Nova lei do divórcio apresenta «inconsistências»

Houve lacunas no debate e explicação do projecto-lei do divórcio, aponta Alexandre Sousa Machado, Professor de Direito da Família na UCP à Agência ECCLESIA. O projecto-lei do divórcio, a ser discutido na Comissão de Assuntos Constitucionais da Assembleia da República, foi “dissimuladamente analisado e aprovado”. “Não houve audição suficiente com a ideia de passar uma liberalização e um avanço sobre o «obscurantismo» que o casamento católico impunha à sociedade”. O Professor de Direito da Família acredita não haver razões justificadas para alterar a lei, cujas consequências práticas não foram ponderadas. Na base da alteração, segundo Alexandre Sousa Machado, poderão estar factores de “modernidade”. Consciente ou insconscientemente o Parlamento ao aprovar esta lei, “vai veicular a facilitação do divórcio e isso é consequência da desvalorização do casamento”, explica o professor de Direito da Família, que cada vez mais “é visto não com alicerce da sociedade, mas como uma situação conjectural, passível de mudança e unilateral”, frisa. O professor de direito explica que estamos perante um quadro onde “quase se acaba o casamento por notificação, sem invocar factos, apenas a vontade”, acrescentando ainda que “para o casamento são precisos dois, para o divórcio só é preciso um e sem fundamento”. “Se a violação culposa dos deveres conjugais deixa de fazer sentido, podemos questionar para quê um casamento com os deveres estipulados e, então podemos até admitir casamentos a prazo”. Estas são situações que parecem “absurdas”, mas passíveis de abrir espaços para outras conjecturas. “O casamento deveria ser apoiado e valorizado, sem prejuízo de percebermos que o divórcio pode ser um remédio para situações de crise”. Mas adverte o Professor, “fazer do recurso ao divórcio algo de menos difícil que o casamento, parece excessivo”. Alexandre Sousa Machado afirma que o casamento não deve perder a importância social que ainda lhe assiste. “As pessoas são livres de se unirem em união de facto, encontrando para isso, um quadro de protecção social e jurídica”. “Quem opta pelo casamento tem de perceber a inerência de valores e conceitos associados que devem ser respeitados”. Algumas inconsistências Sem traçar cenários conjecturais sobre a aplicação do projecto-lei do divórcio, “pois dependerá da interpretação dos tribunais e da jurisprudência criada à volta da lei”, Alexandre Sousa Machado reflecte sobre algumas inconsistências. A alteração à lei do divórcio prevê que, numa situação de conflito, o autor de um acto de violência doméstica, por exemplo, seja a pessoa que peça o divórcio e invoque a situação de crise e ruptura definitiva, contra a vontade do outro. “Na actual lei, uma situação de violência doméstica é fundamento de divórcio porque representa a violação do respeito que é imposto no casamento”, explica o Professor de Direito da Família. Sendo uma violação grave da integridade física e do respeito do cônjuge, era já uma situação passível de divórcio, mas era fundamento se este pedido fosse feito pelo cônjuge vítima. Agora, como se permite essa situação possa ser fundamento de divórcio, “independentemente da culpa, está-se a permitir que o cônjuge culpado venha a ser o autor da acção e de uma forma unilateral, demonstrar que já houve ruptura, não quer estar casado e assim impor a sua vontade”. A liberdade individual de uma pessoa que não quer estar casada “entra em choque com a liberdade e vontade do outro”, explica Alexandre Sousa Machado, que acrescenta ainda que o projecto lei “consagra um desequilíbrio”. Acerca da prestação de contas, o professor explica que actualmente marido e mulher têm o dever de contribuir para os encargos da vida familiar de acordo com o que ganham, com o trabalho doméstico ou com o apoio que possam dar à educação dos filhos, entre outras coisas. A actual lei propõe que “independentemente do espírito comunitário do casamento, que assenta numa comunhão de vida, se a contribuição de um dos cônjuges tiver sido superior àquela que seria exigível de acordo com a regra da possibilidade de proporcionalidade, presumia-se que os cônjuges renunciavam a qualquer compensação”. A nova lei vem propor que se algum dos cônjuges tiver contribuído com um valor manifestamente superior àquele que lhe caberia, “passa a ser credor do outro, por aquilo o que tiver contribuído a mais”. Esta situação “aparentemente e segundo o autor da lei, permitia proteger as mulheres que trabalhavam em casa” comparativamente com os maridos que trabalhavam fora e menos em casa. Alexandre Sousa Machado explica que esta situação vai conduzir a uma “contabilização excessiva e mesquinha” das contribuições de cada um dos cônjuges para a economia do casal. Este quadro vai desencadear situações de “desconfiança incompatíveis com a relação de confiança pura que deve existir entre marido e mulher”, explica o professor. “Situações porventura caricatas e pequenos mas que na prática levantam grandes questões e grandes litigâncias nos tribunais, quando esta questão nunca foi levantada como sendo um problema real”. Alexandre Sousa Machado sublinha que o projecto lei tenta interferir em matéria que não era problemática. Acerca da regulação do poder paternal e as obrigações de consentimento, Alexandre Sousa Machado afirma que tribunais e juizes de família não entendem esta medida como positiva. O projecto lei do divórcio obriga o detentor do poder paternal a obtenção de consentimento para decisões sobre os filhos. “Não é fácil encontrar progenitores que aceitem e exerçam com serenidade o poder paternal em conjunto” ou como agora se vai chamar, as responsabilidades parentais. Esta é uma questão, problemática na prática, alerta o Professor. “Transformá-la numa regra que dite que as responsabilidades parentais devem ser exercidas em conjunto pode levantar problemas”, aponta. Uma resolução que pretende acabar com o afastamento do pai na vida do filho, “pois o poder paternal é por defeito entregue à mãe”. No entanto “a situação em que as mães a assumem inteiramente os cuidados dos filhos está ultrapassada. Há muitos pais que estão tão próximos dos filhos como as mães”, salienta o Professor de Direito da Família. Finalizando, Alexandre Sousa Machado explica que o projecto lei não se justifica, pois “não há nenhum movimento social, nem imperativo jurídico, social ou económico” para as alterações propostas.

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