Cónego Paulo Abreu, Arquidiocese de Braga
Completam-se, a 6 de março de 2023, cem anos sobre o nascimento de D. Eurico Dias Nogueira. A efeméride será sublinhada com uma Eucaristia, na Catedral, às 17,30h, presidida pelo Arcebispo de Braga, D. José Manuel Garcia Cordeiro, seguindo-se uma romagem ao túmulo e momento de sufrágio, depois ainda uma visita ao espaço musealizado com os legados do Prelado, à entrada do coro alto da Sé. À noite, às 21,30h, no Auditorio Vita, um Colóquio sentará na Presidência D. Jorge Ferreira da Costa Ortiga, que falará sobre «D. Eurico e a dimensão sinodal da Igreja»; Rui Ferreira, que versará sobre «O Arcebispo D. Eurico Dias Nogueira e o Edifício do Seminário Conciliar»; e Paulo Abreu, que estará «Com o Papa S. João Paulo II. No Sameiro». A tudo se dá o tom de «Uma Homenagem Merecida».
D. Eurico Dias Nogueira nasceu em Dornelas do Zêzere, Pampilhosa da Serra. Em outubro de 1934 entrou para o Seminário, em Coimbra. Alem dos estudos, envolveu-se no Escutismo, na Liga Missionária, na Conferência Vicentina, no Centro de Estudos dos Seminaristas. Já no Curso Teológico, participou em sessões de estudo do CADC (Centro Académico de Democracia Cristã). Foi ordenado sacerdote no dia 22 de dezembro de 1945. “Ao lusco-fusco da madrugada gélida do Natal de 1945, empreendi – é o Prelado a contar-se – a viagem para Roma, com sabor a aventura: ignorava como seria e quanto tempo demoraria”.
Instalou-se no Pontifício Colégio Português e frequentou, entre os anos 1945-1948, a Pontifícia Universidade Gregoriana, doutorando-se em Direito Canónico. Regressado a Portugal, estudou na Universidade de Coimbra, entre os anos 1950 e 1956, tendo-se licenciado em Direito. Também em Coimbra concluiu o Curso de Ciências Político-Económicas. Nessa Universidade chegou a presidir aos destinos do CADC (Centro Académico de Democracia Cristã).
A 21 de junho de 1964 recebeu, na Nunciatura Apostólica de Lisboa, a notícia da designação para primeiro Bispo da diocese de Vila Cabral (atual Lichinga). E ainda antes da sagração episcopal, já como responsável por aquela diocese moçambicana, participou, em Roma, na III sessão do II Concílio do Vaticano. Já sagrado Bispo (na Sé Nova de Coimbra, no dia 6-XII-1964), esteve na IV sessão do Concilio.
Durante oito anos pastoreou a (agora) Diocese de Lichinga. Espelhou refinada consciência missionária (dando aí a vida pelo Evangelho e pugnando pelo apoio financeiro às Missões Católicas). Revelou elevado espírito ecuménico, estabelecendo profícuas pontes com os muçulmanos que vivam na diocese. Defendeu sempre as populações nativas e pugnou pela paz, apontando caminhos de desocupação do território colonial, o que ao Estado português não terá agradado.
Em 1972 tomou posse (e até 1977), da diocese de Sá da Bandeira, atual Lubango, em Angola, acumulando, em 1975, a administração apostólica da recém-criada diocese de Pereira de Eça, hoje Ondjiva.
Uma das suas cartas pastorais, datada de 1 de junho de 1972, intitula-se exatamente: «Da Missão em Moçambique à Missão em Angola».
D. Eurico regressa a Portugal em 13 de abril de 1977. Sucede, na Arquidiocese de Braga, a D. Francisco Maria da Silva. Sopram ainda fortes os ventos da Revolução dos Cravos (25 de abril de 1974). Em Braga, como aliás nos outros locais por onde passara -assim foi escrito numa página digital da Rádio Renascença, D. Eurico investiu no rejuvenescimento da Igreja, no ecumenismo e na liberdade. Foi um bispo dialogante, mas firme, corajoso e humilde, portador da transparência dos simples e habitado pela grandeza do perdão.
Nunca teve medo da verdade. Defendeu denodadamente a ética cristã. Disse o que tinha a dizer. Lutou contra tudo e contra todos conforme a consciência e o Evangelho lhe ditavam. Defendeu uma descolonização diferente. Já em 2012 falou, à rádio Antena 1, de uma Igreja “demasiado tempo calada” sobre os casos de pedofilia. Escreveu imenso (e até percebemos que transportava África em cada aurícula e ventrículo do seu coração).
Dialogou sempre com a cultura. Apostou na Universidade Católica Portuguesa (nascida em Braga). Criou o IHAC (Instituto de História e Arte Cristãs), para conservação e divulgação do saber, para valorização e preservação do património. Apoiou a RR – Voz do Minho, para incremento da Igreja e das suas notícias. No tempo dele realizaram-se vários Congressos: 5 Séculos de Evangelização e Encontro de Culturas; IX Centenário da Catedral; III Congresso Eucarístico Nacional. Também na sua prelatura surgiu o Museu Medina.
Coloquial, de fino trato, deu-se bem com todos: clero e fiéis, associações civis e religiosas, autoridades civis, académicas, militares… Mas ninguém o amordaçava. Sempre defendeu os mais pobres, sempre denunciou desvios, incompetências, omissões dos poderosos, sempre clamou contra a corrupção, sempre defendeu as prerrogativas, posses e direitos da Igreja. Muitas das suas homilias ocuparam abundantes páginas de jornais e revistas. Não por vontade de se mostrar. Mas para evangelizar. Para educar. Para que nenhum “i” ficasse sem ponto.
Da sua múltipla atividade na Arquidiocese, merecem realce duas grandes aventuras: o Sínodo Arquidiocesano (o 40º, anos 1994-1997) e a reconstrução do Seminário Conciliar de S. Pedro e S. Paulo (demonstração palpável de uma solicitude maior – que as pessoas valem mais que as pedras).
D. Eurico viveu um momento único na história da Arquidiocese de Braga e, mais concretamente, do Santuário de Nossa Senhora do Sameiro: a visita do Papa S. João Paulo II, no dia 15 de maio de 1982. Já lá vão mais de 40 anos… O Papa chegou mais tarde que o previsto. Mas sempre a tempo, que a vontade de o acolher era muita. O povo estava lá. Incansável. Caloroso e piedoso. A aclamar, a cantar, a rezar. O papa chega de autocarro, vindo da estação do caminho de ferro. Entra na Basílica do Sameiro. Sai depois rumo ao Cruzeiro, para a celebração da Eucaristia. Um mar de gente… Uma Avenida transformada em abraço.
A palavra de acolhimento, no introito da Eucaristia, cabe a D. Eurico: “Sede bem-vindo a este recanto mariano do velho Portugal. Aqui se venera, com especial carinho e devoção, há mais de cem anos, a Imaculada Conceição da Santíssima Virgem, em recordação da definição dogmática de tão sublime mistério. A essa feliz memória associou-se, pouco depois, a da Infalibilidade pontifícia, proclamada alguns anos mais tarde. Assim respondia o povo católico de Braga à campanha sectária contra a Igreja no século passado. Sentimo-nos vivamente emocionados por se haver dignado V. Santidade vir até nós”.
Preocupado com ao crescimento espiritual dos seus fiéis, D. Eurico pôs em marcha três processos de canonização: da beata Alexandrina de Balasar; do P. Abílio Gomes Correia; de Frei Bernardo de Vasconcelos, padroeiro, em Braga, das Jornadas Mundiais da Juventude.
Depois da renúncia, por limite de idade, à sede arquiepiscopal bracarense, ficou a residir no Seminário Conciliar de S. Pedro e S. Paulo. Colaborou com o Tribunal Arquidiocesano de Braga, atendia quem o procurava, escrevia e rezava e… olhava com respeito e simpatia para os jovens que povoam a casa…
Morreu aos 91 anos de idade, depois de uma vida cheia, entregue a Deus e aos muitos que com ele, em várias partes do mundo, tiveram a dita de conviver.
Foi sendo distinguido de muitas formas: recebeu o Doutoramento “Honoris Causa” da Universidade do Minho, em 1990; no mesmo ano foi eleito Membro da Academia Portuguesa da História e Grande Oficial da Ordem Equestre do Santo Sepulcro; ainda no mesmo ano foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique; recebeu ainda a Grã-Cruz da Ordem de Nossa Senhora de Vila Viçosa e a Grã-Cruz de Mérito da Ordem de Malta (em 1996).
Mereça agora a distinção final: a coroa da glória que Deus tem prometida àqueles que com tanto esmero e abnegação O sabem servir.
Paz à sua alma!
Paulo Abreu