Moçambique: Bispo de Pemba denuncia agravamento da violência em Cabo Delgado e apela a apoio internacional

D. António Juliasse fala em situação dramática, com dezenas de milhares de deslocados nos últimos meses

Foto: AIS

Pemba, Moçambique, 26 out 2025 (Ecclesia) – O bispo de Pemba alertou para o agravamento da violência em Cabo Delgado, norte de Moçambique, afirmando que a situação humanitária permanece “dramática”, com “novas ondas de deslocados, mortes e muitas igrejas destruídas”.

“Nunca cessou: o conflito de Cabo Delgado tem oito anos, oito anos ininterruptos”, sublinhou D. António Juliasse, em entrevista conjunta à Renascença e à Agência ECCLESIA, emitida e publicada este domingo.

O bispo moçambicano assinalou que “os números são dramáticos”, precisando que nos meses de setembro e outubro foram registados “novos 70 mil, alguns dados falam já de 90 mil deslocados”, que se juntam aos que “vivem há dois, três anos fora das suas aldeias, em reassentamentos com poucas condições”.

“Apelo para que não se esqueçam de Cabo Delgado e desta situação humanitária que cá passamos, porque sem ajuda internacional não podemos ter uma grande resposta”, declarou.

O também presidente da Comissão Justiça e Paz da Conferência Episcopal de Moçambique considerou que “faltam respostas coordenadas, a nível nacional e internacional”, para travar o terrorismo que assola Cabo Delgado.

O responsável católico adverte que a diminuição da atenção mediática internacional está longe de corresponder a “uma diminuição do problema”.

Segundo D. António Juliasse, entre junho e outubro deste ano registaram-se “ataques intensos e dispersos em toda a província de Cabo Delgado, provocando nova onda de deslocados, mortes e muitas igrejas destruídas, para além de várias outras infraestruturas”.

A violência religiosa causou mais de 5 mil mortos e mais de um milhão de deslocados nos últimos cinco anos na zona de Cabo Delgado, em Moçambique, de acordo com o Relatório da Liberdade Religiosa no Mundo 2025, divulgado esta terça-feira pela Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS).

O bispo de Pemba refere que os grupos armados “têm vindo a aprimorar cada vez mais as suas estratégias e técnicas de violência” e reiterou que as causas do conflito são múltiplas, combinando “elementos religiosos e também económicos e sociais”.

“A pobreza, a falta de oportunidades para a juventude e até a falta de sonhos colocam os jovens vulneráveis para aceitarem qualquer tipo de aliciamento”, afirmou, indicando que “a ideologia extremista jihadista mobiliza bastante os jovens dos círculos islâmicos extremistas”.

D. António Juliasse alertou ainda para a retração das organizações humanitárias por motivos de insegurança. “Muitas organizações não estão a operar em zonas muito tensas, por falta de segurança, e estão a tentar mudar a sua estratégia”.

O responsável assinalou que “os recursos começam a escassear, porque o conflito de Cabo Delgado, não sendo muito falado a nível internacional, provocadesinteresse em financiar as organizações humanitárias”.

Questionado sobre o papel da Igreja local, o bispo sublinhou que a Diocese de Pemba continua a ser “um sinal de esperança” para o povo moçambicano: “A figura de um pastor, de um missionário faz quase concreta esta presença de Deus que não os abandona”.

O prelado manifestou gratidão pelo acompanhamento do Papa Francisco e do Papa Leão XIV à situação em Cabo Delgado, tanto com apelos desde o Vaticano como através de ajuda concreta aos deslocados, incluindo a construção de “dois hospitais”.

D. António Juliasse observou que “esta violência tem ligações internacionais, pelo que o seu combate não pode ser só adstrito às forças armadas locais”.

O presidente da Comissão Justiça e Paz da Conferência Episcopal de Moçambique sustentou que “falta uma resposta mais coordenada ao nível nacional e também uma resposta internacional”.

Para estancar o terrorismo em Cabo Delgado há dois aspetos importantes: o investimento para que a província tenha mais possibilidade de gerar emprego e o apoio internacional ao Estado moçambicano, para compreender e combater melhor o fenómeno.”

Sobre a recente ‘Cartilha Política para o Diálogo Nacional’, lançada pela Igreja Católica moçambicana, D. António Juliasse considerou-a um instrumento para “mobilizar os cristãos e as pessoas de boa vontade” e colocar “numa linguagem simples” os princípios da doutrina social da Igreja face aos desafios políticos.

O bispo de Pemba comentou igualmente o contexto político de Moçambique, um ano após as eleições gerais, marcadas por momentos de tensão.

“O país ficou pacificado, mas não voltou à situação de antes. Há uma consciência crítica muito grande e um clima tenso. As pessoas estão muito atentas e exigentes”, referiu.

Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)

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