Do Presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social
Jesus despendeu parte do seu tempo de missão a abrir os olhos dos discípulos. Não se pode ser cristão fora da realidade, sem estar atentos às injustiças e desigualdades, às pobrezas e exclusões que vingam e crescem na hora presente. A primeira atitude perante tais situações seria de indignação ética, nascida de uma consciência que considera sem sentido uma vida de costas voltadas para a compaixão e a misericórdia diante dos pobres e excluídos. Esta causa para a Igreja fiel a Jesus não pode constituir uma causa de alguns mais sensíveis, mas a causa a que todos consagrem dedicação e responsabilidade em ordem a erradicar a pobreza. Temos de chegar ao que a Caritas Europa chamou Pobreza zero.
Impõe-se, antes de mais, um conhecimento crítico e transparente da realidade, muito ocultada por mecanismos de interesses cruzados. Ir às raízes das injustiças e destruir-lhes a fatalidade é trabalho de caridade e dever de cada ser humano diante de si próprio. Há soluções para a pecaminosidade que a situação evidencia. Os pobres e excluídos não são realidade homogénea e a nossa visão é situada e variada, a partir do ponto social em que a olhamos e consideramos. A conversão do nosso olhar adquire objectividade para reconhecer que é o modelo de desenvolvimento que seguimos a abrir a nossa mente e coração aos que perdem os mais essenciais laços de pertença social e de cidadania consciente, propendem para a marginalidade, afastados das oportunidades de integração.
A crescente tomada de consciência que os pobres e excluídos têm de si mesmos e a assunção do seu caminho libertador, deve ser prosseguida como paciente serviço ao futuro. Importa passar ao seu terreno fazendo nosso o seu projecto, não dirigindo-o, mas apoiando-o, estando ao serviço. Ser companheiro das suas lutas e defensor dos seus interesses, ajudá-los a ter peso na sociedade implica em nós um êxodo mental e cultural, político e afectivo, muito adequado ao tempo quaresmal em que vivemos este dia Caritas.
Conscientes, sem ingenuidade, da complexa globalização com suas coordenadas geopolíticas e ultrapassada a passividade e a indiferença, tomamos posição e definimos estratégias de intervenção neste drama maior da história. Seria desperdício escandaloso gastar vida e recursos em tarefas superficiais e secundárias, quando há ocasião oportuna para acção urgente e eficaz.
A complexidade dos problemas, dada a sua articulação económica, política, cultural e socio-pedagógica, torna a exclusão um monstro, que alguns pensariam descartável. Ou seja: a dificuldade em enfrentar e curar o mal pode excluir a questão para os discursos da retórica, a que o ano europeu obriga. Ora, com os excluídos não importa jogar, mas intervir. A sua existência denuncia as feridas do corpo social a que pertencemos. Nós estamos doentes com eles e necessitamos de uma operação. E a intervenção é prolongada.
A visão de fé que nos sustenta faz-nos sentir afectados por esta situação do desenvolvimento do mundo e rasgar caminhos do Reino novo que Jesus abriu e o Espírito do Senhor impele entre nós. Neste ano é essencial estar com as pessoas excluídas. É opção primária que requer: tempo acolher e perceber as histórias de vida, paciência para os retrocessos, humildade para os avanços. No ambiente das pessoas excluídas entra-se pouco a pouco, até entendermos que o seu lugar é lugar de Deus. Podemos passar, tendo percursos diferentes, e reconhecendo a nossa alteridade, ser companheiros compassivos, com princípios, meios e recursos. É esta relação que a todos humaniza e liberta. Esta proximidade destina-se a criar autonomia, de modo que as intervenções nasçam, quanto possível, da consciência dos atingidos pela exclusão. O terreno é difícil para pessoas que perderam a sentido de pertença ao colectivo e vivem como anónimos. O grande exercício de transformação das situações, através da promoção de valores e de atitudes, do desenvolvimento do sentido crítico, da participação activa, é próprio de quem acredita no futuro.
Convido todos a viver o Dia caritas dispostos a repensar as suas atitudes para com a pobreza e a exclusão social.
Lisboa, 14 de Fevereiro de 2010
D. Carlos A. Moreira Azevedo, Presidente da Comissão Episcopal de Pastoral Social