Moçambique: D. Diamantino Antunes desafia responsáveis políticos a superar «interesses partidários» e alerta para crise persistente em Cabo Delgado

Missionário português, bispo de Tete desde 2019, fala da sua experiência de 25 anos no país

Foto: RR/Miguel Rato

Lisboa, 18 out 2024 (Ecclesia) – D. Diamantino Antunes, bispo da Diocese de Tete, em Moçambique, pediu aos responsáveis políticos do país que superem os “interesses partidários”, alertando ainda para a crise que persiste em Cabo Delgado.

“Os grandes desafios passam por saber ter uma visão de futuro e não governar apenas pensando naquilo que são os interesses partidários ou de grupo. No fundo, ter uma visão do país no seu conjunto, inclusiva, pensar em todos e servir o povo”, refere o responsável católico, convidado da entrevista semanal conjunta Ecclesia/Renascença.

O religioso português comenta as recentes eleições gerais em Moçambique, considerando que “a democracia, infelizmente, está mais no papel do que na prática”.

“As eleições, em vez de serem um momento de reflexão, de decisão, de construir futuro, são momentos de tensão e abalam, digamos assim, a convivência nacional”, lamenta, falando em “falta de transparência e de cumprimento das regras”.

D. Diamantino Antunes realça as dúvidas sobre a contagem de votos, com “suspeitas –  reais, ou talvez aumentadas – de que há enchimento de urnas, que os resultados não são verdadeiros, são alterados, adulterados”.

“Nós temos regiões e províncias de Moçambique muito ricas em recursos naturais, mas onde o desenvolvimento humano, de facto, está muito atrasado”, acrescenta.

O bispo de Tete convida a manter o olhar sobre o norte do país, na província de Cabo Delgado, onde a insurgência terrorista “tem causado muito sofrimento”, com 5 mil mortos e milhares de deslocados internos, nos últimos sete anos.

“É evidente que as atenções do mundo não estão viradas para aquele contexto social, bélico, estão viradas para outros lugares, sobretudo na Ucrânia e Médio Oriente”, adverte o responsável.

A ajuda humanitária, refere, “diminuiu bastante”, mas a Igreja, “através de diversas instituições e organismos, tem tido também um papel muito importante no acolhimento”.

“As pessoas estão a viver situações muito difíceis, muito precárias”, refere D. Diamantino Antunes.

O bispo português chegou a Tete pouco depois da passagem do ciclone Idai, há cinco anos, realçando que “aquilo que acontecia no litoral de Moçambique, de 10 em 10 anos, de 20 em 20 anos, agora já se está a tornar quase anual, e não apenas na zona litoral.

“Se chove pouco, ou se chove fora do tempo, de facto há fome”, regista.

Com mais de 25 anos como missionário em Moçambique, primeiro como sacerdote, agora como bispo, o entrevistado sublinha que “na Igreja não há fronteiras”.

“Se a Igreja de Moçambique tem algo de ensinar ou partilhar, e tem, é uma experiência de uma Igreja jovem, uma Igreja ministerial, laical”, observa D. Diamantino Antunes.

“Sobretudo a alegria de ser cristão e o compromisso e deixar para trás aquela visão de que a igreja é dos outros, é do padre, é do bispo, e sobretudo assumir mais o seu compromisso batismal, ser Igreja, porque a Igreja, como o Papa nos repetiu aqui, em Portugal, é de todos e é para todos”, acrescenta.

A frase bíblica ‘Ide e convidai a todos para o banquete’, da parábola evangélica do banquete nupcial do Evangelho de São Mateus (Mt 22, 9), dá tema à mensagem do Papa para o 98.º Dia Mundial das Missões, que se celebra hoje.

Para D. Diamantino Antunes, “a vocação própria do batizado é ser missionário, ser testemunha, ser empenhado”.

“A missão é de todos, é para todos”, insiste.

A celebração deste Dia Mundial, no Vaticano, fica marcada pela canonização de 14 beatos da Igreja Católica, entre eles o padre José Allamano, fundador do Instituto dos Missionários da Consolata, a que pertence D. Diamantino Antunes.

“Para mim, foi um grande missionário, não saindo do seu país, mas tendo o coração aberto à missão da Igreja”, indica.

Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)

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