Mudar de vida

Francisco Sarsfield Cabral

Muitos portugueses já devem ter reparado numa novidade trazida por este Governo: não esconde as dificuldades, não pinta de cor-de-rosa a situação financeira, não ilude as pessoas.

O primeiro-ministro referiu que outras tormentas nos aguardam. E, perante a perplexidade de um deputado socialista e ex-governante, o novo ministro das Finanças disse tranquilamente que estamos em recessão e assim estaremos ainda por algum tempo – o que toda a gente sabe, a começar pelas entidades internacionais, mas jamais o anterior Governo seria capaz de assumir, com a desculpa de criar expectativas positivas (o que acabava por ser contraproducente, quando as pessoas percebiam o irrealismo governamental). É uma mudança radical de discurso, essencial para ganhar credibilidade nos mercados que nos emprestam dinheiro e para restaurar a confiança dos cidadãos nos políticos.

A estratégia do novo primeiro-ministro é clara e foi largamente anunciada antes e depois das eleições. Trata-se de dar prioridade absoluta ao cumprimento dos compromissos assumidos com a “troika”, indo até um pouco mais além, para obter uma folga de segurança.

Daí o novo imposto extraordinário, equivalente a metade do subsídio de Natal acima do salário mínimo nacional – medida que não estava no Programa de Governo, mas foi precipitada pela revelação do Instituto Nacional de Estatística de que, afinal, a execução orçamental estava a correr pior do que (como era seu hábito) proclamara o anterior.

Passos Coelho contrariou, é certo, uma anterior afirmação sua, a de que, se fosse precisa mais receita fiscal iria buscá-la aos impostos sobre o consumo. Mas deu um sinal de determinação e de capacidade de reação rápida. Este imposto extraordinário (não se repetirá nos próximos anos, diz o Governo) até é socialmente menos injusto do que uma forte subida do IVA, pois abrange todos os rendimentos (e não apenas os do trabalho) e poupa dois terços dos pensionistas, além de muitos trabalhadores.

Foi anunciado um Programa Social de Emergência, que bem preciso é, dado o alastrar da pobreza, decorrente do crescente desemprego e das restrições aos apoios sociais que vêm de trás. Promete–se uma convergência com as Mutualidades, as Misericórdias e as IPSS, importante quando, até aqui, muitas vezes prevaleceu a concorrência hostil do Estado às organizações privadas. Relevante, também, é a preocupação manifestada pelo Governo com a nossa baixíssima taxa de natalidade, assim como a intenção de apoiar mais as famílias.

Claro que, agora no Governo, o PSD e o CDS têm de atacar a sério a despesa do Estado, incluindo a do chamado “Estado paralelo” (fundações, institutos, empresas municipais, etc.). Resta saber se os novos governantes terão coragem e força política suficientes para fazerem frente às clientelas partidárias, que largamente têm beneficiado desse “Estado paralelo”, e às corporações e “lobbies” que têm vindo a ganhar poder em Portugal.

O Programa do Governo revela algum cariz liberal na economia – algo de saudar, num país tão agarrado à sombra protetora do Estado e onde a promiscuidade entre política e negócios se banalizou. O novo executivo tem de mostrar, por exemplo, que será capaz de aumentar a concorrência na economia portuguesa, o que exige reguladores mais eficazes e menos complacentes com os inúmeros monopólios ou duopólios “de facto” que por aí existem.

O grande desafio deste Governo é, reduzindo o défice das contas do Estado para as metas a que o país se comprometeu, relançar o crescimento económico. O que não pode acontecer já, naturalmente, mas terá de ser uma realidade a prazo, sob pena de não sermos capazes de pagar a nossa dívida externa. É a tarefa mais difícil, mais complicada ainda do que colocar em ordem as contas públicas. Exigirá reformas a sério, algumas delas já esboçadas no memorando acordado por PS, PSD e CDS com a “troika”. Oxalá sejam os novos governantes capazes de impulsionar decisivamente a mudança de vida de que Portugal necessita.

Francisco Sarsfield Cabral, jornalista

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