Missas do Parto são um património da Ilha e continuam a ser uma das maiores manifestações da religiosidade popular e da cultura madeirenses A partir de hoje e até dia 24 de Dezembro, em quase todas as paróquias da Diocese do Funchal, são celebradas as “Missas do parto”, um património religioso que é vivenciado pelas comunidades paroquiais, através de cânticos e de manifestações muito próprias que unem a liturgia do Advento à piedade popular. Qualquer pessoa que ande por estes dias na Ilha há-de ouvir falar constantemente na “Festa”, que é como os madeirenses falam do Natal. Apesar de serem uma tradição secular, as “Missas do Parto” continuam a ser uma das maiores manifestações da religiosidade popular e da cultura madeirense. Estas celebrações que reúnem a população insular pelas madrugadas de 16 (algumas comunidades começaram a celebrar hoje, dia 15) a 24 de Dezembro possuem uma estrutura e um objectivo comum a todas as comunidades e fazem parte da tradição do Natal, que remonta certamente, aos primeiros povoadores da Ilha. Embora celebradas nos nossos dias, adaptando-se às vicissitudes da evolução e da vida moderna, são ainda marcadas pelo entusiasmo e participação generalizada. Antes ou depois do trabalho, consoante a hora em que forem celebradas, os fiéis reúnem-se para louvar Nossa Senhora e preparar um Natal que está longe do frenesim consumista dos nossos dias. É uma tradição que vem de longe, e nem o frio nem a chuva das manhãs de Inverno demovem os fiéis das novenas. À ida para a igreja bebe-se café quente com um “cheirinho” de grogue ou um copito de aguardente com mel, para afastar o frio e o sono. Nalgumas freguesias bandas filarmónicas percorrem as ruas com as castanholas, os bombos, as “cabrinhas” ou os acordeons, que acordam os mais dorminhocos. Nas tradições mais antigas, é o búzio chama às duas horas da manhã: todos conhecem aquela voz, quem vem a caminho também bate a todas as portas. A caminhada dos sítios mais altos até à Igreja é longa e difícil, por caminhos inclinados e estreitos, mas todos avançam ao som dos instrumentos regionais, dos búzios e de muitas dezenas de castanholas. Nestes nove dias vão ecoar nas igrejas cânticos que podem muito bem ter cinco séculos de existência. O pai-nosso, a ave-maria, a salve-rainha, a Conceição, a Maternidade e o “retrato de Nossa Senhora” são cânticos obrigatórios: O “retrato de Nossa Senhora”, é um hino de louvor à pessoa da Virgem Maria, tanto das suas qualidades físicas como espirituais. A cada louvor segue uma petição. E a concluir reza: “A beleza da vossa alma / Ao Senhor agradou tanto / Que vos escolheu para esposa / Do divino Espirito Santo.” Todos os outros cânticos seguem, quase à risca, o mesmo esquema: uma verdade teológica, cristocêntrica, um louvor à Virgem, a Cristo ou a Deus, e uma respectiva petição e consequente aplicação prática à vida quotidiana. As características da vida moderna certamente não permitirão cumprir a tradição à risca, até porque hoje as distâncias estão mais encurtadas entre as populações, e a Igreja, de há quarenta anos a esta parte, também subiu ao encontro das comunidades humanas que se têm disseminado pelas encostas da Ilha e têm transformado a sua maneira de ser e estar na vida. Não se perdeu, contudo a tradição: antes ou depois do trabalho, consoante a hora em que forem celebradas, os fiéis reúnem-se com o pensamento envolto na meditação da Liturgia da Palavra que, nesta semana nos aproxima bastante de Cristo e da sua Mãe, cantando loas à Virgem que vai dar o Filho do Altíssimo que também é seu. História “Puuuuuu… Puuuuu. Puuuuu…. Não é para agrupamento de povo, pagamento de leite ou casa a arder, que o búzio chama às duas horas da madrugada nas Fontes e Furnas da Ribeira Brava. Todos conhecem aquela voz a tais horas da noite. Traduzida numa linguagem popular, quer dizer: Para a “Missa do Parto”…Para a “Missa do Parto”… Para a Missa do Parto”. E em todas as casas acordam pessoas e luzes. (…). Reúnem-se todos no terreiro da vereda do João Pequeno ou da do Manuel das Ascensões e, quando já não esperam mais ninguém, põem-se em marcha para a Vila. Duas horas de viagem, por caminhos serenados e ladeiras de matar. Avançam ao som dos instrumentos regionais, dos búzios e de muitas dezenas de castanholas. (…). Todos tocam acordando as gentes. À medida que o grupo avança, outros se vêm juntar, de modo que ao chegarem ao Pico da Banda de Além e à Cruz, ecoam na Vila, dando a impressão de que um bando de grilos gigantescos a vêm invadir. Contudo, ninguém tem medo. (…) Reunidos todos os tocadores de castanholas, começam então a dar voltas à pequenina Vila e não há quem resista, quem deixe de ir à “Missa do Parto”. São as festas do Natal que começam. Daí a momentos, às quatro e meia da manhã, estarão todos, ricos e pobres, senhores e plebeus, na igreja, pequena de mais para tanta gente, a cantar com todo o calor: “Ao Menino nascer./ Que gosto teremos! / Oh! Quanto felizes /Todos nós seremos! / Anjos e pastores, / Vinde em harmonia, / A louvar o parto / Da virgem Maria.” In O Natal na Madeira, Pe. Pita Ferreira
