Natureza e Bíblia

Frei Lopes Morgado

Em Fátima, no Centro Bíblico dos Capuchinhos, cresce há vários anos um “Jardim Bíblico”. De lá veio este Roteiro para um encontro com a Natureza. 

A Terra e a Natureza estão no ADN do homem bíblico. Feito do pó da terra, o ser humano (Adam) vai de terra em terra, entre aquela que deixa e a que lhe vai ser dada, aprendendo a dominá-la e a contemplá-la, a moldar a vida com ela na escravidão e a suportá-la no deserto, a possuí-la na terra prometida e a perdê-la nos exílios – vindo a projectá-la numa nova terra de muitas utopias, já visionada no início (Ap 22,1-3). Nessa viagem, variados são os seus encontros com a Natureza.

Leitura crente

A Bíblia faz uma leitura crente da Natureza, a partir da fé monoteísta no Deus inefável (YHWH). «Pela fé, sabemos que o mundo foi organizado pela palavra de Deus, de modo que o que se vê provém de coisas não visíveis», assume o autor da Carta aos Hebreus (11,2). Daí atribuir ao único Senhor toda a criação: «A palavra do Senhor criou os céus,/ e o sopro da sua boca, todos os astros./… Porque Ele disse e tudo foi feito,/ Ele ordenou e tudo foi criado» (Sl 33,6.9).

Linguagem e mensagem

Sob esta fé, os escritores sagrados falam da origem e do sentido das coisas. A sua informação é empírica, não científica. Escrevem nos géneros literários do seu tempo. Servem-se de lendas e mitos da Suméria, da Babilónia e de Ugarit, purificando-os de politeísmos. Por isso, ao ler um texto da Bíblia, é preciso ter em conta o género literário em que foi escrito. Senão, geram-se equívocos e fazem-se falsas leituras da Palavra de Deus.

Por exemplo: os primeiros capítulos do Génesis são um poema catequético. Não temos aí uma explicação científica da origem do mundo e do ser humano, nem podemos encontrar contradição entre o seu esquema literário da criação em seis dias e a explicação científica da evolução através das idades. Não é a sua linguagem nem a sua mensagem. O poeta/catequista quer apresentar ao trabalhador crente o modelo de Deus, para que também ele, após uma semana laboral, dedique um dia in/útil ao encanto com as criaturas e ao louvor de Deus que fez dele seu colaborador na gestão do mundo.

Vida e Bíblia

Aliás, a Bíblia apresenta dois relatos diferentes da criação. Quer dizer que, por trás da escrita, há sempre uma experiência de vida e uma reflexão para colher as suas lições. Diferentes contextos e vivências revelam nova imagem de Deus e criam diferente relação com Ele, exigindo outra linguagem para exprimi-lo. E a Bíblia faz essa inculturação. Aos escravos que descobriram YHWH quando amassavam tijolos no Egipto, mostra-se Deus a fazer o homem do barro e a insuflar-lhe vida; ao povo castigado nas agruras do deserto, promete-se um jardim com um rio de quatro braços e árvores de fruto (Gn 2). E para animar Israel no regresso do exílio, os Profetas, anunciam que o deserto se vai transformar em rio e a terra seca, em jardim (Is 43,18-21)!

Lugar teológico

Jacob exclama, ao acordar de um sonho ao ar livre: «O Senhor está realmente neste lugar e eu não o sabia!» (Gn 28,16). Moisés descobre o Senhor na sarça-ardente (Ex 3,1-14) e nos fenómenos naturais do Sinai (Ex 19, 16-25). Elias pensava encontrá-lo no vento ou no fogo, mas ouve-o no «murmúrio de uma brisa suave» (1 Rs 19,9-14). Jesus ensina a ler nas flores e nas aves a Providência do Pai (Mt 6,25-34).

A Natureza é um lugar de encontro com Deus, pois a criação é a sua primeira palavra; mas as criaturas não são divindades. Também o Sol e a Lua devem louvar o Senhor (Dn 3,62). Daí Paulo recriminar os pagãos: «Porquanto, o que de Deus se pode conhecer está à vista deles, já que Deus lho manifestou. Não se podem desculpar. Pois, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram nem lhe deram graças, como a Deus é devido», mas cultuaram as criaturas (Rm 1,18-32).

Roteiro de Primavera

A vida não permite viajar para destinos exóticos, nem ter as férias sonhadas? Podemos passear no campo, num bosque ou na montanha; contemplar o céu com nuvens e aves, da janela; sentar-nos diante do mar imenso; cultivar plantas ou flores na varanda e admirar as nervuras e a coloração das folhas, a diversidade, ordem e unidade das pétalas e flores.

A Primavera transforma a Natureza. A Quaresma desafia-nos a renovar o coração. As dificuldades económicas aconselham a simplificar hábitos de vida. Que tal, um encontro com a Natureza? Eis algumas pistas de acesso: Gn 1 e 2; Sir 42,15–43; Job 38-39; Salmos 1, 8, 19, 29, 33; Is 5; Jer 17,5-8; Mt 13; Cântico dos Cânticos

Lopes Morgado

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