Arcebispo de Nampula e presidente da Conferência Episcopal do país africano diz que moçambicanos são «pouco acompanhados pela comunidade internacional» e que guerra e violência persiste sem respostas para população

Lisboa, 12 set 2025 (Ecclesia) – D. Inácio Saúre, arcebispo de Nampula e presidente da Conferência Episcopal de Moçambique (CEM), disse hoje que a “estabilização social pós-eleitoral” pode ser uma “bomba ao retartador” e que a aparente tranquilidade não o deixa “tranquilo”.
“É uma estabilização que não nos deixa muito tranquilos porque não sabemos se é uma bomba ao retardador. As causas profundas deste mal-estar ainda estão resolvidas; acalmou um pouco mas de um momento para o outro, nunca se sabe se isso pode voltar a rebentar”, explicou à Agência ECCLESIA.
O responsável recorda “a verdade eleitoral que não foi demonstrada”, a “situação de mal-estar provocado pelo sofrimento e a pobreza extrema”, a “guerra em Cabo Delgado, iniciada em 2017 sem desfecho”, a “juventude sem sonhos” como causas de uma situação ainda não resolvida que, no seu entender, pode contrariar a aparente estabilidade.
Em 23 de dezembro de 2024, o Conselho Constitucional de Moçambique proclamou Daniel Chapo, candidato da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) – partido no poder desde a independência do país, em 1975 –, como o vencedor da eleição para Presidente da República, com 65,17% dos votos, nas eleições gerais de 9 de outubro.
Esse processo eleitoral foi criticado por observadores internacionais, que apontaram várias irregularidades, e gerou violência e protestos nas ruas.
Daniel Chapo tomou posse no início do ano e Venâncio Mondlane, indicado como segundo vencedor nas eleições, aceitou integrar o Conselho do Estado, previsto na Constituição da República Moçambicana.
O presidente lançou a iniciativa ‘diálogo político inclusivo’, um processo que se vai estender por dois anos, que pretende envolver plataformas da sociedade civil, movimentos de cidadania, confissões religiosas e setores da vida privada.
Não sei se isto poderá ajudar, de facto, a um diálogo inclusivo, sincero, que procura encontrar as causas mais profundas deste grande mal-estar de Moçambique”, reconhece.
O presidente da CEM diz que há o desejo de fazer de Moçambique uma “aldeia sem lei” e que a ocupação de terrenos e a construção de uma mesquita em locais pertencentes à Igreja católica é sinal disso.
“Nós temos documentos bem claros neste terreno. Estão dois seminários, uma parte tinha um muro de vedação e tudo isto foi derrubado. Construir uma mesquita mesmo em frente daquele seminário, no nosso terreno, e os que construíram não têm a mínima dúvida que aquilo pertence à igreja, e com toda a obstinação dizem que nunca vão deixar o local e que podem morrer ali. O que é isto? O que é isto? Eu vejo isto tudo no conjunto desta grande crise moçambicana”, explica.
D. Inácio Saúre refere-se ainda à difícil situação que os deslocados internos e os migrantes vivem, sem respostas que os possam ajudar, resultado de violência e guerra.
Quando a guerra começou em Cabo Delgado e as pessoas começaram a fugir, para Nampula, havia muitos apoios, porque eram considerados numa situação de emergência. Infelizmente, neste momento, essas pessoas já não são mais consideradas pessoas em situação de emergência, são moçambicanos que saíram de um lugar para fora para viver para o outro – que é um direito todo moçambicano de viver onde quer. Estão abandonados assim. Encontram-se numa situação de extrema dificuldade, fome, doenças, estamos a acompanhar um fenómeno muito estranho, de desmaios de muita gente, muitas meninas com epilepsias, e não há absolutamente nenhuma assistência, nenhuma assistência”, lamenta.
Sem respostas e sem soluções, D. Inácio Saúre diz que as pessoas “estão a sofrer” e que os moçambicanos se sentem “pouco acompanhados pela comunidade internacional”.
A participar no XVI Encontro de Bispos dos Países Lusófonos, que termina hoje em Lisboa, o presidente da CEM afirma a importância de “tornar mais fortes as relações entre Igrejas”, procurando viver a “sinodalidade” entre bispos.
O comunicado final do encontro manifestou a “profunda solidariedade e apoio” dos participantes para com o povo de Cabo Delgado (Moçambique), “desde 2017 vítima de bárbaros atos de violência, destruição e morte”.
“Exortamos de novo a comunidade internacional a contribuir para uma efetiva situação de paz em Cabo Delgado”, assinalam os responsáveis católicos.
A conversa com D. Inácio Saúre pode ser acompanhada no programa ECCLESIA, emitido sábado, na Antena 1, pelas 06h00.
LS/OC