Paula Pimentel, Diocese de Bragança-Miranda
Ano após ano, no nordeste transmontano, somos visitados por duradouras ondas de calor. Costuma ouvir-se, entre os mais velhos que, “o que tira o frio, tira o calor”. Mas, na realidade, o verão de temperaturas extremas tem vindo a tornar-se uma constante e as nossas casas, as nossas instituições ainda não se encontram adaptadas a este fenómeno que, cada vez mais, se faz sentir de forma mais acentuada. A desertificação e a escassez de recursos são realidade há décadas. As pessoas com mais idade, muitas vezes a viver sozinhas e com mobilidade reduzida, tornam-se alvos silenciosos deste fenómeno.
As ondas de calor afetam também os utentes das respostas sociais que as nossas instituições desenvolvem, sobretudo as Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas. O receio de desidratação e o consequente agravamento de doenças crónicas, os riscos cardiovasculares e os episódios de exaustão térmica multiplicam-se. Tal situação leva, obrigatoriamente, a que se encontrem soluções algo milagrosas, para se evitar as “corridas” para as unidades de saúde locais, sendo que, algumas destas unidades distam da residência, centenas de km. A ingestão de líquidos nos mais velhos, é sempre um desafio para as equipas de profissionais uma vez que, o processo de envelhecimento traz consigo a diminuição da perceção de sede bem como a capacidade de o organismo manter o equilíbrio eletrolítico. Assim, é fundamental encontrar estratégias adaptadas a cada realidade: desde o aumento do consumo de gelatinas sem açúcar, águas aromatizadas, sumos naturais, entre outras bebidas mais apelativas aos sentidos e que de certa forma “quebrem” a resistência dos mais velhos à ingestão de líquidos. Não é fácil combater a resistência e a biologia da perda de sensação de sede, consequência do envelhecimento.
No que respeita às estruturas físicas, muito há a (re)fazer, alterar e melhorar, pois, muitos destes espaços, no interior, não estão preparados: estrutura física dos edifícios, falta de ventilação automática, sistemas de ar condicionado, ausência de pessoal com formação adequada para lidar com episódios de stress térmico.
Os planos de contingência e as orientações enviados às nossas instituições pelas entidades competentes, nesta altura do ano, são alertas e formas de sensibilizar para o problema ou de fornecer orientações para a ação. Mas a questão é estrutural e exige respostas adequadas e a implementação de medidas eficazes, a médio e longo prazo.
Os dirigentes e gestores sociais vêem-se confrontados com orçamentos limitados e que não dão espaço de manobra para melhor apetrechar as estruturas físicas. As medidas ou possibilidades de candidatura que vão surgindo são extremamente exigentes em termos burocráticos e desfasadas da realidade. Logo, não são solução para o nosso setor, para a nossa realidade não conseguindo, assim dar resposta às nossas dificuldades.
Apesar da muita insistência de quem tem responsabilidades na matéria e nas instituições, as respostas estruturais são quase que invisíveis. É urgente repensar medidas eficazes de prevenção, reforço das equipas de apoio domiciliário e planos de contingência específicos para os lares e para respostas de apoio a pessoas vulneráveis. Precisamos de mais apoio do Governo para melhorar o conforto e a segurança dos nossos utentes, em períodos de calor extremo pois trata-se, para além de uma necessidade urgente, de uma questão de saúde pública e também de humanidade.
As desigualdades territoriais têm, igualmente que ser tratadas com outra atenção. Mesmo os utentes de Centro de Dia, muitas vezes são transportados em viaturas com condições pouco adequadas pela dificuldade de investir em novas frotas automóveis e, consequentemente, em novas comodidades, em determinados casos havendo a necessidade de percorrer distâncias longas.
Temos total consciência que nós, responsáveis pelo bom funcionamento das instituições sociais fazemos, certamente, o melhor atendendo aos recursos disponíveis, mas gostaríamos muito que o Estado e os municípios pudessem atuar em coordenação para reforçar as estruturas existentes, melhorar edifícios, financiar sistemas de climatização e conforto térmico.
Não podemos aceitar que o calor continue a ser desculpa para tragédias. Que o verão traga sempre os mesmos alertas, as mesmas promessas e os mesmos esquecimentos.
É hora de agir. Não no próximo verão, mas agora!
Não só do verão vive o homem e, nós, por cá, temos “nove meses de inverno e três de inferno”. Desejamos que esse “inferno” curto, mas potencialmente nocivo para os mais vulneráveis, seja olhado com especial atenção e se torne numa época de encontro, partilha, festa e sobretudo, saúde!
Paula Pimentel, Presidente da Direção da União das IPSS do distrito de Bragança, e Vice-Presidente da Fundação Betânia.
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