Nota Pastoral por ocasião dos 50 anos do Monumento a Cristo Rei

Ocorre a 17 de Maio de 2009 o cinquentenário da inauguração do Santuário a Cristo Rei, em Almada, na diocese de Setúbal. Os Bispos de Portugal consideram oportuno lembrar o contexto deste empreendimento, focar os eixos da espiritualidade que o ergueram e aprofundar a mensagem deste Santuário para as comunidades cristãs. 1. As razões motivadoras para levar por diante a construção do Santuário de Cristo Rei estão bem evidentes nas Cartas Pastorais colectivas do Episcopado Português de 1937, 1946 e 1959. De facto, perante a cruenta guerra civil na vizinha Espanha e o crescimento do desprezo por Deus, o monumento era acto de desagravo, mas sobretudo expressava gratidão a Cristo por Portugal gozar de paz e incentivava a exigência de um ressurgimento nacional inspirado, na linha da tradição, em Jesus Cristo, único Senhor. Fundamental para o avanço da concretização da ideia foi, sem dúvida, o movimento espiritual, dinamizador dos católicos para a adesão e para a partilha de bens, necessárias para levar a bom termo a iniciativa do Episcopado. Sem a Acção Católica, com a sua mística do reinado social de Cristo, e o Apostolado de Oração, promotor da devoção ao Sagrado Coração de Jesus, a ideia da erecção do Monumento não avançaria. Só após o fim da guerra, em Maio de 1945, se anunciou, na Pastoral colectiva de 18 de Janeiro de 1946, a decisão de cumprir o voto de levantar o Monumento a Cristo Redentor. As obras terminariam apenas em 1959, graças à generosidade e empenho dos católicos. 2. As correntes de espiritualidade animadoras do projecto mostraram vigor interior e eficácia na mobilização. A centralidade da vida espiritual em Cristo, sempre associando o Coração de Maria, dentro da fiel tradição católica, estava presente nos referidos movimentos mais dinâmicos da época em que nos situamos. O pontificado do Papa Pio XI (1922-1939), que tinha assumido como máxima “Pax Christi in Regno Christi” (A Paz de Cristo no Reino de Cristo), deu impulso novo a um catolicismo militante no seio da sociedade. A Festa de Cristo Rei, instituída em 1925, insere-se neste espírito da “realeza social de Cristo”. Visava instaurar e dilatar o reinado de Cristo pela recristianização da sociedade, passo e condição fundamental para a salvaguarda da paz. A mentalidade da época era particularmente sensível a uma verdade universal: se a sociedade obedecesse à lei de Cristo, em vez de esquecer Deus, haveria uma ordem social que respeitaria a liberdade, a acção e a organização da Igreja; dar-se-ia primado ao espiritual, o que conduziria a um humanismo integral. 3. O II Concílio do Vaticano recentrou a reflexão teológica na relação entre o crescimento do Reino de Deus e o progresso da cidade terrena. Neste enquadramento, uma renovada visão da Igreja revalorizou a dimensão missionária e o papel militante dos leigos na construção do mundo, na fidelidade à novidade inaugurada em Cristo. Aliás, a nova localização da festa de Cristo Rei, no final do ano litúrgico, em vez do último domingo de Outubro, sublinha o alcance escatológico da festa, associado à preparação da manifestação gloriosa de Cristo. Seguindo estas coordenadas e atendendo ao papel pastoral que os santuários são chamados a desempenhar, como lugares de animação espiritual, apontamos para uma actualizada mensagem do santuário: acolher Cristo como fonte de vida e transformar a sociedade segundo os critérios do Reino de Deus. 4. Fundamental é, antes de mais, acolher o apelo do Papa João Paulo II para o novo milénio: fixar o olhar intensamente em Cristo, sem distracções. Perante tanta publicidade a suscitar a nossa atenção, a seduzir o nosso olhar, a distrair-nos do que é essencial, eis a proposta ousada do Papa: a partir da leitura contemplativa dos Evangelhos, encontra-se o rosto do Senhor. Será pela experiência de silêncio e oração, ambiente adequado para um conhecimento mais “verdadeiro, fiel e coerente” (NMI, n. 20) daquele mistério de um Verbo feito carne, que cada um de nós se poderá debruçar sobre o abismo do mistério profundo de Cristo. Haverá momentos para cair em adoração, como quando se enfrenta a hora da Cruz, e momentos de conversão ao rosto do Ressuscitado, qual experiência pascal revigorante. Na expressão papal, “confortada por esta experiência revigorante, a Igreja retoma agora o seu caminho para anunciar Cristo ao mundo no início do terceiro milénio” (NMI, n. 28). É, realmente, fundamento da acção missionária reviver, como fonte da verdadeira alegria do coração, pela contemplação, a experiência do rosto integral de Cristo. Há um Senhor da História. Mesmo nos momentos mais difíceis da humanidade somos guiados por Ele, como manifestaram os bispos portugueses há cinquenta anos. O Coração trespassado de Cristo abre-se a interceder por nós (cf. Heb 7,25). Convida: “vinde a mim, vós todos que andais cansados e oprimidos” sob o fardo da vida (Mt 11,28). Uma espiritualidade centrada em Cristo conduz a dar a vida pelo Reino, de modo mais frutuoso. O ardor apostólico vem do encontro pessoal com Cristo, da necessidade de comunicar ou narrar a outros a experiência vivida. A santidade, o modo único como cada um responde à nova vida em Cristo, é a chave do ardor renovado da nova evangelização. Só assim se suscitará a adesão pessoal a Jesus Cristo e à Igreja de tantos homens e mulheres baptizados que vivem sem energia o cristianismo. 5. De facto, centrado em Cristo, o cristão acolhe o dinamismo da geração eterna do Verbo feito homem e situa-se no tempo! A comunhão no Corpo de Cristo faz participar na oferenda do dom realizado por Cristo, Rei e Senhor. Oferecendo-se com Jesus, o cristão integra-se no dinamismo da história. Oferece-se para viver, segundo o espírito filial, os mistérios do trabalho, do amor e de adoração, na vontade de conduzir à perfeição o movimento transformador da sociedade. O respeito pela laicidade positiva é desejado e favorecido por uma acção corajosa e eficaz dos cristãos radicados no serviço do Reino de paz e de justiça. Por sua vez, ler a presença de Deus na história, à luz de Cristo, é fonte de novo ardor na construção do bem comum. Trata-se de um ardor marcado pela valentia. O evangelizador não se pode calar. Acontece, assim, o anúncio, a denúncia de injustiças, a resposta pronta e concreta às situações. Também a causa dos pobres, de todas as formas de pobreza, faz arder o apaixonado por Cristo e entusiasma o evangelizador fiel à salvação de Deus no decurso da história. 6. A Conferência Episcopal Portuguesa renova, nesta hora, a vontade de conduzir os cristãos à contemplação do mistério do Redentor, Jesus Cristo, vendo no Coração humano do Verbo encarnado a fonte inesgotável, capaz de saciar todas as sedes. O Monumento, amplamente visível, que nos apresenta Cristo de coração e braços abertos, é um sinal eloquente da verdadeira imagem de Deus: humano e acolhedor, manso e humilde, um Deus que ama infinitamente a cada pessoa e a toda a humanidade. Recordar ou ver o Monumento a Cristo Rei deverá avivar a feliz notícia de que “Deus é amor” (1 Jo 4, 8.16). É este mesmo Amor que nos impele a, unidos a Cristo, lutar sempre para libertar a sociedade do nosso tempo da escravidão e da injustiça, ser defensores da vida em todas as circunstâncias, ser capazes do perdão, estar atentos à salvaguarda da criação, ser construtores da paz e arautos da esperança. Apelamos às comunidades cristãs e aos movimentos que encontrem modos concretos para centrarem mais em Cristo a sua vivência espiritual e para agirem como sinais vivos do amor de Deus no tempo presente. Fátima, 16 de Janeiro de 2009

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Agência ECCLESIA

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