Não procuremos entre os mortos Aquele que está vivo!

Nesta Vigília da Ressurreição ressoa programático o anúncio: “ Porque procurais entre os mortos Aquele que está vivo?” (Lc.24, 5). Somos chamados a anunciar que Cristo vive, se fez ver glorioso e vivifica os crentes que por Ele, com Ele e n’Ele devem plasmar a vida e alicerçar a fé, a esperança e o amor fraterno. As mulheres em pranto levavam aromas, para a sepultura e, com eles, o luto. Na Última Ceia Jesus sabia que chegara a sua hora, que o Pai tinha posto tudo nas suas mãos, pois d’Ele saíra e para Ele voltava. Mas os discípulos não entendiam o que Jesus lhes dizia e anunciava, nem percebiam porque Ele deveria morrer por nós, depois de ter “ amado os seus que estavam no mundo, amando-os até ao extremo” (Jo 13,1). Pedro não entendia o alcance das palavras e dos gestos de Jesus, nem a simbologia escandalosa e humilhante do lava-pés e, por isso, Jesus lhe disse: “o que Eu faço não o entendes agora, mas o entenderás depois” (Jo 13,7). Todos eram lentos em acreditar, prisioneiros do medo e da própria imagem, seduzidos pela grandeza, pelo poder e pelos interesses imediatos chegando a pactuar com a traição e a negação, deixando-se vencer pelo sono e pelo desinteresse, enquanto a trama urdida dos inimigos contra Jesus crescia, com as trevas da noite que a todos, discípulos e opositores, envolvia. 1. As Aparições do ressuscitado vencem a incredulidade e o luto dos discípulos. Foi absolutamente necessário que Jesus se fizesse ver, como vencedor do pecado e da morte e Senhor da vida, ensinando os discípulos durante 40 dias, ‘com muitas provas, mostrando-se e falando do Reino de Deus, comendo com eles’ e que o Pai por Cristo concedesse o Prometido, a Força do alto, sendo assim ‘baptizados pelo Espírito Santo’ (Act.1,3-5), para poderem acreditar e compreender a fim de poderem testemunhar com desassombro e verdade tudo quanto viram e creram. A incredulidade, a dureza de coração e a incompreensão dos discípulos só foram vencidas e ultrapassadas pelas Aparições do Ressuscitado, que se impôs à incredulidade, se fez ver, ultrapassando o escândalo, o luto, o desespero e a desilusão que a paixão e morte, como naufrágio total e ruir de toda a esperança, deles se tinham apoderado. O olhar dos discípulos, iluminado pela luz do Ressuscitado e pelo magistério do Espírito, é como que transfigurado, passando a compreender e a crer. Deste modo a fé da Igreja nascente se apresenta como dom divino recebido. Ao vidente de Patmos Jesus apresenta-se como vencedor da morte, toca-lhe no ombro, dizendo: “ Estive morto e eis que agora vivo pelos séculos dos séculos” (Ap 1,18). E aos discípulos, fugindo de Jerusalém para Emaus, o misterioso Peregrino ensina que o ‘Messias tinha de sofrer para entrar na sua glória’. É o Espírito que Jesus dá que ajuda a compreender, que “ é necessário passar por muitas tribulações para entrar no Reino de Deus” (Act.14,22). É Ele que ajuda a compreender a utilidade da cruz de Cristo e ‘recorda’, faz compreender em profundidade o alcance de tudo quanto Jesus disse e fez. 2.No Tríduo Pascal a Igreja não está de luto nem vive o luto, mas a alegria. Pensar e viver como se Jesus não tivesse ressuscitado é proclamar só meia verdade, um fragmento do Credo e dizer o que toda a gente sabe, isto é, que Jesus morreu e foi sepultado. Essa era aliás a situação anterior de morte, luto, desespero e desencanto, em que os discípulos desiludidos mergulhavam pesarosos pela morte e desaparecimento do Mestre. Para eles, Jesus, morto e sepultado, convertera-se num pesadelo. Perante Jesus morto, as suas esperanças terrenas ruíram como um baralho de cartas. A Igreja não está de luto, porque Jesus morreu por nós uma só vez, e agora sabemos e cremos que Ele está vivo para nunca mais morrer. A morte e sepultura de Jesus sozinhas não mostram a verdade da sua Pessoa e da sua causa. A morte manifesta a grandeza do seu amor até ao extremo, mas é só a Ressurreição, como testemunho do Pai em favor do Filho, que garante e mostra a coerência e a verdade do seu testemunho e do seu Evangelho. Já S. Agostinho dizia: “ A fé dos cristãos é a ressurreição de Cristo. Não é uma coisa grande crer que Ele morreu; isto também os pagãos o crêem. Mas o que é verdadeiramente extraordinário é acreditar que Ele ressuscitou”. 3.A Páscoa é celebração da Vida divina e eterna oferecida na morte do Senhor. Nós não desejamos, nem celebramos e promovemos o império da morte. Queremos, sim e desejamos a Vida com Deus, eterna e definitiva, conforme o desígnio de Deus que nos deu o Seu Filho que por nós morreu e ressuscitou, como diz S. Ireneu: “ A glória de Deus é o homem vivente, (isto é, o homem que deseja viver para sempre e ao qual a vida é concedida), e o desejo do homem é ver a Deus”. O homem é criado para a vida e para viver eternamente com Deus que o criou. Cristo com a sua morte e ressurreição já nos assegurou e garantiu a vida eterna e gloriosa. Falta só fazer que a nossa vida, vivida de conversão em conversão, pelo esforço pessoal aliado à omnipotência transformadora de Deus, que em nós realiza, misteriosamente, o querer e o operar, se vá assemelhando a Cristo diariamente até à metamorfose da ressurreição final que converterá o nosso corpo corruptível tornando-o semelhante e à imagem do Seu Corpo Glorioso. A morte é um portal, quase um acidente de percurso pelo qual temos de passar, mas não é o fim, nem o desejo do homem e muito menos a intenção e desejo último de Deus acerca de nós. A pessoa humana, no seu íntimo, é desejo de Deus e é, por isso, que como disse Agostinho não descansa enquanto não repousa em Deus. Diz o Concílio Vaticano II:” É em face da morte que o enigma da condição humana atinge o seu auge. O homem não é só torturado pela dor e pela progressiva dissolução do corpo, mas também e ainda mais, pelo temor da destruição definitiva. Pensa pois rectamente quando, guiado pelo impulso do seu coração, afasta com horror e recusa a ruína total o fracasso definitivo da sua pessoa. O gérmen de eternidade que traz em si, porque irredutível à pura matéria, insurge-se contra a morte” (GS 18). Por isso, canta a Liturgia, “para os que crêem a vida não acaba apenas se transforma e desfeita a morada deste exílio terrestre uma eterna morada se adquire no Céu”. 4. Sabemos que Jesus vive e acreditamos que com Ele e por Ele ressuscitaremos Acreditamos que Ele venceu definitivamente a morte. Sabemos que se fez ver e foi visto e reconhecido por centenas de pessoas e por isso não podemos viver, pensar e agir como desesperados, tristes, em luto permanente, como se o Senhor não vivesse e não se tivesse feito ver poderoso e glorioso, enviando os discípulos, como testemunhas deste maravilhoso acontecimento por todo o mundo (Act 1,8). De facto, já por volta do ano 30 ou 35 da nossa era, um letrado judeu, perseguidor encarniçado de Cristo e da Igreja, se apresenta como testemunha de Jesus que lhe apareceu no caminho de Damasco. Este acontecimento revolucionou a sua vida. Jesus fazendo-se ver, mostrando o seu poder e glória, fez do perseguidor um seguidor, um discípulo e testemunha qualificada de Cristo e da sua Ressurreição. Saulo mudou de nome e de vida, recebeu da Igreja o que Jesus disse, fez e pediu para transmitir. Deste modo, o perseguidor, transformado pelo amor e verdade do Ressuscitado, recebeu da comunidade crente não só o que Jesus disse e fez e a Igreja transmite, entre outras coisas, o que Jesus disse e fez na Última Ceia (1 Cor.11, 23), mas também que Ele se fez ver vivo e glorioso aos Apóstolos e a uma multidão de discípulos e por último ao próprio Paulo. Assim, por volta do ano 55, diz: “Agora, irmãos, quero comunicar-vos a boa notícia que vos anunciei, que aceitastes e conservastes, que vos salva, desde que conserveis a mensagem que vos anunciei; de contrário, teríeis aceite em vão a fé. Antes de tudo eu vos transmiti o que havia recebido: que Cristo morreu por nossos pecados segundo as Escrituras. Apareceu a Cefas e aos doze; a seguir apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma só vez: a maioria ainda vive, alguns já morreram. Por último apareceu-me também a mim” ( 1 Cor 15,1-8). 5. Pela força regeneradora da Palavra e do Baptismo recebemos a Vida do Pai por meio do Filho no Espírito, graças ao triunfo de Jesus sobre a morte. Na Eucaristia desta Vigília, ouvimos a Palavra que anuncia Cristo e O mostra já presente, actuante e vivo no meio de nós, e a seguir vamos celebrar os Sacramentos do Baptismo e da Confirmação de irmãos nossos, que vão mergulhar no mistério de Cristo e receber o dom do Espírito do Pai e do Filho. O Baptismo introduziu-nos na comunhão da Igreja, comunidade dos discípulos e testemunhas do Ressuscitado, vivo e glorioso que misteriosa e invisivelmente acompanha e mediante a Eucaristia alimenta, une e vivifica os crentes. No banho da regeneração espiritual que é o Baptismo, morremos para o pecado, passamos a ser e a viver como filhos e herdeiros da glória e da vida eterna, graças à eficácia que flui do lado aberto do coração de Cristo, cuja eficácia, mediante o Espírito, que Ele nos concedeu, floresce em toda a Igreja e no espírito dos crentes, pois como ensina S. Paulo, mediante o Baptismo, mergulhamos no mistério de Cristo, morrendo com Ele para o pecado e por isso, “cremos que também viveremos com Ele. Sabemos que Cristo, ressuscitado da morte, já não torna a morrer, a morte não tem poder sobre Ele. De facto, morrendo, morreu para o pecado definitivamente; e vivendo, vive para Deus. Da mesma forma, vós considerai-vos mortos para o pecado e vivos para Deus em Cristo Jesus” ( Rm 6,8-11). Passou-se com Cristo, dum modo análogo, o que se passa com os pássaros que rompem as teias e devoram as aranhas. Os mosquitos são aprisionados na teia e devorados pela aranha, mas esta e a armadilha da sua teia não resistem à força de seres superiores. Assim, Cristo Filho de Deus feito homem, pela sua morte e pelo poder vitorioso da sua gloriosa ressurreição venceu a morte e o pecado, arrebentou as cadeias da escravidão. A sua vitória é um definitivo regresso e ascensão da humanidade assumida no seio de Maria a uma vida eterna, gloriosa e superior à vida terrena que Ele quis partilhar connosco, enquanto peregrinos neste mundo. 6. Da celebração do Mistério Pascal nasce a esperança e floresce a alegria. A menos que as lágrimas sejam de alegria, após a ressurreição de Cristo só há lugar para o louvor, a acção de graças e a esperança a testemunhar com desassombro. Se falamos de lágrimas, ao celebrar a Paixão e Morte do Senhor, são lágrimas de arrependimento e reconhecimento pelo amor e pela graça que nos foi dada, quando o Filho de Deus assumiu uma humanidade como a nossa e por nós deu a vida em redenção, fazendo-se servo, esvaziando-se e obedecendo até à morte e morte de cruz ( Fil. 2,5-11). Na Igreja, mistério de comunhão, necessitada de arrependimento e reforma, há “ duas tábuas de salvação”(Tertuliano), que, segundo S. Ambrósio, correspondem às conversões: “da água e a das lágrimas: a da água do Baptismo e a das lágrimas da Penitência” (Ep. 41,12), pois é das lágrimas da conversão e do arrependimento que necessitamos e é do amor, da alegria e da paz que nos devemos alimentar dando razão da nossa esperança diante dos homens, testemunhando a fé e o amor fraterno que o Espírito infundiu nos corações e que é sinal da nossa pertença a “Cristo que é tudo para nós”( S. Ambrósio ). Tudo se fundamenta na certeza de que Jesus vive glorioso e ressuscitou, pois se tal não tivesse acontecido, seria inútil e vã a fé, a esperança, a pregação e o testemunho ( 1 Cor. 15,14 ). Cristo ressuscitou e, por isso, não O devemos procurar morto, entre os mortos, porque Ele está vivo e nos convida a viver d’Ele, n’Ele e por Ele, em benefício dos outros, como pregoeiros da alegria que a vinda ao mundo do Filho de Deus nos trouxe e a sua Ressurreição gloriosa nos atesta, libertando do pecado, do constrangimento, do luto, da tristeza e do desespero que a morte traz consigo. “Este é o dia que o Senhor fez, alegremo-nos e exultemos nele”, porque o Senhor ressuscitou e vive glorioso e está sentado à direita do Pai! Aleluia! Ele precedeu-nos, no caminho e subida para o Pai, onde nos prepara um lugar e uma morada. Dessa morada Ele mesmo é a Porta e o Caminho para o Pai, concedendo-nos a Chave, que é o Espírito, que nos abre e recorda o mistério que Cristo veio anunciar. Ele venceu, ressuscitou da morte, libertou-nos do pecado, deu-nos e garantiu-nos desde já a vida e a bem-aventurança eterna, que nesta hora humildemente impetramos de Deus. Ámen. Évora, 8 de Abril de 2007 + Amândio José Tomás

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