A revista Lusitania Sacra apresenta-nos no tomo XVI da sua 2ª série o panorama das figuras e do pensamento ligados às “mutações religiosas na época contemporânea”. Como é referido na apresentação do volume, são aqui publicados trabalhos de investigação e intervenções realizadas no âmbito do seminário de História Religiosa Contemporânea, promovido pelo Centro de Estudos de História Religiosa (CEHR). Este número da revista apresenta contribuições para uma melhor compreensão das alterações do campo religioso, nas vertentes culturais e mentais, sem descurar aspectos institucionais. A aproximação a esta realidade é feita, sobretudo, através de figuras e formas de pensamento que definem um arco cronológico e temático, desde a implantação do liberalismo ao processo de democratização da sociedade portuguesa. O tomo integra, nesse sentido, colaborações que destacam duas conjunturas com impacto acentuado na organização de comportamentos dos católicos: por um lado, a extinção das Ordens Religiosas masculinas, em 1834, apresentando dinâmicas socio-culturais daí resultantes; por outro lado, o processo de dissensão política gerada por sectores católicos no seu relacionamento com o Estado Novo, no período do marcelismo (1968-74) – o caso do Rato, apresentado desde fontes dos arquivos policiais, ajuda a compreender a acção de contestação política. No artigo de João Miguel Almeida “A oposição católica ao marcelismo” são analisadas as relações entre a Santa Sé, o episcopado português, o governo do Estado Novo e a oposição católica durante este período histórico. É discutida a operacionalidade de conceitos como “oposição católica” e “católicos progressistas”, pensados à luz dos condicionalismos da guerra colonial e das correntes ideológicas e teológicas dos anos 60 e 70. Entre estes dois pólos cronológicos, é apresentado um longo percurso de transformação e problematização religiosa no país. Aqui encontramos a conceptualização liberal da religião, a partir do jornal “Astro da Lusitânia”; o impacto da reformulação doutrinal nos casos do padre José Sousa Amado; as repercussões do pensamento do Dominicano francês Lacordaire; a divulgação do pensamento de Leão XIII em Portugal e a divulgação da encíclica Rerum Novarum. Eduardo Cordeiro Gonçalves apresenta uma das figuras destas “mutações religiosas na época contemporânea”. No artigo “O Conde de Samodães e o discurso conciliador entre catolicismo e liberalismo político” somos colocados perante a tentativa de relançar o movimento católico em Portugal, em 1870, com uma acção e influência que se prolongam até à república. O Conde de Samodães era líder de um grupo de católicos que procuraram, com êxito, separar os objectivos políticos dos objectivos religiosos, abrindo um espaço próprio na questão político-religiosa e afirmando-se como um dos mais significativos defensores do discurso conciliador entre catolicismo e liberalismo político. Uma outra conjuntura apreciada neste volume da Lusitania Sacra diz respeito ao final da Monarquia Consititucional e à Primeira República, que correspondeu a um período de grande agitação e de várias expectativas quanto à relação da Igreja com a sociedade. A problemática, com uma componente política muito forte, fica atestada nos estudos sobre Jacinto Cândido e o Partido Nacionalista e sobre o pensamento do padre Martins Capela. A Igreja Católica descobriu e potenciou novas sociabilidades nesta relação com o mundo contemporâneo. A revista destaca, neste âmbito, as iniciativas em torno da juventude: a introdução do Escutismo em Portugal e o impacto da dinâmica religiosa de Taizé apresentam duas experiências cruciais que permitem traçar características relevantes de como o universo juvenil se expressou no terreno do religioso. O tomo aborda dois tópicos – a missionação e o anticlericalismo – a partir das figuras de D. António Barroso e da Companhia de Jesus, apontando para persistências, a nível da relação entre religião e tecido social, quer na sua realização, quer nas tensões que a determinam. A emergência de um certo grau de pluralidade confessional merece destaque neste volume, com a apresentação de perspectivas de investigação sobre o Protestantismo e sobre novas componentes de “sociabilidades de sentido” – dando como exemplo o universo das Artes Marciais. Em questão, temos novas formas de significação existencial que disputam o terreno da religiosidade tradicional, num cenário de concorrência, autonomia, liberdades e novos protagonismos. A Lusitania Sacra surgiu em 1956 como órgão do Centro de Estudos de História Eclesiástica, tendo sido publicados 10 volumes até 1978. Com a integração do Centro, agora CEHR, na Faculdade de Teologia, em 1984, iniciou-se nova série da revista, em 1989. Actualmente procura-se que Lusitania Sacra tenha uma unidade temática ou cronológica no conteúdo de cada volume. A revista preenche um campo único na Historiografia portuguesa.