Narrar factos, construir acontecimentos

Relação entre televisão e formação da consciência crítica em debate nas Jornadas de Comunicação Social A mistura entre a realidade e a ficção na produção televisiva é um fenómeno que acontece “sistematicamente” e afecta a capacidade crítica dos telespectadores. O alerta foi deixado por José Maria Lopes de Araújo, professor da Universidade Católica Portuguesa, escritor e jornalista, na abertura das Jornadas Nacionais de Comunicação Social. A iniciativa decorre em Fátima, entre 27 e 28 de Setembro, e é promovida pelo Secretariado Nacional das Comunicações Sociais da Igreja, subordinada ao tema “Será verdade o que Vemos, ouvimos e lemos?”. Na abertura dos trabalhos, perante várias dezenas de profissionais da comunicação social, Lopes Araújo abordou a relação entre TV e formação da consciência crítica, falando dos perigos relacionados com a questão da “percepção da realidade”. Nesse sentido, lembrou a necessidade de distinguir entre realidade e ficção, os dois “grandes géneros de narração televisiva”. O poder e força de sedução da televisão é tal que, nos nossos dias, mais do que narrar factos “constrói acontecimentos”. Os receptores desta mensagem “rendem-se à capacidade hipnótica da televisão”, adormecidos pela sua capacidade de convencimento. Em linha directa com o tema escolhido pelos organizadores do evento, este especialista perguntou-se se “só existe o que a televisão mostra”, abordando a credibilidade quase dogmática atribuída à expressão “apareceu na televisão”. Lopes Araújo frisou que “a TV não mostra, deixa ver algumas coisas”, pelo que a percepção da realidade “é limitada a um quadro”. A sua credibilidade, portanto, tem limites que muitas vezes “são abalados”. Depois de abordar a relação de força entre políticos e jornalistas na televisão, o conferencista indicou que “factos e interpretação” são “misturados nas reportagens e nas notícias”, em que o jornalista é cada vez mais o protagonista. Neste contexto, deixou uma série de conselhos para ser um espectador crítico: “ser selectivo; considerar a fonte; ler; não acreditar em tudo o que se vê; examinar; ser céptico; questionar; ser espectador activo; ter bom-senso e senso comum”. No caso das crianças, foi criticado o efeito da exposição à violência e da banalização da “ideia de morte”, alertando-se para a “capacidade de substituição da televisão relativamente ao papel dos pais e das escolas”. “A TV é um rival muito sério no processo educativo”, indicou Lopes Araújo, que lamentou o facto de muitos menores serem deixados sozinhos perante a programação televisiva. O professor da UCP falou ainda da urgência de orientar a televisão para a educação e ajudar as pessoas a saberem ver televisão, descodificando a mensagem. Recusou, contudo, a ideia de que a TV seja “a causa de todos os males”.

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