Infelizmente, vemos que o significado e o sentido do domingo, do ponto de vista cristão, está a diluir-se. Para muita gente o domingo não passa de outro sábado. Para alguns católicos ainda é o dia para o encontro com Deus e com a comunidade, mas para muitos deixou de o ser, há muito tempo. Está em marcha um período revolucionário de secularização do domingo. Vemos o domingo a ser preenchido com muitas atividades e iniciativas, com todo o tipo de acontecimentos e eventos, com todo o tipo de lazer e distração. O seu sentido mais profundo está a caminhar para o eclipse.
O capitalismo, com a sua ditadura do lucro e da produtividade, tomou conta da vida das pessoas e das famílias. Recordo uma homilia que, em tempos, D. Manuel Linda, Bispo do Porto, proferiu, questionando a cultura e a organização social atuais, em que predomina o fatigante trabalho contínuo e a impúdica ganância capitalista, em grande prejuízo para o Domingo, com os valores e instituições que lhe estão ligadas, mas sobretudo em prejuízo para a pessoa humana, que não é só uma máquina de trabalho.
O Domingo, contributo do cristianismo para a humanidade, sempre teve para nós, europeus, uma grande carga simbólica e um caráter sagrado, um dia profundamente diferente, para se respirar no tempo, para se privilegiar o descanso, quebrando-se a escravatura laboral ou o peso do trabalho, o dia para o encontro com Deus e para o encontro dos cristãos entre si, para a espiritualidade e o enriquecimento interior, o dia para a família, para o lazer, para o desporto, para o aprofundamento e valorização da amizade, da fraternidade e da comunhão, o dia para o tempo livre e se contemplar a arte e a beleza da vida, o dia para a festa e o convívio, enfim, um dia para o ser humano se humanizar e enriquecer como ser humano e dar tempo às instituições humanas que têm um papel decisivo na felicidade e estabilidade da vida humana.
Infelizmente, tudo isto está em colapso, ou, como afirmou D. Manuel Linda, «esta marca está a perder-se. E a perder-se em detrimento da dignidade pessoal e dos direitos humanos. Pensemos no novo esclavagismo da laboração contínua, «legalmente» imposta pelos novos senhores do mundo que dominam a economia e, por esta, os governos. Pensemos como os critérios dos «turnos», em sectores onde, para além da ganância, nada os justifica, a par dos graves transtornos psicológicos do trabalhador e do fracionamento dos encontros familiares, está a gerar a «morte do Domingo», o fim dos ritmos semanais, a abolição dos verdadeiros momentos celebrativos e o fracionamento da família e das relações de amizade.»
O Domingo está-se a tornar um dia como os outros, um dia trivial, igual a qualquer outro dia da semana, um dia como qualquer outro para trabalhar, assim reclamado pelos grandes impérios económicos atuais, que não têm outro intento que não seja acumular lucros e mais lucros, construindo para isso as grandes catedrais e santuários do mundo contemporâneo, os hipermercados, os supermercados e os centros comerciais. Ao Domingo, é ali que a maioria das pessoas aflui para passar o tempo, para estar sempre entretida e consumir, sem ter outros interesses mais nobres e realizadores para a sua vida. Como afirmou D. Manuel Linda, «está-se a gerar uma civilização fria, sem alma, individualista, sem profundidade de relações e até mesmo sem outros contactos que não sejam os da «realidade virtual».
Reparemos como atualmente o consumo e o dinheiro estão a desumanizar a vida e a escravizar o ser humano. Está instalada uma febre consumista que leva tudo na frente, promovendo estilos de vida com fins exclusivamente materialistas, trabalhar para juntar e poder comprar, trabalhar para ter sempre mais isto ou aquilo, trabalhar para se poder viajar e usufruir de coisas e mais coisas, todo o tipo de sensações e prazeres que nos dizem serem inadiáveis. Nem reparamos como esta forma de viver nos está a tornar superficiais, isolados, egoístas, desumanizados. As famílias mal convivem durante a semana. Marcar uma festa é o cabo dos trabalhos. Conviver com os amigos, por vezes, é uma experiência fugaz e sem aprofundamento, ou então com todo tipo de evasões e excessos. O essencial, que é o ter tempo para si e para os outros, para a família, para as relações humanas e seu enriquecimento, o estar com os outros com dedicação e sem pressa, o saborear o tempo com a arte e a beleza, o encontro, com a música, está-nos a passar ao lado e não é de estranhar que sejamos uma sociedade deprimida, desequilibrada, exausta, consumista, superficialmente feliz, desencantada e por vezes até desesperada e só.
A partir do momento que se quebrou a relação com Deus e em parte com os outros, ou com a comunidade se quisermos, deixámos de trilhar o caminho da esperança. São João Paulo II afirmou-o de forma clara: “Quando o domingo perde o significado original e se reduz a puro fim de semana, pode acontecer que o homem permaneça cerrado num horizonte tão restrito, que não mais lhe permite ver o céu”. Ou seja, viver sem esperança. O Papa Francisco corrobora: “Algumas sociedades secularizadas perderam o sentido cristão do domingo iluminado pela Eucaristia. Isto é uma lástima”. E sabiamente sentencia: “Sem Cristo somos condenados a ser dominados pelo cansaço do cotidiano, com suas preocupações, e pelo temor do amanhã. O encontro dominical com o Senhor nos fortalece para viver o hoje com confiança e coragem e seguir adiante com esperança.”
Um bom exercício para este Jubileu da Esperança que vamos celebrar neste ano de 2025 é levantarmos a voz na defesa do valor e do significado do domingo e valores que lhe estão subjacentes, ajudarmos aqueles que nos são próximos a redescobrirem a importância e o encanto da relação com Deus, cuidar da celebração da Eucaristia ao domingo, reforçar e enriquecer a vida das comunidades, dar mais tempo para estar com os outros ao domingo, acompanhar de forma mais próxima doentes, famílias, crianças e jovens, até imigrantes ou refugiados, testemunhar a fé nos nossos ambientes sociais com coerência e alegria. Nada de novo, é verdade, mas penso que a esperança não vive de chavões nem de modas.