Natal é dom de Deus à Humanidade

Homilia do Bispo de Aveiro na Eucaristia de Natal

1.Celebramos, nesta primeira Eucaristia de Natal, o grande mistério da humanização de Deus e contemplamos, no coração da noite, o nascimento de Jesus, o Filho de Deus, em Belém.

Surpreende-nos o facto de que os primeiros destinatários do anúncio do nascimento de Jesus tenham sido os pastores, habituados pelo trabalho a uma vida nómada, difícil e quase marginal aos grandes acontecimentos da sociedade. Aqui, no milagre e no mistério do acontecimento de Belém, aparecem como predilectos de Deus e por Ele escolhidos para testemunhar e contar a “história de Jesus”.

Diz-nos o Evangelho que “o Anjo do Senhor aproximou-se deles e disse-lhes: não temais, porque vos anuncio uma grande alegria: nasceu-vos, hoje, na cidade de David, um Salvador, que é Cristo, o Senhor” (Luc 2, 9-11).

Os pastores acolheram este anúncio paradoxal e receberam esta mensagem divina. Dirigiram-se, de imediato, a Belém e encontraram Maria e José e o Menino recostado numa manjedoura”.

A mesma mensagem chegou até nós, transmitida por outras vozes e dita noutros lugares e doutros modos. Foram mães de família, catequistas e comunidades que nos ajudaram a viver e celebrar o Natal. Mais e melhor do que ninguém, minha Mãe ensinou-me a conhecer e a amar o Natal.

No mundo de hoje, em que faltam tantas vezes a serenidade das noites longas e a paz dos dias felizes, o Natal precisa de ser melhor conhecido e mais amado. O Natal existe por nossa causa e para nosso bem. E esta é para nós uma noite santa, cheia de magia, de serenidade e de paz a dizer-nos que Jesus nasceu em Belém.

2. O Natal é um dom de Deus à Humanidade. É “luz do mundo” a iluminar o nosso olhar e a alicerçar a nossa fé.

No seu recente livro, “Ir à Igreja, porquê? ”, Timothy Radcliffe, teólogo dominicano inglês, antigo Mestre Geral da Ordem,  conta-nos uma primorosa história de vida e de fé, que poderia muito bem ser uma bela história do Natal. Diz-nos o autor que “o professor Eamon Duffy era um prestigiado historiador da Universidade de Cambridge que tinha sido católico praticante. De um momento para o outro viu a sua fé ruir e mergulhou na escuridão diante das dúvidas, da insegurança e do medo da morte. Ouçamos as suas palavras: “ Diante do horror da morte e do sofrimento e perante o pavor que os dramas humanos nos causam veio a percepção de que Deus se fora embora também. Já não havia Deus e eu não tinha fé. Todo o condicionamento, todos os argumentos e o escoramento emocional que eu construíra à volta e dentro da minha vida foi como se nunca tivessem existido. Não mais acreditei, não mais desejei nem sequer acreditar. Sentia-me confuso e embaraçado com as minhas tentativas de rezar, como um homem que é apanhado a falar sozinho numa carruagem de comboio.

…Quando a fé, mais tarde, regressou veio como uma dádiva. Num domingo, diz-nos Duffy, entrei de novo na Igreja e estava sentado olhando simplesmente para as pessoas a caminho do altar. Nesse momento experimentei de repente um sentimento de companhia, de gratidão, de alegria e estranhamente senti vontade de rezar. A minha mente encheu-se, ficou literalmente cheia de um versículo do Salmo 26: Como eu amo, Senhor, a beleza da vossa casa … e o lugar onde habita a vossa glória” ( Ir à Igreja, porquê, págs. 122 a 124 ).

Duas coisas, entre outras me parecem importantes nesta história e neste relato. Por um lado a certeza de que a fé pode regressar e reencontrar-se. Este homem tinha perdido a fé mas não tinha abandonado a Igreja. Não se tinha retirado. Esperou. Por outro lado E. Duffy descobre que a fé não é uma escolha entre crer ou não crer. A fé é uma dádiva. Uma dádiva assombrosa e imerecida de significado. Na sociedade em que vivemos, uma sociedade politicamente livre e culturalmente evoluída, a fé é um dos melhores presentes de Natal de que a sociedade carece e que a alma portuguesa guarda e testemunha. É uma dádiva de Deus, que cada Natal nos oferece de novo.

O povo que andava nas trevas viu uma grande luz; para aqueles que andavam nas sombras da morte uma luz começou a brilhar. Quebrou-se o jugo que pesava sobre o povo, o madeiro que ele tinha sobre os seus ombros e o bastão do seu opressor…Porque um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado…Ele é o Príncipe da paz” (Isaías 9, 4-6).

Com a profecia de Isaías, Deus refunda a esperança no povo de Israel e desperta-nos para acolhermos com alegria esta dádiva de fé, de esperança e de caridade que o nascimento do Filho de Deus nos traz.

O Natal ensina-nos a sonhar com um mundo novo e diferente, habitado por homens e mulheres que acolhem o desafio da fé como um desígnio de vida e um sentido de missão. Educa-nos para sermos irmãos, decididos a transformar as dificuldades provocadas pelas dúvidas, questionamentos e incertezas de fé em oportunidades onde a verdade, a beleza e a bondade de Deus se encontram, celebram e testemunham.

O Natal é manifestação “da graça de Deus, fonte de salvação para todos os homens, ensinando-nos a viver no tempo presente com temperança, justiça e piedade”, lembrava Paulo ao discípulo Tito, no belo texto da segunda leitura de hoje.” (Tito, 2, 11-12).

3.Todos quantos celebramos o Natal de Jesus, sabemos que a fé, a esperança e o amor, de que o mundo carece, moram no presépio e estão presentes no coração generoso dos que acreditam, rezam e partilham. Para os cristãos, a oração está na raiz da fé, da esperança e da caridade. É nosso lema diocesano no caminho de Advento/Natal esta bela síntese: Jesus vem: reza e acolhe.

 Queremos ser Igreja orante, lugar de esperança no mundo. No seu livro mais recente, o Santo Padre lembra-nos que “o sentido da Igreja é voltarmo-nos para Deus e deixarmos entrar Deus no mundo” ( Bento XVI, Luz do Mundo, pág. 151).

A Igreja conhece as dificuldades das pessoas, sente as provações das famílias e sofre diante da pobreza, do desemprego e da injustiça, flagelos humanos e sociais que há muito tempo deviam estar erradicados. Por isso intensifica, neste tempo, a oração junto de Deus e apressa-se a ir ao encontro de todas as pessoas e de cada uma das famílias, com respostas concretas e com sinais claros de presença activa, de proximidade fraterna e de partilha solidária.

Precisamos de reaprender a estar no mundo, vencendo a ambição desmedida e incontrolável da posse, do luxo e da abundância desmedidos para adoptar estilos de vida sóbria, ética e justa. Precisamos de reaprender mais a partilhar do que a guardar e temos necessidade de encontrar em todos os que são chamados a governar mais vontade de servir do que desejo de dominar.

Saúdo, no coração desta noite abençoada, as crianças, jovens, adultos e idosos, felizes mensageiros de Natal, decididos a ir ao encontro das pessoas sem abrigo, sem família, sem trabalho, sem saúde ou sem liberdade. Há tanta gente, na nossa cidade e diocese, a repartir o seu salário e as suas economias; temos inúmeras instituições e comunidades a multiplicar criativamente as suas respostas solidárias; encontramos empresas a fazer um esforço acrescido na consolidação de um trabalho estável e na repartição justa dos resultados conseguidos.

O tempo de Advento que precedeu esta noite de Natal levou-nos a cruzar com alegria os nossos caminhos, em partilha de fé, de vida e de missão, com numerosos e felizes mensageiros de Natal. Neles descobrimos, através de tantos sinais de esperança e gestos de partilha e de generosidade, o novo rosto e o novo coração da nossa fé. Demos graças a Deus, porque com eles se torna mais belo e mais verdadeiro o Natal em Aveiro.

Que Jesus encontre em cada um de nós o seu presépio, porque “é dentro de nós que Jesus nasce e é em cada um de nós que o Natal acontece”.

 

Um santo e feliz Natal

Sé de Aveiro, 24 de Dezembro de 2010

+António Francisco dos Santos, Bispo de Aveiro

 

 

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