral temos de saber valorizar o nosso património; o património arquitetónico, lugares, sítios, santuários que existem também em Vila Real e Trás-os-Montes que são certamente importantes, pontos de visita, pontos de interesse turístico.

 

Ainda nesta questão do despovoamento, as autoridades e as instituições têm defendido o recurso aos imigrantes como forma de combater a falta de mão de obra nalguns setores de atividade. Soubemos ainda recentemente e é um estudo do ACNUR (Alto comissariado das Nações Unidas para os refugiados) que em 2018 mais de 70 milhões de pessoas foram deslocadas no Mundo devido as guerras e as perseguições. É possível de forma solidária acolher muitos destes imigrantes e ao mesmo tempo combater o despovoamento? O que é que é necessário, na sua perspetiva, fazer para que eles acabem mesmo por se fixar?

Essa é uma questão mais global, pois envolve todas as vertentes da imigração…a imigração também económica e aqui num duplo sentido, isto é, necessária para povos e famílias que têm necessidade de emprego, gente jovem que vem à procura de emprego, também necessário para alguns setores de atividade. Ainda não conheço em pormenor o que se passa por exemplo no Douro, mas daquilo que eu conheço, nomeadamente, tudo o que diz respeito ao vinho do Porto, às colheitas, etc., envolve ainda muita mão de obra – seja na vindima, na vinha, seja na agricultura, em geral, nós precisamos de mão de obra. Precisamos também de valorizar a agricultura, seja em termos propriamente de produção e produção de riqueza, seja também, digamos assim, no que diz respeito à valorização dos campos e das zonas mais agrícolas. Portanto, em termos de mão de obra não sei precisar as necessidades, mas julgo que em geral o país e a zona norte – a agricultura em particular – precisarão de algum tipo de mão de obra importada. Ora, esse trabalho deve ser feito com acompanhamento, com condições, garantindo contratos, garantindo respeito pelos direitos das pessoas. A Igreja deverá estar atenta a isso e acompanhar isso.

 

Por causa da mão de obra, exclusivamente ou para garantir também que territórios que vão ficando sem habitantes possam, enfim, ter continuidade e a aldeias possam ter continuidade?

Sim com certeza.

 

Nomeadamente na fixação de refugiados em Portugal isso já aconteceu e em algumas regiões do país?

Eu creio que nestes fluxos migratórios todos esses fatores se interligam, o fator trabalho, o fator família, o fator despovoamento, o fator desenvolvimento económico todos os fatores se interligam. Agora, o processo tem de ser claro, legal, transparente, acompanhado pelos serviços, atrativo, mas é o Estado que tem de fazer o seu papel e deve acompanhar.

 

O papel será mais ao nível do acolhimento, não é?

Sim, a Igreja é um fator importante também de acolhimento dos imigrantes, ou seja, a comunidade cristã é uma comunidade onde as pessoas se reencontram sempre e que ajuda a abater alguns muros e alguns receios, certamente ajuda a fazer pontes.

 

Acredito que para a Diocese de Vila Real os emigrantes, aqueles que saíram, sejam também um desafio a ter presente por que estão dispersos e porque regressam nos meses de verão. Que pontes a diocese deve estabelecer com essas comunidades?

Daquilo que eu sei, e ainda não é muito, de facto há muitas pessoas oriundas da diocese que estão noutros países, sobretudo da Europa. As pontes fundamentais têm a ver naturalmente com a informação relativa da vida da diocese, com o acolhimento devido no tempo de férias, quando vêm, para se sentirem de facto membros importantes e ativos da vida das paroquias. É muito importante manter esta ligação com todos, com aqueles que ainda nasceram por cá e também com os outros são filhos desses que ainda nasceram na terra. É muito importante manter essa ligação com os descendentes e com as novas gerações.

 

Gostava de o ouvir sobre a ligação do interior à interioridade, à espiritualidade. Que potencialidade tem Vila Real nomeadamente em torno do Douro, em torno de figuras inspiradoras como Miguel Torga?

Eu julgo que o interior e as paisagens e os horizontes são os que se abrem, enfim, em vários locais do interior sobretudo Vila Real e Trás-os-Montes e permitem, ou favorecerem uma ligação da pessoa à terra. E esta é uma ligação muito forte. Portanto, ajuda a ter uma perspetiva da vida, uma perspetiva da história muito consolidada, muito telúrica e eu creio que isso configura uma espiritualidade muito sólida. Acredito que é um fator a ter em conta e um fator também a valorizar.

 

Avançando para situações que dizem respeito à Igreja Católica em Portugal. Recordo, por exemplo, a decisão da última assembleia plenária da Conferência Episcopal Portuguesa sobre a comissão de proteção de menores em cada uma da diocese. Terá de dar passos urgentemente também em Vila Real após a tomada de posse?

A questão dos abusos, digamos, é uma questão pertinente, atualíssima é uma preocupação do Papa Francisco com a qual naturalmente eu e todos os bispos, todos nós comungamos e cada diocese  –  Vila Real também o fará – irá pôr em pratica todas as orientações que foram dadas, seja no capítulo da prevenção seja também no capítulo de tomar medidas, para eventuais casos que possam surgir. Deus queira que não. Mas todos os aspetos necessários deverão ser concretizados.

 

Sendo que tem casos em curso da diocese, não é?

Pois, esses dossiers, como compreende, ainda não os tenho na minha mão.

 

Que reflexão lhe merece esta abertura à ordenação sacerdotal de casados na Amazónia?

Não creio que a questão ainda se possa por de forma tão direta e frontal. Eu estive no último Sínodo, fiz parte do último Sínodo, enfim, de certo modo já se anunciava que essa questão poderia vir a fazer parte da reflexão deste Sínodo extraordinário sobre a Amazónia. Eu creio que a questão – e que já vem escrita aliás no documento de trabalho, o “instrumentum laboris” – coloca em cima da mesa a questão relativa ao tipo de resposta ministerial que a Igreja deve pensar e repensar, para assistir as comunidades num meio tão duro, tão disperso e tão amplo como é a Amazónia. Que se salte imediatamente para a questão da ordenação de homens casados, creio que é ir um pouco longe demais, é um passo demasiado largo. Agora que serão dados passos no sentido de encontrar respostas ministeriais para as necessidades das comunidades, creio que sim.

 

Inclui-se por certo este tema, num tema mais vasto que é o da vocação; tema que foi também refletido no Sínodo dos jovens.

O Sínodo debruçou-se também sobre a questão da vocação e desde já há um efeito que me parece que aos poucos se está a notar e que a exortação do Papa, ‘Christus Vivit’ de certo modo já assume, que é de encarar a palavra vocação de forma muito mais arejada e muito mais atrativa para os jovens.  Até agora era um tema, uma palavra um bocadinho difícil para muitos deles. Eu creio que a palavra e o modo como a vocação é apresentada no Sínodo e na exortação é muito mais aberto e, portanto, favorece que o tema seja de facto abordado pelos nossos jovens, na Igreja, nos movimentos e seja instinto de reflexão.

 

E diz respeito a todos? Não só a sacerdotes ou religiosos?

E diz respeito a todos, exatamente. Parece-me, pelas primeiras impressões que vou colhendo, que esta nova geração dos jovens e dos jovens cristãos está disponível para olhar para a sua vida nesta lógica de missão e vocação.

 

Incluindo uma cultura vocacional no seu projeto de vida?

Sim, creio que sim.  portanto olham para a sua vida de uma forma mais responsável no sentido de tomarem decisões com algum futuro com alguma continuidade e, portanto, a Igreja os acompanhará nesse caminho e eu creio que esta é a primeira viragem que é preciso fazer. No entanto há uma segunda que está por fazer e que me parece mais lenta: termos uma verdadeira cultura vocacional na Igreja – nas comunidades movimentos. Ainda me parece que estamos longe disso.

 

E preciso trabalhar mais em família esse pormenor?

Também em família sobretudo nos primeiros passos, mas eu não restringiria à família. Acho que nos ambiente em que os jovens se encontram nas escolas, nos movimentos, nos grupos de jovens, etc., esta questão deve ser claramente colocada, porque me parece que há dois sobrepostos que se verificam para mim: o primeiro, que Deus continua a chamar os jovens; segundo, que os jovens são generosos e disponíveis, embora com receio de aceitar. E portanto, estou relativamente otimista quanto a isso.

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Agência ECCLESIA

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