O trabalho e o desemprego Numa altura em que muitos sentem na pele a instabilidade da crise financeira e económica, não poderia deixar de abordar a relação da pessoa humana com o trabalho, não apenas como meio de subsistência, mas também como realização da própria pessoa. Em tempos de crise é preciso não perder de vista a hierarquia de valores, de modo a não se deixar absorver pelo imediato e esquecer ou neglicenciar o que é mais importante. Com certeza que ninguém duvida que a pessoa humana, a sua dignidade está acima das realidades económicas e financeiras. Estas devem estar orientadas para o bem da pessoa e da sociedade, do bem comum. Por isso não é racional nem justo colocar a solidez financeira ou económica acima do bem das pessoas, e muito menos quando essa solidez apenas diz respeito a alguma elite social. É verdade aceite pela generalidade dos sistemas políticos que nenhuma sociedade funciona bem se as pessoas viverem na ociosidade, não tiverem ocupação digna, não trabalharem. Mas o trabalho é importante não apenas para obter o sustento e bem estar das pessoas, mas também factor da realização da dignidade da pessoa. Pelo trabalho a pessoa constrói a sua identidade, afirma a sua responsabilidade, contribui para o progresso e desenvolvimento do mundo, para o bem comum da sociedade e para o bem estar próprio e daqueles que lhe estão ligados por laços de sangue ou de amizade. As condições de trabalho e os objectos em que se realiza ou produz são diversos e mudam com o evoluir dos tempos. Basta pensar na sociedade agrária e artesanal, a revolução industrial e o desenvolvimento das novas tecnologias. Embora o homem não viva só para o trabalho, no entanto, sem trabalho, seja ele de que nível ou âmbito for, a pessoa humana não se realiza. Já os antigos diziam que a ociosidade é a causa de todos os vícios. Por isso é do interesse de todas as sociedades, da família e da pessoa, para que se realizem na harmonia, no bem estar, na coesão, que todas as pessoas em idade adulta tenham trabalho, contribuam para o bem comum, afirmando a sua corresponsabilidade pelo bem de todos. A organização socio-laboral e política não deve ter em conta apenas o desenvolvimento económico, a riqueza material, mas sobretudo a dignidade das pessoas. Não é de admitir que em nome do progresso tecnológico e da rentabilidade económica se faça uma racionalização das empresas que lance no desemprego os trabalhadores, sobretudo quando não se encontram alternativas de trabalho digno. É certo que nas crises se tomam decisões difíceis para salvar o que é possível. Mas sabemos que sob este nome se esconde muita ambição de grupos económicos, que aproveitam a situação de confusão para ter em conta apenas os próprios interesses. As empresas e os governos têm que dar-se as mãos para encontrar soluções dignas da pessoa, evitando lançar na dependência da solidariedade social as pessoas em idade de construirem a sua personalidade, e estão neste caso as camadas jovens, ou com responsabilidades familiares. Vale a pena ler alguns textos da doutrina social da Igreja a respeito do trabalho, para definirmos bem os critérios de acção em tempo de crise. Sem soluções equilibradas e justas a sociedade não terá coesão e viabilidade. Uma grande atenção é pedida aos empresários e políticos para as famílias com membros menores, em idade de crescimento, para os jovens à procura do primeiro emprego, para as instituições que se ocupam das pessoas mais fragilizadas. O desemprego, mais que a crise financeira, embora por vezes lhe ande associada, é um grande flagelo para a humanidade. Em vez de projectos megalómenos, que podem dar trabalho a algumas pessoas e enriquecer alguns grupos, há que viabilizar as pequenas empresas, que são a força do tecido social e, embora lentamente, contribuem para um desenvolvimento coeso e sustentável, ao mesmo tempo que humanizam as sociedades, outra vez em perigo de criar não um novo proletariado como na revolução industrial, mas uma massa anónima de desempregados revoltados ou de mendigos resignados. Nenhuma destas soluções é promissora de bem estar social e de afirmação da dignidade da pessoa. Embora sem soluções concretas, aqui deixo estes primeiros apontamentos sobre o trabalho e o desemprego, esperando voltar a tocar estes problemas, enquanto fico à procura de alternativas viáveis para o tempo de crise. Fico também aberto a sugestões dos ouvintes, pois sei que há muito espírito de iniciativa e algumas boas práticas entre empresários e trabalhadores, que é preciso dar a conhecer e multiplicar por esse país fora. Agradeço uma vez mais a atenção dos ouvintes e leitores, desejando a todos uma boa semana de trabalho e empenho pelo bem comum. Até para a semana, se Deus quiser. † António Vitalino, Bispo de Beja