«Como te poderemos chamar por outro nome, a ti que estás para lá de tudo? Que hino te poderemos cantar? Não há palavras que te possam expressar… O desejo universal, o gemido de todos, aspira por ti.»
S. Gregório de Nazianzo, no séc. IV, canta assim os mistérios de Deus e fala deste desejo universal, deste gemido que junta todo o universo e toda a humanidade numa só sede de Deus (1). Toda a humanidade se volta para Deus num mesmo gesto de contemplação e louvor. Somos chamados a formar um Corpo, a nos reunirmos em Igreja, a sermos parte de um Povo que caminha para Deus. Esta certeza deveria iluminar a nossa procura e o nosso ponto de vista nas questões mais concretas do mundo. Nada nos é indiferente pois tudo nos diz respeito: o que quer que seja infligido a um irmão do outro lado do mundo, é a Cristo que se atinge e a nós também, enquanto membros do seu corpo.
«Para lá das grandes diferenças culturais que podem criar barreiras entre os continentes, todos os seres humanos formam uma só família» (2)
Os teólogos e as vontades humanas não foram sempre bem sucedidos a encontrar um caminho de comunhão para as diferentes confissões do cristianismo. Mas haverá certamente outros campos em que é possível avançar numa vivência ecuménica posta em prática: a vivência do amor fraterno, a oração, a reflexão bíblica, a partilha de vida, as ciências e as artes podem e devem ser “laboratórios” naturais do ecumenismo.
A linguagem universal da música
Há características que diferenciam as culturas e os povos, mas haverá expressão mais universal do que a música? A música está presente em todas as culturas do mundo e será por isso a mais democrática das artes. No cristianismo, durante séculos as diferentes confissões foram construindo a sua história desenvolvendo estéticas próprias. A tradição ortodoxa desenvolveu a sua música litúrgica em eslavão e em grego, a igreja do ocidente usava o latim. Com a reforma, as igrejas reformadas introduziram as línguas vernáculas com vista a facilitar a compreensão dos textos litúrgicos por parte dos fiéis. Este foi um gesto pioneiro que só séculos mais tarde foi adoptado pela igreja católica romana. Não se pode falar de música sem se referir o grande Johann Sebastian Bach. Bach e outros compositores seus contemporâneos introduziram nas celebrações dominicais a forma da Cantata, que incluía árias para cantores solistas, recitativos e corais (entoados por toda a assembleia) [3]. A escrita dos corais veio romper com a música da pré-reforma que, apesar de muito bela, tinha ganho uma complexidade e virtuosismo excessivos aos olhos destes compositores da igreja reformada. Nos corais de Bach, os textos sagrados ganharam um novo destaque e os fiéis podiam compreender o que cantavam e o que era cantado. Esta importância dada à Palavra é princípio transversalmente inspirador para todas as confissões do cristianismo. Este aspecto serve aqui de exemplo para ilustrar a importância de se estar aberto ao que outras tradições têm para ensinar: a história tem-nos vindo a revelar que ninguém pode considerar que domina todo o conhecimento e que nada tem a aprender com o dos outros.
Pequenos gestos de encontro
Nos últimos anos em Portugal têm sido gravados alguns álbuns de música litúrgica, o que parece ser um grande passo para uma maior qualidade musical das celebrações – enquanto utensílio para uma aprendizagem mais rigorosa e eficaz da música, garante uma maior uniformidade entre as versões cantadas nas diferentes comunidades eclesiais e paroquiais. Está em fase de produção o segundo CD Ecuménico (4) que reúne música litúrgica de quatro confissões cristãs (Igreja católica romana, lusitana, metodista e presbiteriana). A letra das músicas é o português e este projecto promovido pelo Grupo Ecuménico Juvenil reuniu jovens do norte e do sul do país, vindos das comunidades cristãs representadas no CD. Este projecto corrobora a universalidade da música enquanto ponto de encontro entre as diversas tradições cristãs e é composto por músicas que poderão ser integradas por qualquer uma das confissões nas suas celebrações. Porque em Deus todos podemos cantar e falar a mesma língua.
Rui Aleixo