Música e património

Afectação de monumentos religiosos a novos usos, nomeadamente na área cultural, como alternativa ao abandono Num momento em que se levantam grandes dúvidas quanto à possibilidade da abertura e até da manutenção de muitos dos nossos monumentos religiosos, a afectação a novos usos, nomeadamente na área cultural, parece ser uma alternativa a contemplar. Só na diocese de Beja existe mais de uma centena de edifícios, entre igrejas, capelas e ermidas, já sem utilização permanente, que permanecem encerrados durante praticamente todo o ano. O Departamento do Património Histórico e Artístico (DPHA) tem vindo a inventariar e a acompanhar regularmente estes imóveis, dispersos tanto pelos centros históricos de cidades e vilas da região como pelas áreas rurais. A realização do Festival Terras sem Sombra tem permitido chamar a atenção para alguns destes imóveis, na continuidade de outras medidas, como a criação de percursos de visita e de sistemas de abertura com horário regular, pondo em realce quer nos seus valores arquitectónicos e artísticos, quer as suas notáveis condições acústicas. A igreja matriz de Santiago do Cacém, pertencente ao Estado e classificada como Monumento Nacional desde 1910, constitui um dos casos paradigmáticos da parceria estabelecida por várias instituições para salvar um património em risco. Alvo de atentados bombistas antes e depois da proclamação da República, esteve sujeita a ser demolida, em 1922, para ampliação do cemitério que lhe fica contíguo. Uma nova classificação salvou-a quando já estavam a ser tomadas as primeiras providências para a derrubar. Algumas décadas mais tarde, a falta de segurança impôs que permanecesse sempre fechada aos visitantes, fora do horário do culto, o que viria a agravar velhos problemas de conservação. A partir de 1993, por iniciativa da Diocese, desenvolveram-se campanhas sistemáticas de restauro que se prolongam até hoje, prosseguindo o investimento todos os anos. Em 2002 instalou-se no seu interior, com o apoio do Estado e do Município, um museu de arte sacra. Na actualidade é um dos monumentos mais visitados do Baixo Alentejo. História Segundo a tradição, a primeira igreja a ser erguida em Santiago após a Reconquista ficava no interior do castelo, onde existiu uma mesquita. Ao tomarem a terra de Cacém à volta de 1217, os monges-guerreiros espatários deram-lhe a invocação do patrono, juntando-lhe mais tarde o topónimo árabe. O antigo templo tornou-se exíguo quando a vila extravasou os limites da cerca amuralhada, o que levou à construção do actual edifício no primeiro terço do século XIV, sob os auspícios da princesa bizantina D. Vataça, neta do imperador Teodoro 11 Lascaris. Esta nobre senhora dotou-o de preciosas relíquias, como os fragmentos do Santo Lenho trazidos de Niceia, e encomendou o retábulo de Santiago combatendo os Mouros, obra-prima da escultura do tempo de D. Dinis, atribuída a Telo Garcia. Embora tendo sofrido diversas campanhas de obras de vulto (em 1530, em 1704 e, principalmente, entre 1796 e 1830, na sequência do terramoto de 1755), a igreja conserva o essencial da sua fábrica gótica, com três naves separadas por pilares de secção octogonal. Desapareceu o portal principal, mas permaneceu um dos portais laterais – a Porta do Sol –, de arco ogival com arquivoltas reentrantes. Ao longo dos capitéis e impostas corre densa carga ornamental vegetalista e zoomórfica a que corresponde, no interior do monumento, a decoração que guarnece os capitéis e anima o perfil das arcadas em ogiva, com a introdução de figuras humanas, reflectindo a dominância naturalista da arte da época. O corpo da capela-mor, enquadrado por duas capelas e iluminado por esguias frestas, define uma cabeceira escalonada e apresenta no exterior, de cada lado, um arcosólio. Esta solução construtiva é pouco comum no Sul do país. O uso de pilares octogonais e a peculiar morfologia da cabeceira conferem à matriz de Santiago do Cacém um lugar próprio na austera arquitectura das ordens militares que atingiu a sua culminação durante os finais do reinado do Lavrador, quando se transfiguraram quase totalmente as tipologias herdadas do período da Reconquista. A poderosa Colegiada que funcionou no templo até 1834, formada por um prior – que acumulava o cargo pastoral com a função de juiz da Ordem –, seis beneficiados e um prioste, todos freires espatários, teve decisiva influência na vida da povoação, assim como as importantes confrarias e irmandades agrupadas em seu tomo. Estas instituições geraram um vasto e diversificado património artístico, patente ao público no Tesouro que está instalado no próprio monumento. Através de uma parceria da Câmara Municipal de Santiago do Cacém e do Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja com o Governo Regional da Galiza, a igreja matriz vai receber, entre Julho e Outubro deste ano, a exposição “Caminhando sob as Estrelas – Santiago e a Peregrinação a Compostela”, primeiro evento à escala internacional que promete ser um dos grandes atractivos do Verão deste ano na região.

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Agência ECCLESIA

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