Octávio Carmo, Agência ECCLESIA
Não é um propósito, não pode ser uma promessa, é um facto: depois deste domingo, nada fica como dantes. Os habitantes de um interior cada vez mais esquecido, principalmente os pobres e idosos, descobriram-se ainda mais isolados e desprotegidos do que se poderia imaginar, entregues aos seus próprios recursos, diria mesmo insultados. Os que morreram e os que ficaram sem futuro.
Recordo-me muitas vezes de uma pequena história “autárquica” que pude testemunhar: alguém construiu parte da sua casa usando para seu benefício alguns metros de um terreno do vizinho, perante a complacência do presidente da Câmara. Motivo: o vizinho não votava ali, mas na cidade.
Não sendo propriamente uma grande história, retrata bem aquilo que fui aprendendo como filho de uma pequena freguesia da parte esquecida da Madeira: as câmaras só se preocupam com as freguesias grandes; os partidos só se preocupam com as câmaras grandes; os governos só se preocupam com as cidades grandes. Onde estão os eleitores. Tudo o resto é hipocrisia e demagogia que o tempo de encarrega de desmascarar, implacavelmente.
Recordo neste momento o “basta” de D. Jorge Ortiga e o apelo de D. Manuel Clemente para que se previna “realmente”. É tempo de parar de jogar à “roleta russa” com a vida das pessoas e a floresta. Não basta dizer que está tudo preparado para o combate aos incêndios quando se percebe que, afinal, estaria tudo pronto desde que não houvesse fogos. Um detalhe.
A Conferência Episcopal Portuguesa publicou a 27 abril deste ano a nota pastoral ‘Cuidar da casa comum – prevenir e evitar os incêndios’, onde alertava atempadamente para o “flagelo” dos incêndios e pedia a toda a sociedade uma mobilização para contrariar um fenómeno de proporções quase incontroláveis. Agora, cairia o “quase”, perante as evidências.
Os últimos meses, infelizmente, deixaram novo rasto de destruição e muito trabalho por fazer, no futuro. Se os líderes políticos não são capazes de um pacto de regime para travar esta tragédia, não podemos confiar neles para coisa alguma. E, também aí, nada ficará como dantes.
Octávio Carmo