Mais de 3 anos de guerra na Ucrânia pelo olhar do Bispo de Donetsk

É um dos mais jovens bispos do mundo. Aos 45 anos, D. Maksym Ryabukha está à frente de um vasto território que abrange as regiões de Donetsk, Luhansk, Danipr e Zaporizhzhia. Praticamente, tudo nomes bem conhecidos, pois indicam lugares que têm estado no centro da guerra na Ucrânia. De facto, metade da diocese deste bispo está ocupada por forças russas e por isso inacessível para ele. Até a catedral está fechada. O Bispo denuncia, à Fundação AIS, o terror dos bombardeamentos, dos ataques com os drones, e apela à solidariedade de todos.
A situação na Ucrânia e muito particularmente nos territórios que compõem a diocese do Bispo Maksym Rayabukha está “cada vez pior”. Em visita à sede internacional da Fundação AIS, o prelado traça um retrato duro da realidade no seu país que está em guerra desde que começou a invasão das tropas russas em Fevereiro de 2022. As consequências da guerra têm sido terríveis para todos os ucranianos, mas têm sido particularmente dramáticas para muitos dos que vivem na sua diocese e que abrange as regiões de Donetsk, Luhansk, Danipr e Zaporizhzhia. Cerca de metade do seu exarcado – o equivalente oriental a diocese – está ocupado por forças russas e por isso inacessível. Até a catedral está fechada. Para D. Maksym – que se define a si próprio como ‘bispo sobre rodas’ – os dias são passados em viagem, para estar o mais próximo possível das pessoas, do seu rebanho. E todos os dias escuta relatos de violência, medo e terror. “A situação está cada vez pior. Os drones tornam qualquer lugar inseguro, inclusive para civis. Ao longo da linha da frente, a cerca de 30 km do meu território, as pessoas abandonam as casas à noite, com medo de morrer esmagadas, e vão dormir no campo, junto aos lagos. Um rapaz contou-me que dormia com toda a família quando ouviu uma bomba aproximar-se e percebeu que ela podia cair sobre a casa. Em segundos, saltaram da cama e saíram; pouco depois, todo o edifício era uma cratera. Uma experiência destas pode arrasar uma pessoa. É algo muito destrutivo”, relata o prelado.
“O pior nem são as bombas…”
A guerra veio alterar a vida de todos. E isso é também particularmente visível na sua diocese. “Antes da guerra tínhamos mais de 80 paróquias; agora temos apenas 37 activas. As restantes fecharam, foram ocupadas ou destruídas”, explica. O facto de grande parte do território da diocese estar ocupado pelas forças russas significa muito. A começar pela proibição de “qualquer filiação com a Igreja Católica, seja greco-católica, ou de rito latino”. Na prática, explica o bispo, isto significa que “é muito difícil prestar qualquer tipo de assistência religiosa. Já não temos sacerdotes nesses territórios; todas as nossas igrejas foram destruídas ou estão fechadas, e as pessoas não podem frequentá-las”. Mas os que vivem em zonas ocupadas têm mostrado enorme capacidade de resiliência. “Recebo notícias dos territórios ocupados sobre os laços entre os fiéis. Apesar de viverem em perigo, sentem-se parte de uma mesma Igreja: apoiam-se mutuamente, encontram-se, partilham sonhos e esperanças, rezam juntos, mesmo com o risco de vida e sem poder fazê-lo em público. É isso que lhes dá força para continuar”, diz. Uma força que é fundamental num tempo em que, por causa da guerra, as pessoas sentem que as suas vidas estão a desmoronar. E o bispo diz que “o pior de tudo nem são as bombas, mas sim a sensação de abandono, de se estar sozinho ou de não ter valor para ninguém”.
“Jovens extraordinários”
Neste momento, na diocese existem dois bispos – além de D. Maksym Ryabukha há um prelado emérito –, 53 sacerdotes e oito religiosos. Nas quatro regiões que fazem parte da diocese há paróquias que têm centros de apoio às famílias, casas religiosas e grupos paroquiais, além ainda de sete centros da Cáritas. Mas o mais importante, realça o bispo, são os 19 seminaristas. No contexto da guerra, eles são sinal de esperança para o futuro. “Temos 19 seminaristas. É um número elevado para nós, pois não somos uma grande eparquia. Estes jovens são extraordinários. Cresceram em grupos juvenis paroquiais e têm uma profunda experiência de vida cristã. Fazem perguntas sérias e profundas. Tanto rapazes como raparigas procuram sentido para a vida, são corajosos e amadureceram muito como pessoas. Antes, muitos sentiam-se perdidos e não sabiam o que fazer, porque a vida era complicada. Agora há clareza”, afirma. O exemplo destes 19 rapazes que sonham com o sacerdócio é significativo e é também um exemplo da importância do apoio que a Fundação AIS tem dado, através da generosidade dos seus benfeitores e amigos, à Igreja ucraniana.
Agradecimento sentido aos benfeitores da AIS
A ajuda à formação de seminaristas é apenas um exemplo, mas o bispo destaca muitas mais áreas que têm beneficiado com a solidariedade da AIS. A questão do apoio a crianças e jovens traumatizados é exemplar. “O trauma psicológico da guerra leva muitas crianças a perder a capacidade de ler, escrever ou falar. Precisamos de especialistas para trabalhar a saúde mental destes jovens e aprender a ajudá-los. Por isso, estamos a organizar formação psicológica para sacerdotes e agentes paroquiais. Também apoiamos mães e esposas com filhos que perderam o marido na guerra. Muitos têm dificuldade em regressar à normalidade, presos à ideia de que a pessoa podia estar viva, mas perdeu a vida por causa da estupidez de alguém”, relata o prelado. “As pessoas que vivem junto à linha da frente não têm acesso a alimentos nem a produtos de higiene. Todos os dias recebo pedidos: É aí que entra o apoio social e humanitário. Outro grande desafio é o Inverno, quando as centrais de energia são bombardeadas e a electricidade falha. Sem luz, não há aquecimento e torna-se impossível encontrar um lugar quente e seguro. As paróquias fazem o que podem para oferecer espaços onde as pessoas possam recuperar, com cozinhas e serviços essenciais”, acrescenta. Por tudo isto, D. Maksym Ryabukha fez questão de deixar uma mensagem a todos os que colaboram com a fundação pontifícia, sublinhando a importância de todos os gestos de solidariedade. “Não imaginam o bem que fazem. Não é apenas a ajuda material, é o afecto que o beneficiário sente. Nenhum dos que recebe ajuda sabe de onde vem, mas sente que alguém pensa nele, que é amado.”
Paulo Aido
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