A Diocese da Guarda irá receber no próximo dia 16 de Janeiro o novo Bispo Coadjutor D. Manuel da Rocha Felício, numa cerimónia marcada para as 16h00, na Sé Catedral. Em entrevista à ECCLESIA, o prelado fala do que espera da sua nova missão
Ecclesia – Como recebeu a nomeação? D. Manuel Felício – Recebi a nomeação com serenidade, sabendo que é um mundo, em parte, de onde eu já venho porque a minha diocese é vizinha, que colabora em muito com a Diocese da Guarda. Aliás, alguns serviços de que eu era responsável em Viseu também eram serviços da Diocese da Guarda. Recebi com serenidade e tranquilidade, na certeza porém que é um desafio grande ajudar uma nova diocese. E – Ajuda o facto de ter sido auxiliar durante dois anos em Lisboa? MF – Sem dúvida! Estou convencido que este estágio de dois anos me vai ajudar no meu serviço. E – Como se aprende a ser Bispo? MF – O Bispo aprende, primeiramente, com os padres que estão mais directamente a colaborar com ele. Há uma corresponsabilização, da procura de novos caminhos partilhada por todos, onde cada um dá o melhor da sua criatividade e do seu empenho. Encontrei em Lisboa padres maravilhosos e aprendi muito também com o diálogo com o Cardeal-Patriarca, o Bispo desta diocese. É um homem metido dentro dos problemas da Igreja e dos problemas da sociedade e que como ninguém, sabe fazer o entrosamento de uma presença da Igreja num mundo social que tem mil dificuldades e mil problemas. E – Ser nomeado Coadjutor significa que é um Bispo que vai estar com outro bispo… MF – Trabalhar na mesma diocese com D. António Santos dá-me uma alegria muito grande, porque somos amigos de longa data: eu sendo responsável pela formação em Viseu à frente de um instituto que também servia a Diocese da Guarda, colaboramos muito um com o outro, ele fez o favor de ter sempre um grande apreço pela minha pessoa, talvez até mais do que eu merecia, e eu também tive sempre um grande apreço por ele. Não é por acaso que ele foi um dos Bispos que eu convidei para ser consagrante na minha ordenação episcopal. Por todas as razões eu estou muito contente por ir colaborar com ele. É certo que ele agora passa por uma crise de saúde com a sua gravidade. Mas espero que Deus lhe devolva a saúde e nós sejamos dois Bispos a trabalhar, cada um a pôr ao serviço da Diocese, do presbitério e das instituições os seus conhecimentos e as suas capacidades. E era isto que, neste momento, a Guarda pecisava. E – Como espera encontrará a Diocese MF – Vou ver! É certo que já dialoguei com pessoas que conheço, que reuni alguns dados, mas estou sobretudo com esta disponibilidade de ir, observar, ver com os intervenientes nos processos como é que as coisas estão a evoluir. Certamente que há já algumas decisões, ou opções que estão mais ou menos “cozinhadas” e será necessário dar-lhe o “empurrão” final para elas tomarem corpo. De momento, eu vou com essa disposição: conversar com os que estão no terreno, conhecer sobretudo os padres, saber que responsabilidades têm, como se sentem nessas responsabilidades, como se está a gerir a multiplicação de responsabilidades paroquiais (onde há 170 padres para 365 paróquias, um padre tem que ter muitas paróquias). Quando um padre tem 4 ou 5 paróquias (sei que há quem tenha 6) irei averiguar a população que existe, o quadro e volume de serviço que isso envolve e, com os órgãos próprios da Diocese (que está organizada), tomar as decisões que a realidade impõe. Com certeza e na medida em que a saúde o permitir, procurarei sempre que as decisões sejam tomadas com D. António dos Santos. Quando as circunstâncias não permitirem que participe em todo o processo da decisão, levar-lhe-ei sempre as decisões em primeiro lugar. E – Está em causa uma reorganização administrativa da diocese? MF – É muito difícil entrar numa organização administrativa. Extinguir uma paróquias poderia ser razão para cair o Carmo e Trindade: são tradições que existem, são formas da vida social ser organizada… Não é isso que está em causa. O que está em causa é dialogar com os sacerdotes, ver qual a carga de trabalho que eles têm, como é que se poderia fazer melhor com a mesma disponibilidade em agentes, que outros agentes poderiam completar os sacerdotes. Por exemplo, neste momento, a Guarda ainda não tem Diáconos Permanentes. Irei ver, dialogar com as pessoas, para ver em que medida é que se justifica avançar por esse caminho. E outros ministérios que possam ser valorizados: o de leitor e acólito, que nós ainda não temos instituídos em Portugal a não ser na caminhada para o ministério sacerdotal, ver em que medida poderão ter o seu lugar. E ministérios que não são instituídos, mas que são serviços em colaborar na vida da Igreja. Há ordens religiosas a trabalhar, e muito empenhada… E – Que espera fazer para aproveita o potencial da Serra da Estrela? MF – Em relação à Serra e as potencialidades que terá, isso são campos ainda por explorar. Sem dúvida, a Serra da Estrela e todo esse maciço central da serra destina-se a ser um lugar de muita procura. Basta ver quando surgem dois dias com neve, as pessoas fogem para lá… e nenhuma estrada resiste… Isso envolve que os poderes públicos dêem conta que aquele lugar tem uma vocação, uma vocação social importante, que não é só de turismo: as pessoas têm necessidade do reencontro com a natureza. Na Serra da Estrela acontece, de facto, esse reencontro. Aí, a colaboração da Igreja tem um apalavra a dizer. Já há algumas referências: vamos à Serra e encontramos a Senhora dos Pastores, encontramos inclusivamente um espaço religioso na Torre, ligado a instalações militares, que eu não sei como está neste momento. Isto significa que estes lugares, por si mesmo, atraem e são uma oportunidade dada às pessoas que procuram estes lugares para completarem a vida. Quem vive em grandes cidades, a vida adquire demasiada artificialidade. E nós queríamos devolver às pessoas todo o bem-estar conjunto das suas vidas. Por isso, o aproveitamento da Serra da Estrela, nas mais variadas valências que ela tem, incluindo o aspecto da contemplação e da relação com Deus é também um ponto a ter em conta no futuro. E – As aldeias históricas começam a caracterizar a região da Guarda. Elas são apenas produtos turísticos? MF – Eu pessoalmente desejava que fossem mais. Em Sortelha, por exemplo: sentimo-nos lá bem! Sentimos que é um mundo acolhedor, bem preparado que, valorizando a tradição daquela terra, cria condições que atraem, deixam boa disposição… a própria muralha, as casas respeitadas na sua traça original, o Castelo preservado, aquele lugar central onde as pessoas se encontram, a igreja com o seu granito a impor-se! Desejo que isto não seja apenas para turista ver! Antes que se possam criar condições para que as pessoas tenham ali a sua casa, tenham ali o seu modo de vida agradável. Claro que temos que considerar um problema: muitos destes meios não têm condições para fixar ali as pessoas, terem fontes de rendimento para organizar a sua vida e viverem lá. Em muitos lugares será possível, pelo desenvolvimento do turismo, pela valorização das tradições locais e do património cultural das terras (o artesanato, por exemplo). E – São locais que recuperam traços originais da história, que noutros tempos tinham muito de religioso. Hoje, ele esquecido? MF – Não é! Em Sortelha, por exemplo, não é. Tem a igreja paroquial, bem conservada. O elemento religioso muito presente. Precisamos é que ele não apenas evoque o passado, mas seja apresentado de forma a entusiasmar pessoas que visitam a vivê-lo. Pessoas que nas cidades não têm tempo para nada, podem passar 3, 4 dias nestas aldeias, descansam e fazem o seu encontro com Deus, através dos elementos que ali estão, onde as igrejas são os elementos mais evidentes, mas há cruzeiros e outras imagens. E – A Guarda será cada vez mais uma diocese onde acontece a mobilidade de pessoas externa e interna? MF – A mobilidade está, de facto, em curso. Nestas terras, a mobilidade é dos pequenos centros para os grandes centros. As cidades, as vilas, crescem; as aldeias não. Há também um fluxo migratório para aquela região, pelo menos durante algum tempo: o maciço da serra é um destino natural das pessoas (só espero é que os acessos sejam cada vez melhores!) Mas não é só a Serra: as aldeias históricas, o Vale do Côa… Espero que haja atenção dos poderes públicos para que as pessoas possam ir e possam usufruir dos valores que lá existam. As pessoas irão ainda sair. Mas espero que saiam por pouco tempo e, refeita a sua vida, a sua economia, possam regressar aos seus lugares, valorizá-los, melhorá-los, porque temos que tornar as nossas terras apetecidas! E – É a favor ou contra as portagens na A23? MF – Não sou político ou economista. Não sei como se hão-de gerir as despesas do país, garantindo as receitas… Se é indispensável ir buscar como receitas as portagens da A23 ou se podemos ir buscar receitas a outro lado, é um assunto sobre o qual eu não posso tomar decisão. Os políticos que o façam e nós estamos cá para os julgar, no lugar próprio, de acordo com as decisões que tomarem. E – O que leva de novo para a Diocese? MF – As coisas novas hão-de brotar da Diocese. Se calhar já lá estão. A mim compete-me apenas ajudar a discernir quais são as novidades que vamos introduzir nos nossos programas pastorais.
