Homilia do bispo da Guarda, D. Manuel Felício, na noite de Natal 2017
“Num mundo que andava em trevas brilhou uma grande luz” – São palavras do profeta Isaías que lemos nesta noite de Natal. E continua: “Para aqueles que habitavam nas sombras da morte uma luz começou a brilhar”.
O profeta dirigia-se àqueles que viviam mais longe da relação com Deus e, por isso, eram considerados ignorantes da lei e incapazes do seu cumprimento.
Ora, esta luz que começa a brilhar é uma luz libertadora, porque desfaz o jugo e o bastão do opressor e sobretudo abre um novo futuro de paz, esse bem tão desejado pelas pessoas de todas as condições e idades, porque “todo o calçado ruidoso da guerra, toda a veste manchada de sangue serão pasto das chamas”.
Como sabemos, essa luz tem um nome. É Jesus, o Filho de Deus que hoje contemplamos no presépio, despido da Sua importância divina para oferecer a todos os homens e mulheres deste mundo a oportunidade de criarem uma nova ordem de relações em sociedade. Relações não baseadas em interesses, sejam individuais sejam de grupo, mas sim no reconhecimento do valor maior da dignidade de cada pessoa, qualquer que seja a sua idade, o seu estado de saúde, a sua capacidade produtiva ou poder de compra. Ele é esse menino que nasceu para nós, o conselheiro admirável, o príncipe da paz, que vem instaurar no meio do mundo um reino novo baseado no direito e na justiça.
Num mundo fortemente marcado pela sede do ter e da acumulação de valores materiais, onde as pessoas quase se dividem entre os que vivem na abundância e os que desejam entrar nesse clube, a luz do Natal aponta caminhos novos. São os caminhos seguidos pelos pastores, que pernoitavam sossegados, nos descampados de Belém a guardar os seus rebanhos. De repente acordam ao som da melodia dos anjos – Glória in excelsis Deo”; e de imediato se poem a caminho ao receberem a novidade da sua mensagem – Nasceu-vos hoje, na cidade de David, em Belém, o Messias Senhor”. E ainda mais espantados ficaram com o sinal que lhes é dado para identificarem o Salvador esperado – “Encontrareis um Menino envolto em panos e deitado numa manjedoira”.
Quando os grandes deste mundo souberem encontrar e seguir os caminhos da simplicidade e da pobreza, como o souberam os pastores de Belém; quando os poderes deste mundo compreenderem que o seu estatuto é de serviço aos outros e não e não para se aproveitarem dos lugares que ocupam; quando a sociedade e as culturas dominantes descobrirem e aceitarem que a dignidade e o valor de cada pessoa estão sempre acima de qualquer espécie de calculismo e também que nenhum ser humano pode pretender ser a medida de tudo e de todos, colocando-se, assim, no lugar de Deus, então estaremos no caminho certo para juntos construirmos a desejada sociedade nova, verdadeira casa comum onde todos se sentirão bem e para onde a mensagem do Natal nos remete.
Neste Natal, ao contemplarmos o Presépio de Belém, queremos redescobrir a força do amor, capaz de congregar as pessoas em relações verdadeiramente humanizantes e em projetos válidos de construção da sociedade, que tomam a dianteira relativamente às metas de produção e consumo.
É que, como nos lembra hoje S. Paulo, na sua carta a Tito, que hoje lemos, naquele menino de Belém, que nasceu fora da cidade e numa manjedoira, por não haver para ele lugar nas hospedarias, de facto, manifestou-se a graça de Deus, fonte de salvação para todos os povos.
E quem alguma vez se deixa encontrar por esta maravilha da graça de Deus, nunca mais vai ceder às tentações da mundanidade, mas escolherá sempre e com naturalidade a temperança, a justiça e a piedade. Sobretudo sabe viver o presente não como a meta definitiva do seu viver, mas sempre de olhos colocados na ditosa esperança da segunda vinda de Cristo salvador.
Ora acontece que as pessoas concretas, em sua existência diárias, não acolhem apenas e sempre as ofertas do amor e dos valores que dignificam cada um e as suas relações com os outros e com a natureza no mundo. Constatamos que há muitas bolsas de resistência em cada pessoa e nos grupos que elas constituem.
E estas bolsas de resistência também têm nomes, como são os casos de abandono dos mais débeis e necessitados, sobretudo idosos, em alguns dos nossos meios. E esse abandono é ainda mais refinado quando se tenta fazer passar a mensagem de que o sofrimento pode ter solução com a morte antecipada, legalizando a eutanásia. Bolsas de resistência são também as agressões à natureza, em nome de um bem estar sem limites, que não sabe fazer contenção quanto ao consumo de bens que Deus criou para todos e não apenas para alguns; é o esquecimento das dimensões mais nobres da vida das pessoas, como são as relações gratuitas, em nome do progresso material absolutizado; é o facto de alguns querem sujeitar o bem das pessoas à imposição das suas ideologias ou tentarem usar a autoridade e os poderes públicos como trampolim para a sua promoção pessoal e não para servir os outros e a construção da comunidade, como era seu dever.
Ignorar estas e outras bolsas de resistência e tentar fazer passar a mensagem errada de que as pessoas são todas inocentes ou que falar de mal e pecado se resuma à obsessão de alguns para traumatizar consciências, é de facto, meter a cabeça na areia. Temos consciência de que muito sofrimento na vida das pessoas se evitava se a maldade e os pecados fossem definitivamente eliminados.
Por isso, o Presépio também nos remete para a misericórdia infinita de Deus que, de facto, envia o seu único Filho ao meio da Humanidade para lhe oferecer a regeneração gratuita, fruto da Sua Misericórdia sem limites e assim nos colocar a todos no caminho da construção do bem para nós próprios e para os outros.
Deixo votos para que neste Natal todos saibamos revisitar a lição do Deus Menino, que se apresenta simples e pobre no Presépio de Belém, mostrando-nos assim, o caminho para abrir futuro novo às nossas sociedades.
Guarda. 24.12.2017