Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
Há muitos anos um amigo disse-me – “ ver o telejornal é assistir a uma hora de depressão.” A partir desse momento experimentei deixar de ver o telejornal e passei a estar mais bem disposto. Mas não é importante estarmos informados e saber o que se passa no mundo?
O acesso à informação hoje não é o mesmo do que há 10 ou 20 anos. Tudo está à distância de um dedo. Mas o problema é que esse tudo no século XXI significa uma quantidade de informação tal que nenhum ser humano possui a capacidade de a processar. O consumo de informação é visto como algo socialmente bom, mas será? Qual a razão de consumirmos tanta informação? É para estarmos a par de tudo o que se passa no mundo? E para quê? Neste momento não sei se nos tornámos vorazes consumidores de informação, ou se nos deixamos consumir por tanta informação e não nos damos conta disso. Há um perigo à espreita.
O perigo de informação a mais
Estar informado de tudo e mais alguma coisa não é o mesmo do que saber o que se passa realmente. O ser humano não recebe apenas informação, mas processa-a no seu interior. Confronta essa informação com a sua experiência, procura diversas fontes e analisa-as. E só no fim produz uma ideia sobre o assunto.
Quando ouvimos pessoas que estão informados sobre tanta coisa ficamos fascinados, e corremos o risco de confundir estar informado com saber. Por vezes, aquele que consegue debitar muita informação memorizada da que consumiu, acaba por revelar a dificuldade que tem em pensar no seu interior. Esse é o perigo. Mascarar a dificuldade de pensar dentro de nós com uma busca insaciável pelo que se passa fora de nós.
O efeito psicológico de noticiários da desgraça
O psicólogo americano, Graham Davey, especialista em ansiedade diz que
”se um programa de televisão gera experiências negativas de humor (por exemplo, ansiedade, tristeza, raiva, desgosto), então, estas experiências afectarão o modo como interpretamos os eventos da nossa vida, quais os tipos de memórias que relembramos, e quanto nos preocupamos acerca desses eventos.”
Mas será que isto inclui programas como o telejornal? Além do aumento da negatividade das notícias que assistimos nas últimas décadas, a tendência para tornar essas notícias mais emotivas e sensacionalistas também aumentou. No seu livro “Newszak and News Media”, o professor de jornalismo da Universidade de Cardiff Bob Franklin diz que
”o entertenimento superou a provisão de informação; o interesse humano suplantou o interesse público; o juízo medido sucumbiu ao sensasionalismo.”
Quer isto dizer que acaba por haver uma competição entre os telejornais e os programas de entertenimento que antes não havia. Graham Davey acabou por fazer um estudo sobre o efeito psicológico dos noticiários da desgraça para confirmar como esses afectavam o humor das pessoas, mas descobriram algo mais. As pessoas que viram os noticiários carregados de negatividade passaram a ter mais preocupações e com tendência a falar mais delas. De tal modo que começavam a fazer com que essas preocupações parecessem piores do que realmente eram.
Momento de uma atitude criativa
Quando as pessoas argumentam como é importante saber o que se passa no mundo, esquecem que não é só o mal que acontece, mas também o bem. E em vez das notícias negativas ajudarem-nos a reflectir sobre a nossa vida e o que podemos fazer para minorar o sofrimento dos outros, acabamos por ficar mais tristes, ansiosos e exacerbar as nossas preocupações.
Depois do que aconteceu à minha amiga e psicóloga Maria José Vilaça, também o jornalismo de investigação que, supostamente, nos deveria ajudar a pensar, tornou-se jornalismo de difamação. E a razão é a mesma, enterter as pessoas com negatividade e ideologia.
Creio que devemos estar muito atentos e não desprezar a reflexão interior. Quando ouvimos notícias, não esquecer de as questionar. Ou então, fazer a simples experiência de não ver qualquer telejornal durante uma semana e avaliar sentimos o efeito da ausência de negatividade nos nossos pensamentos e preocupações.
Talvez seja o momento de uma atitude criativa e… voltarmo-nos para os jornais (papel ou online). De voltarmos a ler notícias porque qualquer leitura é sempre mais interpelante do que o mero consumo de informação e favorece o pensamento interior sobre as coisas. Mas não guardar para nós o que pensamos e partilhar com os outros. Por vezes, as perspectivas diferentes da nossa ajudam-nos a ter uma percepção mais próxima da realidade e, quem sabe, mais positiva da vida.