P. José Cortes, Missionário do Verbo Divino / Amazónia
– Vocês são de onde?
– Somos aqui do assentamento do Munguba, mas de outra vila que fica no outro ramal.
Fiz esta pergunta durante a festa de Santa Luzia do Munguba a uma família que se encontrava na capela e eu nunca tinha visto. É fácil, em comunidades pequenas, notar pessoas que não costumam participar da comunidade.
Era festa de Santa Luzia e também dia de primeira comunhão de um pequeno grupo de crianças e adolescentes. A celebração foi simples e bonita, com uma merenda no final para todos os participantes.
Durante a partilha do bolo a família aproximou-se de mim. Três senhoras, um senhor e uma criança.
– Padre, na verdade viemos aqui porque lá no ramal tem muita criança por batizar. Olhe, esta minha netinha tem oito anos e ainda não foi batizada. Como vamos fazer para o senhor ir lá no ramal e batizar todo o mundo?
– Bom, aqui no assentamento do Munguba visito duas comunidades. Podemos pensar realizar os batizados aqui, depois de uma preparação. No vosso ramal nunca teve uma capela?
– Teve lá uma capela de São José. Caiu, só está lá o lugar cheio de mato. Por favor, padre, venha fazer um mutirão de batismos no nosso ramal.
– Tá, em janeiro visito o vosso ramal e combinamos o que fazer.
Consegui chegar na vila sem me enganar nos diversos ramais. A família estava esperando e o almoço sendo providenciado. Fui conversando com a família.
Acreditava eu que iriam marcar uma visita formal para iniciarmos uma nova comunidade católica. A conversa foi fluindo e de novo:
– Padre como fazemos para acontecer aqui um mutirão de batizados? As crianças por aqui são todas “pagoas”.
– Bem, em primeiro lugar, preciso que reúna os pais das crianças numa outra reunião, para conversarmos e organizarmos os batizados. Para isso temos que iniciar uma preparação com os pais e os padrinhos e fazer uma preparação com as crianças maiores, em idade de catequese.
-Tudo isso?
-Sim, não posso vir aqui sem mais e batizar todo o mundo. Temos que organizar uma comunidade cristã.
– Se é assim vou falar com os pais das crianças e marcar uma reunião aqui com o senhor. Fica combinado. Vamos ver onde era a capela?
O lugar da antiga capela estava tomado pela vegetação e não havia vestígio algum do antigo templo.
Ao regressarmos notei, a uns cem metros da casa da família, um barracão que me chamou a atenção.
– Parece uma igreja
– É padre, é uma Assembleia de Deus.
– Funciona?
– O pastor vem aqui celebrar o culto. Está muito desprezada esta igreja.
Convidado para a mesa almoçamos e continuamos a conversa. Num certo momento o tema foi a criança ali presente que queriam batizar. O bisavô cheio de orgulho falou.
– Esta minha filha – a criança foi criada pelo bisavô – lê cantando.
– Ah, tu cantas?
– Sim, mas só hinos de igreja.
– Hinos de igreja? Perguntei.
Uns segundos de silêncio.
– Padre, a gente tem que participar dalguma igreja. Como só tem aqui a Assembleia, as famílias da vila participam na Assembleia que o senhor viu.
– Bom, acredito que deveriam batizar na igreja onde participam…
Depois deste breve constrangimento despedi-me, agradeci a hospitalidade e combinamos agendar uma reunião com os casais interessados em batizar seus filhos. Como será, não sei…
– Maria, na próxima visita quero que tu cantes uns hinos para animar a reunião. Combinado?
– Sim, vou treinar para cantar bonito.
Devo lembrar que a Assembleia de Deus não batiza crianças e na cultura amazônica existe a convicção de que criança não batizada continua um bichinho: “Só vira gente, de verdade, quando é batizada.”
P. José Cortes
Missionário do Verbo Divino / Amazónia
Em Parceiria com a Missão PRESS (mensalmente no dia 24)