Padre Tony Neves, conselheiro geral dos Espiritanos, fez visita de duas semanas ao país lusófono, relatando clima de incerteza e violência
Maputo, 27 dez 2024 (Ecclesia) – O padre Tony Neves, conselheiro geral dos Missionários Espiritanos, encerrou hoje uma visita de duas semanas e meia a Moçambique, referindo que “o caos está instalado” no país lusófono e que o povo está “desesperado”.
“Há muita pilhagem, há muita morte à solta, é o caos instalado”, disse à Agência ECCLESIA o missionário português, em visita a Moçambique desde o último dia 10, para acompanhar a atividade dos religiosos da sua congregação.
“O povo está desesperado, o país não está desenvolvido, os senhores do sistema enriqueceram de uma forma absolutamente inadmissível”, indica o responsável católico.
No seu relato, o padre Tony Neves destaca que a população “perdeu o medo, saiu à rua e enfrentou aquilo que consideram ser mais umas eleições completamente fraudulentas”.
O Conselho Constitucional de Moçambique proclamou na tarde de segunda-feira Daniel Chapo, candidato apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, no poder), como vencedor da eleição a Presidente da República, com 65,17% dos votos, sucedendo no cargo a Filipe Nyusi, bem como a vitória da Frelimo, que manteve a maioria parlamentar, nas eleições gerais de 9 de outubro.
Após esta divulgação, indica o padre Tony Neves, o país entrou “em colapso, as estradas foram barradas”, as pessoas começaram “a exercer violência sobre bens e pessoas mais ligadas à Frelimo, o governo que sempre foi omnipotente desde a independência” de Moçambique.
“Estamos a falar de 49 anos de governo absolutamente intocável”, apontou o conselheiro geral dos Missionários Espiritanos
Pelo menos 134 pessoas morreram desde segunda-feira nas manifestações pós-eleitorais em Moçambique, elevando a 261 o total de óbitos desde 21 de outubro, e 573 baleados, segundo balanço divulgado hoje pela plataforma eleitoral Decide.
Segundo o missionário português, “os governantes desapareceram, até dizem que muitos estarão fora do país, a polícia não intervém, o exército não intervém”.
“Neste momento, quem está a tomar conta do país é o povo”, sublinhou o padre Tony Neves.
O religioso fala numa situação “dramática”, da qual “grupos de delinquentes se aproveitam”.
“Fazem muitas pilhagens e rebentaram com lojas e com tudo que é administração”, refere.
Após passar por várias cidades, o responsável diz que que a capital, Maputo, “deve ser o sítio onde se está melhor”, apesar de ser verem “muitos pneus queimados e muitos sinais de destruição”.
Na cidade de Nampula, indica, manifestantes tentaram entrar no paço episcopal e atacar a casa dos Espiritanos.
“Não há autoridade nenhuma, a polícia desapareceu, o exército não existe, o povo é que manda”, insiste o entrevistado.
O padre Tony Neves entende que as manifestações surgem como forma de contestação a um regime durante o qual o povo “empobreceu tremendamente”.
“As bolsas de pobreza são bem visíveis nos bairros das cidades”, aponta.
O missionário admite que, neste contexto, “as casas religiosas são alvos muito fáceis para os bandidos”.
“Primeiro, porque estão desprotegidas; segundo, porque são sítios onde ainda podem encontrar um bocadinho de farinha, podem encontrar um bocadinho de arroz, podem encontrar um frigorífico com alguma carne”, finalizou.
O secretariado português da Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS) informou hoje que edifícios da Arquidiocese de Nampula, contíguos ao Paço Episcopal, foram invadidos, vandalizados e danificados por manifestantes em protesto, entre 24 e 25 de dezembro.
Uma missão com religiosas brasileiras, em Micane, no distrito de Moma, foi também atacada.
LFS/OC
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