«Ninguém deve estar em sofrimento destrutivo ou intolerável» – Isabel Galriça Neto

Isabel Galriça Neto, médica, ex-deputada, fala da sua experiência como profissional de saúde, na área dos cuidados paliativos. Na entrevista semanal conjunta Ecclesia/Renascença, fala da relação com o sofrimento, das prioridades que devem anteceder qualquer debate sobre a eutanásia e dos perigos de uma discussão “emocional” que ignore as alternativas à morte medicamente provocada, gerando pressão social sobre as pessoas em situação de maior fragilidade.

Entrevista conduzida por Ângela Roque (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)

Fotos: Renascença

Foto: RR

Como médica o que é que a levou a dedicar-se a esta área dos cuidados paliativos?

É uma resposta que ainda tenho em aberto. Tenho alguns dados, ou orientações, que me dão uma chave para essa resposta, e que basicamente têm de ver com uma situação familiar, de um avô meu, em 1993, e com o ter-me deparado com a resposta ‘não tenho nada para oferecer ao teu avô’. Dois: a experiência que tive em Inglaterra nessa altura, onde conheci uma unidade de cuidados paliativos, e de para mim ter feito todo sentido ver que havia doentes que a medicina não curava, mas que precisavam de outro tipo de respostas, e que a medicina e a saúde não podiam deixar para trás. Três: basicamente tem a ver com os meus valores e a minha orientação em relação à medicina, como área de serviço, e de serviço ao outro.

A medicina congrega e combina muito bem a questão da ciência e do rigor com o humanismo, e com valores como a compaixão. Temos, de uma vez por todas, de acabar com esta ideia de que ser compassivo não é ser bom médico, ou da menorização que se faz de valores como a compaixão e o serviço, que estão na génese da medicina.

 

Dirige atualmente a unidade cuidados paliativos num dos grandes hospitais privados de Lisboa. Que diferença é que faz para um doente terminal ser assistido numa unidade destas? Não estamos a falar de prolongar o que é inevitável?

Não quero fugir às vossas perguntas, mas infelizmente continua a ser preciso clarificar de que é que falamos quando falamos de cuidados paliativos. Estamos a falar, em primeiro lugar, de cuidados de saúde. Não são caridade, com todo o mérito que isso possa ter, não são cuidados de apoio social, são cuidados de saúde, e são uma área de especialização, como é a dermatologia ou a gastro, prestados por uma equipa que se dedica a ajudar a viver – e não a ajudar a morrer, como tantas vezes se diz – pessoas em situação de doença grave ou incurável. E isso pode acontecer ao longo de meses ou anos, não necessariamente à beira da morte. Os doentes são pessoas de todas as idades, com cancro e sem cancro, com demências, com AVC, com o que nós chamamos ‘insuficiências de órgão’.

O nosso alvo é a intervenção no sofrimento. A fundadora desta área de especialização, a Cicely Saunders, dizia, no século XX, que ‘intervimos no sofrimento’, e é isso que posso corroborar com milhares de doentes apoiados, para tornar esse sofrimento tolerável.

Todos temos experiências de sofrimento na nossa vida, não necessariamente ligadas à doença, portanto, será utópico dizer que o sofrimento não faz parte da vida. O que ninguém quer é que o sofrimento se torne disruptivo e destrutivo, que se torne qualquer coisa que é um fardo pesadíssimo. Nos cuidados paliativos isso não existe. Não quero cair na demagogia de dizer ‘os paliativos acabam com o sofrimento’, o que digo, à luz daquilo que é evidência, é que os paliativos intervêm ativamente no sofrimento, em muitos casos fazendo com que ele desapareça, noutros trazendo-o para níveis toleráveis.

 

Há aqui uma questão que talvez interfira muito no subconsciente, é que quem não é médico, mas é paciente, olha muito para a medicina do ponto de vista do curar. Os paliativos centram-se muito na questão do cuidar…

Do cuidar, que é também um tratamento. O objetivo da medicina, ao contrário do que as pessoas tantas vezes dizem, não é curar todas as pessoas, e o século XXI vai-nos trazer isso.

Curiosamente ainda ontem li um artigo de um especialista espanhol sobre a cronicidade das múltiplas doenças, o que chamamos a multipatologia, que dizia que só iríamos reagir (à cronicidade) como em relação à crise climática, quando as coisas nos caírem em cima, sendo que muitas pessoas – e eu sou uma delas – têm escrito há décadas que é preciso olhar para este problema da ‘não cura’. É isto que é a cronicidade, as pessoas vivem mais tempo e com mais doenças crónicas.

 

É um problema que já chega a muita gente.

Neste momento é a realidade, não gostaria de lhe chamar problema. A vida é assim, e temos de discutir soluções para esta situação das doenças que não se curam.

É bom lembrar que o fim da medicina é acompanhar todos, quer se curem, quer não se curem. Infelizmente no século XX isso foi desvirtuado, porque se introduziram os antibióticos e achou-se que o fim da medicina era curar todas as doenças, porque isso aconteceu em relação a muitas doenças infecto-contagiosas. Ora, isso não é verdade, o fim da medicina é acompanhar todas as pessoas para que o seu sofrimento seja mitigado. Se pudermos curar, tanto melhor.

No século XXI estamos a ver que muitas doenças não se curam, as pessoas convivem com elas durante um período muito prolongado, e acontece sofrimento.

 

A maior parte das pessoas tem dificuldade em lidar com a dor. Há quem diga que os cuidados paliativos põem as pessoas adormecidas, tira-se a dor porque adormecem. É assim?

Não, não é assim. A dor física, orgânica, é apenas um dos múltiplos sintomas que as pessoas podem ter, e nem sequer é o mais frequente, mas é de facto um daqueles que tem mais impacto em todos. Mas existe o cansaço, a falta de ar, a insónia, as náuseas, portanto, quando se iguala ‘cuidados paliativos’ a ‘tratar a dor’ isso revela algum tipo de omissão em relação à realidade. As pessoas não sofrem só por problemas físicos, sofrem por várias perdas em várias dimensões, sociais, espirituais – e há uma grande confusão entre espiritual e religioso. Nós intervimos no sofrimento, não apenas na dor física. Para tratar a dor física, de facto utilizamos muitos medicamentos, mas que não têm como objetivo pôr a pessoa a dormir.

Se as pessoas efetivamente conhecessem a realidade saberiam que há doentes tratados em cuidados paliativos a dar entrevistas, e não os entrevistam drogados. Há pessoas que são filmadas e entrevistadas cinco a seis dias antes de falecer, portanto é falso que as pessoas estejam adormecidas por causa do tratamento da dor. O que não é falso, e tem de ser dito, é que a maioria de nós quando morre, morre no decurso de um processo de debilidade crescente, e esta debilidade não é sofrimento, consumo compará-la a um pavio de uma vela que vai diminuindo. Esta debilidade acompanha-se de perda de capacidade de funções, não porque isso seja induzido, é fisiologicamente um organismo que está a desligar, faz-nos perder a capacidade de interagir com o outro, de engolir, de levantar e sair da cama, chama-se debilidade extrema.

É lamentável que, às vezes por desconhecimento, se diga que aquilo que os paliativos fazem é pôr as pessoas a dormir. Isso é falso e desafio quem o diz, porque de facto não se pode confundir qualquer efeito secundário de um regime terapêutico com esta debilidade de que estou a falar, de as pessoas no fim da sua vida não terem a mesma vitalidade e a mesma capacidade.

 

Foto: RR

Um dos motivos que pode ajudar a explicar esse desconhecimento sobre os cuidados paliativos, é que efetivamente há uma grande falta de camas e de cuidados paliativos em Portugal neste momento.

Lamentavelmente – e penso que isso é que fratura – é que aquilo que devia constituir prioridade, não é, e há 70% de portugueses que não têm acesso a cuidados paliativos. Falou de camas, mas não são necessariamente camas. Era desejável que fossem equipas domiciliárias, equipas na comunidade, e também camas.

Pergunto se não é prioritário investir mais, com empenho político maior, porque a escassez é grande, para que as pessoas efetivamente tenham acesso a estes cuidados, e não trocar as prioridades? Porque o que estamos a ver é que existe uma tamanha pressa, que se põe como prioridade política o debate naquilo que supostamente até os seus defensores apresentam como medida de exceção. Quando é que se põe primeiro a medida de exceção à frente daquilo que é um direito humano? Os cuidados paliativos são hoje considerados um direito humano. Mais: são um cuidado básico de saúde.

Todos nos preocupamos, e bem, com a falta de médicos de família, mas não há cobertura de saúde quando não há acesso a bons cuidados paliativos. Ora, 70% dos portugueses não têm acesso. Isto não incomoda as pessoas?

A própria sociedade tem de reclamar e tem de se incomodar, e ser mais informada, porque há preconceito. É muito interessante ver: as pessoas não querem estar em sofrimento, a gente diz e explica que há cuidados paliativos, mas depois dizem ‘não, não, ainda é muito cedo para ir para os cuidados paliativos’. Há este amor/ódio e esta ambivalência que prejudica as pessoas.

 

Já vamos falar da legalização da eutanásia, que está de novo na ordem do dia, mas ainda sobre os cuidados paliativos: começou a trabalhar no serviço público, hoje está num hospital privado. O acesso aos cuidados paliativos ainda é muito uma questão financeira? Só é acessível para quem tem dinheiro?

Não. É lamentavelmente uma questão geográfica, quase que de sorte. Tenho dito, e vou repetir, que não se trata de dizer que o que é privado é bom, e que o que é público é mau, não ouvirão isso da minha boca. Temos bons serviços públicos e bons serviços privados. A questão infelizmente – como ainda recentemente se viu – é de assimetria. Num país tão pequeno com o nosso há distritos em que há uma escassez grande de resposta. E não se trata essencialmente de questões financeiras, mas de questões geográficas e de se ter a sorte de viver em determinados locais onde há acesso mais rápido.

É muito importante ter a noção de que aquilo que pode acontecer em alguns sítios privados – e eu, conhecendo, não quero falar pelos outros, falo só da minha realidade – tem que ver com o rácio de profissionais. É uma preocupação garantir o número de profissionais que possa responder com qualidade, profissionais devidamente qualificados. Ao contrário do que se possa pensar não é apenas criar camas, é sobretudo trazer profissionais que sejam devidamente credibilizados e preparados. Não faz cuidados paliativos quem quer, só quem pode e está capacitado.

 

E há mais médicos a formarem-se como especialistas em cuidados paliativos? Esta é uma área deficitária porque não há recursos, de todo, ou porque não há investimento nos meios que já existem?

As duas coisas. Para sermos claros – e eu não sou nada demagoga – tem havido algum esforço por parte de algumas administrações (hospitalares) para formar pessoas, depois falha a questão de lhes dar condições para elas trabalharem, porque genericamente na saúde há falta, e nunca se atribui, do meu ponto de vista, a devida prioridade aos cuidados paliativos. Por exemplo, as pessoas têm sempre que fazer serviços de urgência mais os cuidados paliativos, o que limita a sua disponibilidade. As pessoas têm capacidades finitas, do ponto da resistência…

A legalização da Eutanásia não foi aprovada na última legislatura. Compreende que se volte a insistir de novo no tema tão rápido, já nesta sessão legislativa?

Não, não compreendo, por várias razões. Em primeiro lugar porque a casa começa-se a construir por baixo, não pelo telhado, e a medida de primeira linha, que é o acesso a cuidados de saúde, não está garantido. Porquê esta pressa? Segundo, não compreendo porque em campanha eleitoral muitos partidos ficaram calados (sobre esta matéria) e disseram que era a consciência dos deputados que iria ditar. Estou a falar do caso do partido socialista e do partido social democrata. Ora, as pessoas não votam na consciência, com arbitrariedade relativamente a assuntos com a gravidade que este tem.

Há três projetos neste momento, um do PS, outro do PAN, e outro do Bloco de Esquerda.

Exatamente, e são basicamente iguais àquilo que foi apresentado anteriormente. O que eu compreendo, sim, é que há uma pressão política, porque isto não corresponde a nenhum repto ou necessidade social, isto corresponde a um repto político de um grupo de partidos que estão na Assembleia da República, e que têm neste momento uma determinada representação. E interpelo-os e pergunto: ‘onde está esta mesma pressa em relação aos cuidados paliativos, aos cuidados de saúde de que precisam as pessoas que estão em sofrimento?’.

Há uma agenda política que é o motor desta pressa, e acho que isto não vai ao encontro das necessidades das pessoas, porque se é uma medida de excecionalidade, se não é para ser uma medida de primeira linha, não se comprometem recursos humanos que podem estar afetos a outras áreas com este tipo de atividades. É por isso que falamos de legalização, porque os meios do Serviço Nacional de Saúde vão ser afetados. E não é uma ‘despenalização’, como também suavemente se quer fazer passar.

A legalização da eutanásia pode mesmo vir a ser aprovada, dada a configuração deste parlamento. Como é que reage essa possibilidade?

Com grande tristeza, em primeiro lugar, e com grande revolta, por aquilo que já disse. Não é disto que precisam as pessoas doentes do meu país, nem as suas famílias, e porque quando não garantimos o básico e estamos a dar uma medida destas, de alguma forma estamos a condicionar a liberdade das pessoas.

E a criar pressão social, no caso das pessoas que não querem ser um peso?

Estamos a criar a pressão social, porque as pessoas não têm outra alternativa, e isto tem que ser dito. Lamentavelmente – e é muito importante ter esta noção – este debate é muito emotivo. Nós começámos por referir a questão do ‘ninguém quer estar em sofrimento’. Eu sou a primeira a dizer que ninguém deve estar em sofrimento destrutivo ou intolerável, mas é isso que fazem os cuidados paliativos, portanto vamos lá torná-los acessíveis aos tais 70 % de portugueses que não os têm.

Agora, o debate torna-se complexo porque temos de ultrapassar o nível emotivo e dirimir argumentos a um nível racional, com racionalidade, porque o assunto é de tal maneira delicado que, se não for com alguma racionalidade, corremos o risco de tomar más decisões.

Volto a dizer: não há ninguém interessado em ver doentes em sofrimento inútil e desnecessário. Na minha prática, com milhares e milhares de doentes, posso dizer que não tenho doentes em sofrimento disruptivo, portanto não consigo compreender que se vá precipitar uma aprovação.

A sociedade civil tem de se fazer ouvir, há movimentos da sociedade civil que são representativos e que podem e devem fazer ouvir a sua voz no sentido de estarem contra. A Igreja foi um dos movimentos, e eu até estou bastante à vontade, enquanto crente, para dizer que este assunto começa por não ser religioso. Coisa distinta é dizer que a Igreja não se pode manifestar.

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A legalização da eutanásia pode pôr em causa a relação de confiança médico-doente?

Também, mas não só, altera profundamente o jogo social e a cultura, o ‘banho’ em que as coisas se inserem.

É bom lembrar a posição da Associação Médica Mundial – e teremos o seu  presidente em Portugal em março do próximo ano, nas jornadas que iremos organizar com a Pontíficia Academia da Vida, para falar precisamente da relação médico/doente em cuidados paliativos.

De facto esta questão da relação médico-doente é muito importante, e quando nós pomos – desculpem a expressão popular – o ‘carro à frente dos bois’, aquilo que estamos a fazer é a pressionar e a empurrar pessoas que muitas vezes não têm outra escolha. Se eu estivesse num sofrimento atroz e não tivesse escolha, poderia dizer ‘podem-me eutanasiar, podem-me matar?’. Porque é disso que estamos a falar, não é de morte assistida, é de morte provocada, que é muito diferente. Morte assistida é o que nós temos com os cuidados paliativos, portanto, estes branqueamentos, estes eufemismos não são clarificadores. Isto para dizer que a  legalização feita desta forma pode, de facto, criar uma pressão social.

 

E concorda com a possibilidade de haver um referendo sobre esta matéria?

Considero que o referendo não é uma prioridade. Temos outras prioridades. Com certeza que essa é uma matéria em aberto, mas acho que a prioridade é debater com as forças vivas da sociedade, e para isso não precisamos necessariamente de um referendo.

 

Aproveitar o processo legislativo na Assembleia da República para também a sociedade civil debater?

E a sociedade, com os seus vários movimentos, tomar posição. Acho que isso que é bastante importante. É uma questão de timing e de prioridades.

A conferência que vai ter lugar em março, em Portugal, organizada em colaboração com a Pontifícia Academia para a Vida, do Vaticano, pode ser uma ajuda para o debate interno em Portugal?

As jornadas são de cuidados paliativos. A Igreja apoia a ciência, o progresso e o humanismo, e os cuidados paliativos são cuidados de saúde, baseados em ciência, boa ciência. Portanto, a Igreja e os movimentos da Igreja o que estão a fazer ao promoverem estas jornadas – que são científicas e para profissionais de saúde, e também para agentes pastorais – é dizer ‘nós estamos ao lado da boa ciência, daquilo que consideramos que são os bons cuidados de saúde, para estas pessoas’. O que a Igreja está a dizer é que quer que as pessoas não estejam em sofrimento e recebam os cuidados que devem receber.

Estes ‘bons cuidados’ também integram a dimensão espiritual?

Estes bons cuidados, que são intervenção no sofrimento, integram, obviamente, uma intervenção na dimensão espiritual.

A dimensão espiritual é algo que cada homem, crente ou não, tem. Isto é muito importante, porque há uma confusão entre dimensão espiritual e dimensão religiosa. Um não crente, um ateu, tem uma dimensão espiritual. O que é que é esta dimensão espiritual? É aquilo que nos projeta para o que está para além de nós, o que nos ultrapassa: a natureza, o belo, as relações, e eventualmente uma dimensão religiosa que ocupa parte desta dimensão espiritual. Mas, espiritual e religioso não são necessariamente coincidentes.

Quem trabalha em paliativos tem obrigação de perceber como aborda a espiritualidade, e somos treinados para ajudar as pessoas com as questões do sentido, da esperança, da promoção da dignidade. Tudo isto – e, lá está, não são fármacos, são modos de abordagem e de intervenção – faz parte da intervenção dos cuidados paliativos. Porque os cuidados paliativos veem a pessoa como um todo, e estamos a falar de cuidados centrados na pessoa. A pessoa sofre, vamos ver em que dimensões é que ela está a sofrer, e temos de lhe proporcionar uma ajuda. Com certeza que a física é naturalmente uma delas, mas é muito importante que não se entenda o homem como apenas um ser físico, sem outras dimensões, a psicológica, a espiritual, a social e a cultural.

É católica, e não o esconde. Ter fé tem-na ajudado como médica, ainda mais nesta área?

Tem-me ajudado muito na vida. Às vezes as pessoas pensam que é mais fácil, que os que têm fé têm uma bengalinha, uma muleta. Eu acho que a fé só nos traz mais exigência, muita exigência, e que em determinadas alturas de grande dificuldade – e quero aqui prestar uma homenagem aos grandes, grandes doentes, que são os meus exemplos e os meus inspiradores!

De facto, perante situações de grande sofrimento, esta fé e esta certeza de que a mão de Deus nos ampara sempre, é extremamente… eu não gosto da palavra ‘consoladora’, mas é uma certeza de esperança, e uma certeza de luz em travessias do deserto. Muitos dos nossos doentes fazem travessias onde parece que nada faz sentido, e nós, enquanto pessoas que os apoiamos, queremos estar à altura, e sofremos muitas vezes as mesmas dúvidas, as mesmas questões – onde está Deus quando existe esta travessia? Deus está lá, às vezes não estamos a vislumbrar.

Graças a Deus tenho tido a oportunidade de sentir a mão de Deus, neste sentido de saber que não estou sozinha, que há um sentido maior e que obviamente a fé é um motor exigente, mas que nos ajuda a encontrar sentido num percurso difícil. É um privilégio poder servir estas pessoas, poder ajudá-las numa fase complicada e pensar que elas vêm a terminar os seus dias tranquilamente, umas com fé, outras sem fé.

Faz parte, e é um corolário da nossa fé, conseguir ver no paciente outro Cristo, e isso às vezes é muito desafiante. Se eu estivesse a tratar Cristo, o que é que eu lhe fazia? É uma pergunta muito desafiante, ver no outro, outro Cristo.

 

 

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Agência ECCLESIA

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