Natal, festa da vida

Mensagem do Bispo de Beja No decorrer das estações do ano a natureza vai-se vestindo e despindo de cores, climas e aspectos diversos, que marcam a vida das pessoas e das sociedades. Para além disso há acontecimentos do presente ou do passado, cuja memória vai caracterizando a cultura dum povo, exprimindo-se em costumes e tradições que animam a sua vida. Mas há acontecimentos que afectam a vida de muitos povos em quase todos os continentes. Podemos afirmar que o Natal cristão é um deles. No entanto, muitos vivem o Natal apenas naquilo que se tornou uma tradição cultural, mas não celebram o acontecimento que lhe deu origem e marcou as pessoas e culturas: o nascimento de Jesus em Belém, filho de Maria, o Salvador prometido ao povo hebreu para toda a humanidade. Gostaria de partilhar com os meus diocesanos alguns aspectos essenciais do verdadeiro Natal cristão e as suas consequências para a vida daqueles que vêem no Menino de Belém o seu Senhor e Salvador. Estou convencido que o modo superficial e consumista como se vive esta quadra anual em nada contribui para a realização do bem estar pessoal nem para a coesão social, antes acentua a insatisfação individual e as desigualdades sociais. Então, como celebrar o verdadeiro Natal? Natal, acolhimento da vida Em primeiro lugar, mesmo quem não acolhe o Menino nascido há cerca de dois mil anos em Belém como Salvador da humanidade, se está aberto à vida, sente que a decadência e a morte não poderão ter a última palavra na história do mundo. Por isso está disposto a acolher o dom da vida e a contribuir para que a vida prevaleça. No Natal, quando a natureza se despe e a noite se alonga, o homem da esperança tem necessidade de afirmar a força da vida. No Menino de Belém, acolhido na simplicidade e na fé de Maria, dos pastores e de todos os que nele acreditaram através dos séculos, afirmamos a vitória da vida sobre a morte e da nossa vocação a participar da alegria da criatura que vê a sua esperança realizada. Mas há tanta gente a destruir a vida, na sua fase inicial, no seu desenvolvimento e na sua metamorfose final! Basta mencionar o aborto, a fome, a violência, a guerra, a eutanásia, etc. Só celebra com autenticidade o Natal quem acolhe a vida como um dom, sem fazer selecção de quem merece viver. Vencer a cultura do egoísmo Cada geração é filha do seu tempo, com tudo o que isso implica. Podemos dizer que esta geração, agora na fase da vida activa, respira uma cultura da afirmação do indivíduo, da consciência subjectiva em tensão com a forte globalização da humanidade, que remete a pessoa para a impotência de construir livremente um projecto de sociedade baseado na verdade e no bem comum. Esta experiência empurra a pessoa para o pequeno mundo duma realização de bem estar subjectivo, sem atenção aos outros e ao seu próprio futuro. A espécie humana e a natureza caminham para a sua autodestruição, se não houver mudança de rumo. O tempo é curto. Os anos procriativos de uma geração são limitados e passam depressa. A mentalidade egoísta e a cultura de morte são contrárias à afirmação da vida e à conservação da espécie. Não é preciso ser futurologista para prever o declínio da civilização ocidental. Compreendemos os dramas e os medos de muitas mulheres, deixadas sós pelos seus companheiros e pela sociedade, quando se vêem confrontadas com a possibilidade de ser mães, de conceber e dar à luz um novo ser humano. Precisamos de ajudar a mulher a aceitar e assumir a nobre vocação de ser mãe, de ser colaboradora imprescindível na regeneração da sociedade. Não é facilitando libertar-se do novo ser humano que se gera no seu ventre, que contribuímos para a felicidade da mulher. Mas há um longo caminho a percorrer na educação sexual responsável, nas leis laborais e sociais de apoio à maternidade, na despoluição do ambiente e da cultura de morte das sociedades ocidentais. Acolher o outro com simplicidade, sem preconceitos Por outro lado vivemos hoje num mundo multicultural em constante mobilidade. Temos todos de aprender a acolher o outro, o diferente, com simplicidade, sem preconceitos e sem medo. Celebrar o Natal de verdade implica acolher a todos os que vêm até nós e tentar construir com eles uma família humana, fraterna e solidária. O outro é nosso irmão, filho de Deus, e não nosso inimigo, concorrente ou escravo. Também neste aspecto precisamos de evoluir muito, para que desapareçam os guetos, os racismos, as marginalizações, pois o Príncipe da paz nasceu para todos. Precisamos de apoiar a família humana, a começar pela nossa própria família de sangue, para que pais, filhos, avós e netos, os membros de todas as gerações se sintam co-responsáveis pelo bem uns dos outros e não se abandonem na solidão, só por motivos económicos e de bem estar pessoal. Há valores que são mais preciosos que o dinheiro e o lazer. Partilhar o dom da vida e não apenas os presentes Se a família funcionar bem, se souber transmitir às novas gerações os valores essenciais da vida humana, então os seus membros encontrar-se-ão muitas vezes e estarão atentos uns aos outros, aos seus problemas, e não apenas por altura do Natal. Mais que presentes materiais, é importante que partilhemos a vida, o tempo, a alegria, a convivência, a atenção mútua, numa palavra, o amor. Sem esta partilha não acontece Natal. Superar o stress, o consumo e a ostentação O mistério do Natal de Belém convida à contemplação, à admiração do Menino, da Mãe, do ambiente, das circunstâncias do nascimento e do seu significado. Para isso precisamos de parar um pouco, de vencer a tentação do consumo, da ostentação, da ambição, para evitarmos o stress e conseguirmos tempo uns para os outros e para Deus. Para ajudar à reflexão e oração pessoal e em família na época de Natal, deixo aqui duas passagens da Bíblia, uma do Antigo e outra do Novo Testamento: O povo que andava nas trevas viu uma grande luz… Pois nasceu uma criança, Deus mandou-nos um menino, que será o nosso rei. Ele será chamado de “Conselheiro Maravilhoso”, “Deus Poderoso”, “Pai Eterno”, “Príncipe da Paz” (Is. 9, 2-6). Mas a todos quantos o receberam, aos que crêem nele, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus. Estes não nasceram de laços de sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas nasceram de Deus. A Palavra fez-se homem e veio habitar no meio de nós, e nós contemplamos a sua glória, como glória do filho único do Pai, cheio de graça e de verdade (Jo 1, 12-14). Neste sentido e na firme esperança de que todos os homens e mulheres de boa vontade saberão acolher este dom de Deus e tirar as consequências para a sua vida pessoal, familiar e social, desejo a todos um Santo Natal e um ano de 2007 de crescimento espiritual e também de realização dos bons sonhos para a plenitude da vida, na paz e na alegria. † António Vitalino, Bispo de Beja

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