Não havia lugar para eles…

Mensagem do Bispo do Funchal Maria e José, sempre atentos às necessidades alheias, resolveram preparar e assear a gruta estábulo, junto à casa, como ainda hoje encontramos junto ao presépio de Belém, para Jesus nascer. Foi nessa gruta propriedade da sua casa, onde era normal as mães dar à luz, que São José com os familiares preparou com todo o cuidado e adaptou a manjedoura a berço, de forma que Jesus nasceu num lugar digno, não lhe faltando roupas para enfaixar o Menino nem alimento. Nas peregrinações diocesanas, através da Turquia, Egipto e Israel, tive ocasião de apresentar aos participantes as estalagens, também conhecidas por «Khân», semeadas ao longo das estradas que conduzem a Meca. Algumas delas foram implantadas nos lugares bíblicos onde passavam os peregrinos para Jerusalém, Belém, Hebron e Bersabé. O tempo de Natal faz-nos meditar na mais célebre estalagem que, segundo S. Lucas, não recebeu Jesus e Maria: «não havia lugar para eles na hospedaria» (Lc. 2, 7). José de origem betlamita devia registar-se na cidade de David. Viajou com Maria sua esposa que não estava obrigada a recensear-se. Devido a uma gravidez já avançada, porque levou José a sua esposa, para um cidade tão afastada, se as mulheres não estavam obrigadas ao recenseamento? Leiamos o texto de São Lucas, rigoroso nos pormenores, que recebeu da tradição viva da comunidade cristã, talvez da própria Virgem Maria: «Enquanto estavam em Belém, completaram-se os dias para o parto, e Maria deu à luz o Seu Filho primogénito» (Lc.2,6). José e Maria já se encontravam em Belém antes do nascimento de Jesus, naturalmente numa casa própria ou de familiares. A ida para Belém sugere que José quer estabelecer-se naquela cidade e deixar Nazaré. Habitando numa casa, que motivos tinha para escolher uma estalagem, lugar impróprio para uma mulher dar à luz, no meio de viandantes, animais, cargas de comerciantes? O evangelista não diz que José andou de casa em casa a procurar um alojamento. Isso faz parte do folclore cristão natalício para acentuar a pobreza de José, mas que não o desculpa de ter sido imprudente, viajando com Maria no momento mais importante da vida da sua esposa. A impureza legal das parturientes Para esclarecer a situação precisamos de conhecer o sentido exacto da palavra hospedaria “Katályma” em grego. O substantivo tem mais de um significado. O dicionário célebre de Francisco Zorell diz que o «Katályma» é a casa ou parte da casa onde os peregrinos e viandantes se hospedavam. A outra tradução, a preferida por vários tradutores da Bíblia, foi a de pousada, albergue, hospedaria. Será de facto este termo o que melhor se adapta ao nosso texto ou o de casa ou parte da casa? Para a escolha da tradução é preciso conhecer o ambiente das casas da Palestina, com uma divisão central onde se colocam todas as coisas necessárias à vida familiar, como bancos, ferramentas, cozinha, e à noite se estendiam as esteiras para dormir no lugar preferido por cada pessoa. Para além desta sala comum, as casas como nos mostra a arqueologia, tinham um quarto que tanto servia para arrumos, como para hóspedes, mas, principalmente, para a esposa dar à luz. Segundo o livro do Levítico (15, 19-4) a mulher ao dar à luz, devido ao derramamento de sangue, ficava impura durante 40 dias para um menino e 80 dias para uma filha. Tudo o que a parturiente tocava ficava impuro, o que tornava a pessoa isolada socialmente e diminuída perante Deus e a sociedade até à data da purificação. Acima de tudo a caridade Que teria acontecido na casa de José ou dos seus familiares? Por ocasião do recenseamento muitos familiares e peregrinos enchiam Belém que pernoitavam em casa dos conhecidos e amigos, de preferência à hospedaria. Maria e José, sempre atentos às necessidades alheias, para não incomodar as pessoas nem para as tornar impuras, resolveram preparar e assear a gruta estábulo, junto à casa, como ainda hoje encontramos junto ao presépio de Belém, para Jesus nascer. Foi nessa gruta propriedade da sua casa, onde era normal as mães dar à luz, que São José com os familiares preparou com todo o cuidado e adaptou a manjedoura a berço, de forma que Jesus nasceu num lugar digno, não lhe faltando roupas para enfaixar o Menino nem alimento. A cena infantil de Jesus com frio e sem roupa, é tradição popular e não bíblica. Na Madeira, um cântico muito popular diz: «Também diz a tal notícia/ que a Virgem estava a chorar/ por não encontrar uns paninhos/ com que o pudesse abafar? Não é certa esta interpretação. Diz São Lucas: «Maria deu à luz o seu filho primogénito. Ela envolveu-O em panos e colocou-O numa manjedoura, porque para eles não havia lugar na sala da casa» (Luc, 2,7). José e Maria tiveram antes de tudo a preocupação dos outros, não queriam incomodar nem diminuir a festa e alegria do encontro dos familiares, não queriam principalmente que alguém corresse o perigo de contrair uma impureza por sua causa. Os outros necessitavam mais de ocupar a casa, José e Maria escolheram o estábulo, onde a simplicidade, o silêncio e o ambiente de contemplação do mistério daquele Menino, desconhecido para os outros, era preferível à comodidade de uma pobre casa. Quando os Magos chegaram a Belém, conduzidos pela estrela, diz o evangelista São Mateus: «quando entraram na casa (oikos), viram o Menino com Maria, Sua Mãe. Ajoelharam diante d’Ele e prestaram-Lhe homenagem» (Mt. 2, 11). Preferindo esta tradução da palavra «Katalyma», São José é apresentado com os cuidados de um verdadeiro pai de Jesus, o esposo responsável de Maria, que aceitou plenamente o plano de Deus na sua vida. Jesus nunca esqueceu o lugar do seu nascimento na simplicidade da gruta de Belém: «As raposas têm tocas e as aves do Céu têm ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça» (Luc. 9,58). A beleza de Natal continua intacta com esta tradução. Jesus de facto nasceu numa gruta e foi colocado na manjedoura como grande parte dos filhos do seu povo, grutas que ainda hoje, servem de casa e berço a muitos meninos de Belém. A lição que nos dá a narração bíblica, recupera a responsabilidade de São José e a caridade de uma família unida e santa, que sabe unir o amor para com o próximo ao cuidado e dedicação completa ao Filho de Deus. Funchal, 25 de Dezembro de 2004. D. Teodoro de Faria, Bispo do Funchal

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