Natal é sempre curto

Rui Falcão, Empresário Multimédia Pergunta-me o repórter intrigado porque se antecipa o Natal? Porque a dois meses do dia respectivo, já se movimentaram luzes, cores, cheiros, cam-panhas… Será tudo isso tão somente fruto do marketing (empresarial, político, pessoal…) e dos objectivos da publicidade? Será que todo este ambiente é construído (e se deixa construir) apenas porque a onda consumista é afinal o essencial de todo esse espírito… ou haverá algo mais? Porque me perguntas a mim e me pedes para responder? Deixa-me dizer-te repórter que aprecio a tua metodologia de trabalho, esse perguntar constante à procura de respostas e outras quantas novas e melhores perguntas. Começei esse período de dois meses de que falas por assistir a uma missa onde o Senhor Padre comentava um estudo sobre os europeus que dizia “os portugueses são o povo mais triste da Euro-pa”…e ele acrescentava – Existe aqui qualquer coisa de contraditório porque os portugueses são bastante católicos e santos tristes são tristes santos… e já sentia repórter no teu ar a perguntar. Porquê amigo, porque andam tristes os portugueses? Ligo a televisão. Durante a tarde, no aconchego da minha sala quente, aprecio as intervenções dos nossos líderes políticos. Lamento o tom… o costume. Intervenções pautadas por critérios de maledicência, intrigas e acusações de supostas intencionalidades pouco claras. Mal o governo entra em cena e anuncia uma determinada medida recebe de imediato a oposição crítica, feroz e sistemática. Se o governo comenta a oposição, também não são de esperar elogios, por muito que as intervenções possam ser construtivas. Regras de boa educação nos debates? A velocidade das intervenções e as interrupções são tantas… recordo-me que os meus pais me ensinaram a não interromper quando alguém fala… o que nos ensinam nestes debates? As justificações do calor, do entusiasmo da discussão, convencem alguém? Sabes que fiz repórter? Pedi desculpa interiormente aos bons políticos e à boa política, desliguei dos políticos porque poluição já me chega a do ar que respiro. Desligo a televisão. Ligo o rádio. Depois de alguma música, um debate sobre o estado da economia… e mais uma vez com um clima acusatório, de crítica mesquinha e insuportável, sindicatos, patrões, ameaças e uma vez mais insinuações de supostas intencionalidades pouco claras. Falta de produtividade. Baixas fraudulentas. Empresas em agonia. Má gestão. Agressões em forma de palavras. Vómitos de insultos. Radicalismo, diálogo de surdos e sobretudo, muito pouco Bom Senso. Pedi desculpa interiormente aos patrões éticos e aos sindicalistas responsáveis. Desligo o rádio. Entro no estádio. A festa prometia. Um estádio novo a inaugurar. Luzes e Multimédia… o cheiro a novo das cadeiras, as famílias com cachecóis e bandeiras e aquela ansiedade típica dos grandes momentos, a procura dos lugares, as entradas, o cheiro das bifanas quentes, a música entusiasmante, um jogo amigável. De repente um assobio monumental. Olhei estarrecido para o relvado… três homens de preto faziam exercícios de aquecimento. Ainda nem sequer sabíamos o seu nome, e o homem não tinha tocado no apito já era alarvemente insultado. Quase não queria acreditar no que ouvia… Passados alguns momentos entrou a selecção grega. Outro enorme coro de assobios, à minha volta duas ou três pessoas aplaudiam. Estarreci! Como é possível entrar a equipa estrangeira para um jogo amigável e recebe-la com protestos? Pensei que alguém teria dito que os portugueses eram hospitaleiros e sabiam receber bem. Depois começa o jogo e o resto da história já o repórter sabe e escreveu sobre ela… cinco minutos de jogo e a própria selecção portuguesa assobiada e vaiada. Apoio nos bons e maus momentos. Que curta está a nossa paixão. Se isto é festa… eu sou o Pai Natal. Saio do estádio. E olhando perplexo para este caldo de cultura borburante, perguntas-me outra vez repórter, porque achas que as pessoas querem antecipar o Natal? Deixa-me dizer-te assim repórter, sem rodeios e com a alma na mão. O Natal é Deus tão gráfico, tão próximo, tão expressão de uma vida bela que todos levamos dentro… Gosto do Natal sinal de esperança que o futuro vai correr melhor e que o passado pode ser revisto e perdoado. Podes rir-te repórter, mas gosto do Natal Urbano de Londres, das ruas iluminadas e das lojas com produtos incrivelmente fantásticos. Gosto dos teatros e dos concertos à volta da Trafalgar Square… e do frio cortante que nos silva o rosto, misturado com o cheiro das fish and chips… Fazem-me sentir vivo e expectan-te para o futuro. À tanta coisa por descobrir, por fazer, por experimentar de novo. Podes ainda sorrir-te repórter quando digo que também gosto do Natal Rural de Trás-os-Montes, do voltar tardio dos campos, quando a magia do fumo que sai das chaminés das casas de pedra e o cheiro intenso e característico da madeira a queimar nas lareiras nos faz ver o lado simples, aconchegante e compreensível da vida. Gosto do Natal da saudade dos emigrantes. (Dizia-me há dias um emigrante português no Luxemburgo) O Natal em Portugal tem alma. São as luzes, a música calma nas ruas, o cheiro quente das castanhas. A família que se junta ( e porque se junta, percebe o sentido porque às vezes se separa). Gosto meu amigo repórter de, no Natal, ir à conversa na rua com Deus, perguntando-Lhe com vais, como vou, num tete-a-tete tranquilo de grandes amigos. E agora vais mesmo rir-te, mas não me leves a mal, gosto de um Natal onde as crianças brincam aos senhores padres, às missas e às procissões, reinventando gestos, formas e lugares, actualizando linguagens dos nossos cultos e orações, tão inocentemente belas e inspiradas. Gosto de um Natal com uma boa Missa de Acção de Graças que nos enche por dentro e nos deixa o coração em festa. Gosto de um Natal onde existe espaço para os mais pobres e gosto de ver em famílias inteiras gestos e intenções renovadas de fugir ao consumismo e de doar o equivalente das prendas dos amigos e das suas próprias (com excepção das crianças) à Casa do Gaiato ou à Cáritas. Gosto de um Natal com espaço para dois, em que posso olhar nos olhos da minha mulher e dizer-lhe (olhos nos olhos) que a amo, e que voltaria a casar com ela, apesar de tudo, e o tudo é tanta coisa. Há tantos Natais. Tantos lados positivos. Tanto Natal por descobrir! Tanto Natal por contar. Mas tu insiste repórter amigo na pergunta: Porque parecem querer as pessoas antecipar o Natal? Será só a força do marketing? E, amigo repórter, deixa-me dizer-te “ainda bem que insistes”. Rui Falcão, Empresário Multimédia

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