Família, transmissão e educação da fé
“A família é a primeira escola das virtudes sociais de que as sociedades têm necessidade… A família é a primeira, mas não a única e exclusiva comunidade educativa” (João Paulo II, FC ns 36 e 40).
“A família, como a Igreja, tem por dever ser um espaço onde o Evangelho é transmitido e de onde o Evangelho irradia… Os pais não somente comunicam aos filhos o Evangelho, mas podem receber deles o mesmo Evangelho profundamente vivido” (Paulo VI, EN n.71).
1. O que entre nós era uma realidade há umas dezenas de anos, tornou-se hoje uma preocupação, muitas vezes sem grande eco nas pessoas mais responsáveis, dado o seu papel de interventores necessários num processo importante da vida. Trata-se da missão da família cristã no processo educativo dos filhos e na transmissão e educação da fé, assumida como dever e encargo. Trata-se, ainda, de a família assumir o seu lugar, como espaço de valores morais, de oração, reconciliação, abertura a projetos de vida e a compromissos apostólicos.
A sociedade mudou e, nela, o processo de mudança continua imparável. A família, parte viva da sociedade, também mudou, e a mudança afeta o relacionamento dos seus membros, a compreensão das suas tarefas, a ocupação e o trabalho fora de casa, a disponibilidade de tempo e de vontade para os serviços normais do seu dia a dia, o embate com leis civis que não a respeitam, antes a agridem, a dificuldade de reagir, de modo ativo e em rede organizada com outras famílias, à invasão opressora de ideias e de comportamentos que lhes são alheios. Sem deixarem de influir em todos, as mudanças tocam, de modo especial, os mais novos.
Deste modo, a família tem mais dificuldade em se encontrar como família, e, também, como família cristã, diminuindo, sempre mais, a sua capacidade para responder aos novos desafios que se lhe põem e para realizar as suas tarefas fundamentais. Se este processo não for contrariado, a família vai-se tornando, pouco a pouco, uma instituição frágil, desagregada e socialmente irrelevante.
2. A Igreja acredita no desígnio de Deus sobre a família, sabe o significado e o alcance do sacramento do Matrimónio, conhece e defende a importância da família em ordem à vida dos seus membros, o seu papel na sociedade e a sua missão na Igreja, considerando a instituição familiar como célula fundamental da sociedade, e a família cristã como uma “Igreja doméstica”. Em virtude desta fé e desta convicção, no contexto social e cultural atual, a Igreja olha a família com amor e atenção, luta pela sua defesa, empenha-se na reconstrução da sua identidade e verdade, ajuda-a a realizar, por meios diversos, as suas tarefas essenciais.
Uma destas tarefas da família, de importância decisiva para a sociedade e para a Igreja, é o dever irrenunciável dos pais da educação dos seus filhos em todos os aspetos e da transmissão da fé, não só no seu espaço próprio, mas até onde se pode estender a sua capacidade de intervenção.
A tarefa educativa, nos aspetos fundamentais, a família nunca a realizou sozinha. Por isso, não pode estar ausente onde ela se processa, seja nos espaços normais do lar, na escola e na comunidade cristã. Aí se deve sentir a sua colaboração efetiva, dada e aceite, com os muitos intermediários indispensáveis, professores e demais educadores de todos os níveis.
3. A educação da fé, iniciada no seio da família cristã, como abertura a Deus e primeira aprendizagem de palavras e gestos religiosos significativos, é continuada, depois, nos outros espaços de vida da criança que vai crescendo: o jardim de infância, a catequese paroquial, a escola dos diversos ciclos. Para muitas crianças, adolescentes e jovens, também se faz nos movimentos e grupos apostólicos de sentido eclesial. Aí se transmitem valores morais para a vida, se proporciona ocasião para o aprofundamento da fé, a abertura ao apostolado, a opção vocacional e o serviço aos outros, dimensão normal e indispensável da vida cristã.
4. Nesta Semana Nacional de Educação Cristã, queremos sublinhar a importância da ligação entre família e educação da fé. Sabemos que muitos pais continuam, neste campo, atentos e colaborantes, conscientes do seu dever de educadores principais dos seus filhos. Queremos apoiá-los e dizer-lhes quanto nos alegra este seu empenhamento, pedindo-lhes que não desistam nunca e que ajudem outros pais a agir de igual modo.
Não deixamos, porém, de estar atentos às famílias que continuam a dizer-se cristãs, mas que, conservando uma expressão religiosa tradicional, deixaram empobrecer a sua ligação a Deus e à Igreja, uma atitude que, em alguns a aspetos, acaba por atingir os seus filhos. Chegam agora à catequese crianças sem qualquer iniciação cristã, e sentem-se, a partir daí, omissões em ordem ao seu acompanhamento e ao cuidado da sua formação moral e religiosa nas escolas. Catequese na paróquia e aula de Educação Moral e Religiosa nas escolas são atos complementares, que não se substituem um ao outro. Não esquecemos que o dia a dia de muitas famílias é hoje complexo e difícil, por razão dos horários de trabalho e do trabalho longe de casa que proporcionam pouco tempo com os filhos, das exigências materiais, indispensáveis para ir ao encontro das necessidades familiares. Uma ordenação das prioridades, o aproveitamento dos fins de semana para a família, o recurso a outros membros da família, como os avós quando estão por perto, podem ajudar na educação e transmissão da fé. Os filhos que frequentam a catequese e as aulas de educação moral e religiosa podem ser também uma ocasião para que os pais reatem a vida cristã e se integrem na vida da Igreja.
5. O programa da catequese paroquial, ao longo de dez anos, e o do ensino religioso nas escolas ao longo de doze anos, precedidos ambos do despertar da fé no seio da família e no Jardim de Infância, não dispensam a participação possível dos pais no processo educativo, bem como a sua colaboração com os agentes diretos desta ação, catequistas, professores, educadores e animadores. Vamos agora dar uma atenção especial à catequese familiar, com a preocupação de apoiarmos os pais e os filhos nesta tarefa. Se falarmos, mais concretamente, do Ensino Religioso nas Escolas, o contexto atual exige mútua colaboração entre pais e professores de Educação Moral e Religiosa e a própria escola. Torna-se, então, mais exigente a atenção a prestar ao processo das matrículas, ao desenvolver do projeto educativo, à qualidade dos valores que nele se transmitem ou não, bem como às iniciativas complementares promovidas na escola.
Os filhos são a maior riqueza dos pais e a educação é o meio indispensável para os ajudar a crescer e a prepararem-se para uma vida feliz, como protagonistas responsáveis e participativos. O dever da presença e do estímulo no tempo da formação humana e religiosa dos filhos, é, para os pais, uma expressão de fidelidade ao amor que os gerou e os educa.
6. É fundamental que as necessidades educativas e espirituais das famílias sejam consideradas nos projetos pastorais das comunidades cristãs e nos projetos educativos das escolas, concretamente na perseverança e criatividade colocadas no acolhimento, no acompanhamento e nas oportunidades de formação oferecidas aos pais e outros familiares.
Saudamos, com alegria, todas as famílias e todos quantos, nas escolas e nas paróquias, se dão por inteiro à causa da educação.
Desejamos que esta Semana Nacional de Educação Cristã constitua um estímulo e um contributo para as famílias cristãs e para as comunidades educativas, paróquia e escola, de modo a que a catequese e o ensino religioso, com a colaboração necessária dos pais, dos catequistas e dos professores de Educação Moral e Religiosa, constituam um contributo valioso na formação humana e cristã das crianças e dos jovens.
Lisboa, 15 de setembro de 2011
Comissão Episcopal da Educação Cristã