Octávio Carmo, Agência ECCLESIA
A manifestação pública das próprias convicções parece incomodar sempre quem não as partilha. A famosa tolerância das sociedades ocidentais é cada vez mais uma tolerância “canalizada”, por onde só podem passar opiniões iguais às dominantes, que não coloquem em causa o pensamento “homogeneizador”, que procura um mínimo denominador comum e quer remeter para a esfera privada todas as manifestações de fé (e não só).
Foi por isso, sem espanto, que li opiniões que insinuavam (ou, nalguns casos, sugeriam) que o ideal para evitar novos acidentes com peregrinos a caminho de Fátima seria afastá-los. Não só das estradas com mais movimento, entenda-se, mas dessa ideia “ultrapassada” de percorrer, em nome da fé, centenas de quilómetros como sinal de agradecimento, em súplica ou num percurso espiritual de redescoberta e recentramento interior. O Estado, pasme-se, não deveria pactuar com esta alucinação coletiva e pôr cobro, quanto antes, a iniciativas que têm a ver com o mais íntimo de cada pessoa e o sentido da sua existência.
Muitas soluções podem ser estudadas, naturalmente, e não podemos olhar com indiferença para estas tragédias que se sucedem, mas não concebo uma democracia em que os governantes proíbam os cidadãos de peregrinar, de forma ordeira e na maior segurança possível, em nome de ideologias ou desejos de um mundo “uniforme”, sem referência à Transcendência.
Curiosamente, uma solução do mesmo género – algo como “despareçam daqui” – foi proposto na sequência dos distúrbios do último domingo, aquando das celebrações do título nacional de futebol. Pilatos lavou as mãos e ficou na história, mas nem todos os que seguem o caminho da inércia e da desresponsabilização terão a mesma sorte.
Só agindo para transformar, em vez de sonhar com mundos em que se podem ‘encurralar’ aqueles de que não gostamos, é que o futuro poderá estar livre de novas violências e tragédias. Até lá, não nos empurrem.