Isabel Figueiredo, Diretora do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais
O começo de cada ano traz sempre consigo um respirar de novo, como se fosse possível fazer diferente, melhor, mais. Talvez por isso, a beleza dos fogos de artifício, a alegria espontânea nas pessoas que se ouviram pelas ruas e praças da nossa terra. Mas vamos a caminho do fim de janeiro e já temos as cabeças e os corações cheios de imagens e palavras que nos preocupam, nos desanimam e angustiam. A guerra, a política, a liberdade frágil e ausente.
A guerra, aquela guerra que vive do medo e da destruição, continua, implacável, no ódio e numa convicção de legitimidade que nos deixa perplexos. E o mundo, o mundo das nações poderosas, parece não ser capaz de a travar. Todos gritam, uns pedindo socorro, outros manifestando indignações, outros ainda justificando o mal com o bem. Todos falam da Paz, como objetivo final, argumento de quem mata, justificação de quem morre. Parecemos animais ferozes, em recantos protegido duma selva domesticada por anos e anos de abundância, de exercício do poder, de avanços das capacidades humanas de fazer o bem. E todos falam da Paz, permitindo que esta se torne, cada vez mais, um simples e belo traço desenhado por artistas e crianças em paredes e papéis.
A política, na teoria do exercício da legitimidade do poder em favor do bem comum, entra de novo numa corrida desenfreada. As eleições são sempre um terreno fértil de observações, de avaliações, de teorias da conspiração, de golpes baixos e altos, de sonhos, de promessas, até de sentimentos honestos, sobre a capacidade de alguns fazerem o que outros não foram ou não são capazes de fazer. E espantamo-nos com previsões de vitórias, longe e perto, porque isso significa que tudo ou quase tudo, acaba por ser permitido, desde que a retórica brilhe e a vida esteja tão mal, que o melhor é mesmo não pensar e seguir em frente. É aproveitar o brilho das luzes, o barulho ritmado das frases feitas e dos slogans estudados por quem sabe o que faz. Depois das eleições, vem o tempo que se segue às verdadeiras tempestades, quando é preciso reconstruir casas, limpar as ruas, desimpedir as estradas, refazer as vidas. E todos sabemos que os hospitais precisam de ter corredores vazios e doentes tratados a tempo, que as escolas precisam de professores realizados e estudantes exigentes, que os tribunais precisam de transparência e eficácia. Depois das eleições é que dói a sério na vida de todos. Menos nos que governam, mais nos que são governados.
A liberdade, condição essencial para a vitória da política, parece empurrada para a beleza que enche a alma de quem canta e escreve poesia. Existe uma outra. Porque quem tem fome, quem não recebe o salário pelo seu trabalho, quem dorme em quartos com paredes molhadas de água, quem nunca irá conhecer outras terras, outras gentes, quem deixa os filhos do lado de lá dos oceanos, tantos que nos prendem minutos de atenção em documentários crus e notícias repetidas, esses, gozam a liberdade das ruas em momentos de folga, de entrar nas lojas que cheiram a plástico, de comprar o pão de cada dia. Gozam a liberdade do sol quando este brilha. Gozam a liberdade de jogar às cartas em parques abertos, de ficarem velhos com rugas e sem dentes. Gozam a liberdade dos primeiros dias de salários mínimos, de reformas antigas, de ajudas pontuais. É a liberdade dos pobres, dos migrantes, dos refugiados, dos velhos. A liberdade dos que ambicionam apenas a sobrevivência.
Mas a liberdade de quem canta e escreve poesia, tem outra meta, outra vida. Fala-nos de gente que tem tempo para pensar, que pode escolher o que fazer, que conhece outros mundos, outras gentes e volta a casa, sabendo que mais tarde, se repete este ciclo de conforto e bem-estar. Gente que lê, que estuda, que conversa à mesa de restaurantes, entre amigos e partilha o que faz, sem receios, nem hesitações. Gente que visita exposições e assiste a concertos em salas silenciosas ou espaços barulhentos. A liberdade do bem-estar, marca a sociedade que criámos e onde tantos de nós se movem tranquilamente.
Enquanto crente, só a inquietação da presença de Deus, feita pessoa em Jesus Ressuscitado, desequilibra o mundo que vejo e sinto, neste ano que começa. Porque me assegura a vitória do Bem sobre o Mal. Porque me diz que é possível vivermos juntos, cuidarmos do próximo como de nós mesmos, amarmos os inimigos, sermos capazes de gestos de Paz a cada dia que passa. Porque me dá a certeza da condição de filhos livres e muito amados. Sem exceções.
Em vésperas de conhecer a Mensagem do Papa Francisco para o próximo Dia Mundial das Comunicações Sociais, reitero a importância crucial da comunicação social no seu todo e da comunicação social da Igreja em particular, na leitura do tempo que vivemos, na compreensão das implicações do que fazemos ou do que permitimos que aconteça e, de um modo especial, na capacidade de anunciarmos a Esperança, a Fé e a Caridade que professamos. Sem julgamentos radicais, divisões desejadas, certezas pessoais.
E conscientes de que a liberdade religiosa é determinante na construção de uma nova humanidade, em que cada homem, cada mulher, cada jovem e cada criança, possam conhecer e amar o mistério do divino que habita o mundo.
Isabel Figueiredo
Diretora do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais