“Não havia lugar para eles”

Homilia pronunciada por D. Francisco de Mata Mourisca (Bispo do Uíje) na “Missa do Galo”, na Paróquia da Sagrada Família do Calhariz de Benfica, dos Padres Capuchinhos, em Lisboa. 1. «Chegou o dia de Ela dar à luz e teve o seu Filho primogénito. Envolveu-O em panos e deitou-O numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria» (Lc 2,6-7). Com estas simples palavras descreve S. Lucas o nascimento e o primeiro berço que teve o Rei e Senhor do universo, Jesus Cristo, Filho de Deus feito Homem. O Evangelista não nos explica as razões por que não havia lugar para eles na hospedaria. Porque já estaria cheia? Porque era de cinco estrelas, e José e Maria aparentavam a condição de pobres? Talvez por esta razão, se tivermos em conta a clausula «não havia lugar para eles», insinuando assim que para outros podia haver. S. João Evangelista dá a este episódio uma versão impressionante, que se lê hoje no Evangelho do dia: «A luz brilha nas trevas e as trevas não a receberam» (Jo 1,5). E mais: «Veio para o que era seu e os seus não O receberam» (Jo 1,11). 2. Esta ignominiosa realidade tem se repetido através da história, e repete-se duma forma acentuada em nossos dias. Cristo continua a vir para o que é seu, e muitos dos seus continuam a não O receber. São todos aqueles que rejeitam os seus símbolos como, por exemplo, o crucifixo, o presépio, e outros sinais que falam d’ Ele. Até o presépio? É verdade! Quer isto dizer que O começam a rejeitar já desde o seu nascimento. Exactamente como Herodes. Está aqui uma forma requintada de intolerância religiosa. E imposta em nome da democracia, o que é um sarcasmo contra ela. De facto, a tolerância, e principalmente a religiosa, constitui um elemento essencial duma verdadeira democracia. Por isso, temos que chamar intolerável a esta espécie de intolerância. 3. Para banir os símbolos religiosos que falam de Cristo, aduzem como argumento a conveniência de não ferir os sentimentos religiosos doutros credos. E começam por banir os referidos símbolos cristãos justamente em certos países cuja população é de maioria cristã. Parecem ou fingem ignorar que a religião cristã está sendo hoje uma força harmonizadora dos mais diversos credos e culturas. Quem o quiser ver, vá a Taizé, onde milhares de pessoas, sobretudo jovens, das mais diversas Confissões religiosas, se concentram constantemente, para orar, cantar e conviver como irmãos. Por isso, neutralizar hoje o espírito cristão em qualquer país é prestar um péssimo serviço à sociedade humana, que precisa cada vez mais de ser animada com o espírito de Cristo. «Ele é a nossa paz», como afirma o Apóstolo (Ef 2,14). Logo, rejeitá-Lo a Ele é rejeitar a paz. E então, não nos devemos admirar de o terrorismo internacional ameaçar, cada vez mais, a segurança dos povos e das nações. 4. Rogo ao Senhor que este nosso País, cristão desde o seu nascimento, jamais venha a ser vítima desse fanatismo anticristão. Mas se alguém vier a pensar de outra maneira, certamente deverá começar por banir, da bandeira da Nação, as cinco quinas, símbolo das cinco Chagas de Cristo. E, se for coerente, pensará em destruir essas obras de arte que são fruto e símbolo do espírito cristão: os monumentos de Tomar, Batalha, Alcobaça, Jerónimos, etc. Haverá aí alguém que aceite, indiferente, semelhante loucura? Contudo, essa é a consequência lógica do não aos símbolos de Cristo. Não sei o que diriam os portugueses se, para não ferir os sentimentos dos adeptos do Benfica como do Sporting, aparecesse um decreto a suprimir a águia e o leão dos seus emblemas. Em suma, esta Europa que se ufana de democrática, neste capítulo que meditamos, está muito longe de o ser. 5. Quando os chefes do Sinédrio proibiram Pedro e João de falar ou ensinar em nome de Jesus, eles responderam: «não podemos deixar de afirmar publicamente o que vimos e ouvimos» (Act 4,20). Perante a ditadura do relativismo laicista que nos envolve, nós, discípulos de Jesus, não temos outra alternativa senão a atitude daqueles dois Apóstolos. Como eles, não podemos deixar de afirmar publicamente a nossa fé, inclusive através dos símbolos d’Aquele em Quem acreditamos – Jesus Cristo, Nosso Senhor. Para isto ser verdade, perguntemo-nos a nós próprios se Cristo encontra lugar, e o tem bem reservado, no nosso coração, na nossa família, na nossa vida. Tudo parte daqui. Demos lugar a Cristo: no nosso coração, mediante a fé e a graça santificante; na nossa família e na nossa vida, mediante o testemunho das nossas obras. E assim seremos dignos dum Feliz Natal e dum alegre Ano Novo, portador de risonhas esperanças, o que a todos vos desejo do íntimo do coração. Lisboa, 25 de Dezembro de 2006 D. Francisco de Mata Mourisca Bispo do Uíje (Angola) (D. Francisco sofreu um acidente em Luanda e, neste momento, está a recuperar em Lisboa).

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Agência ECCLESIA

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