Moçambique: Bispo de Nacala apela à solidariedade e relata destruição provocada pela passagem do ciclone Jude

«Provavelmente, nesses próximos meses, vamos ter fome, haverá fome», alerta D. Alberto Vera Arejula

Nampula, Moçambique, 11 mar 2025 (Ecclesia) – O bispo de Nacala, no norte de Moçambique, alertou hoje para a destruição de casas e colheitas, estradas, eletricidade e telemóveis/telefones, devido à passagem do ciclone tropical Jude, esta segunda-feira, pelo distrito de Mossuril, “o centro da diocese”.

“De todas as missões que tenho, das 24/25 missões, 19 estão fora de Nacala, recebi fotografias, quem mais sofreu foi o povo, o povo simples e pobre, as casas de barro, 50, 60 por cento, quase todas caíram. Ao chover e com ventania muito forte, a água bate as paredes de barro, e, pouco a pouco, caíram. Em algumas aldeias, 60, outras, em 70, em outras, em 30”, disse D. Alberto Vera Arejula, esta terça-feira, 11 de março, em declarações à Agência ECCLESIA.

Esta segunda-feira, o ciclone Jude passou pela Diocese de Nacala, na província de Nampula, no norte de Moçambique, segundo o bispo diocesano, “entrou pelo distrito de Mossuril, que está no meio”, e foi “um ciclone um pouco estranho, em forma de furacão”, e ao longo de “12 horas, as árvores, a ventania, a chuva, era muito, muito forte, ventos de quase 150 quilómetros por hora”.

“As comunicações que tenho com os missionários, os padres que estão nas paróquias, é que temos muitas pessoas refugiadas na igreja, ou em centros paroquiais, ou centros de formação, e estão tentando assistir um pouco a essas famílias, porque ficaram sem nada. A água destruiu a sua casa e a pouca comida que tinha”, explicou o responsável diocesano natural de Espanha.

D. Alberto Vera Arejula explicou que “as casas de barro são as que mais sofreram”, enquanto a Estrada Nacional Número 1, “em diferentes lugares, está cortada”, o rio Monapo saiu do leito e “já não se vê” a ponte ao passar por Namialo, a comunicação com Nampula cortada, e, “na zona de Nacala Velha para Memba, há outra ponte cortada”.

“Eu vi o Rio Monapo com um caudal que é impressionante, nunca chegou a tanto. Ainda não há comunicação, as linhas de telemóvel, de telefones, estão cortadas, está cortada a eletricidade, ninguém me falou de mortos, mas de escolas destruídas, capelas e igrejas sem teto, centros de saúde sem teto, muitos edifícios, tanto civis como religiosos, públicos e privados, ficaram danificados, escolas, hospitais”, desenvolveu.

Foto: Diocese de Nacala

Em Nacala, o responsável diocesano viu “muitas casas de vizinhos” caídas, “casas de barro”, no Bairro Triângulo, onde vive, “muitas pessoas pobres também pediram socorro durante a noite”, e no bairro Ontupaia as Irmãs Vicentinas também “recolheram muitas famílias”.

“As pessoas, mais ou menos, estão preparadas, só que quando te cai uma árvore em cima é difícil estar preparado”, observou D. Alberto Vera Arejula, que explicou que acolher e dar alimentação são as principais formas de apoio da Igreja Católica.

Para o bispo de Nacala, “outro fator muito triste” é a destruição das colheitas, e conta que, este ano, “as chuvas caíram mais ou menos bem, a colheita de amendoim foi boa, muitos ainda estavam a recolher, a colheita de milho veio muito boa, o milho estava crescido” e estavam já “a comer maçaroca”, mas “o ciclone Jude tirou tudo”.

“O povo que confia em milho principalmente como base de alimentação, provavelmente nesses próximos meses vamos ter fome, haverá fome. URGENTE, o que estamos precisando, neste momento, são alimentos, porque a colheita se estragou, e vai haver fome.”

O ciclone Jude, que “entrou com uma força terrível, sobretudo com chuvas torrenciais, por isso, a maioria dos rios estão transbordando”, é o terceiro ciclone a passar por Moçambique em quatro meses, após o Chido, em dezembro de 2024, que entrou pelo norte, “mais para a zona de Cabo Delgado, na Diocese de Pemba”, e o Dikeledi, que “entrou diretamente por Mossuril, o centro-centro” da Diocese de Nacala, em janeiro.

“Na Cáritas já estávamos com um projeto para aliviar um pouco o que nos deixou, o ciclone Chido, mas, chega-nos este, e aquilo que estava começando a arranjar, outra vez se estragou”, lamentou D. Alberto Vera Arejula.

CB/OC

 

Foto: Rogério Maduca, em Vatican News (arquivo)

D. Alberto Vera Arejula foi nomeado bispo de Nacala, a 25 de abril de 2018, e antes foi bispo-auxiliar de Xai-Xai, nomeado a 30 de março de 2015.

“Ser bispo é difícil. Não só pela situação social e política e económica que vivemos no norte de Moçambique, mas também pela extrema pobreza que vemos. Também porque, às vezes, encontram-se muitas limitações, e, ao mesmo tempo, que se encontra muitas limitações, a Igreja desejaria caminhar para frente”, disse à Agência ECCLESIA.

O bispo, de origem espanhola, explica que, “às vezes, com os padres” dão “três passos para a frente e dois passos para trás”, quando estão a caminhar e têm “projetos de desenvolvimento, e parece que algo começa a desenvolver-se”, de repente vem um ciclone, ou a Covid-19, “ou o que aconteceu nas eleições de outubro, com todas as manifestações de novembro e dezembro, que o país ficou quase paralisado social e economicamente”.

“Nunca podemos perder a esperança de seguir em frente, mas ao mesmo tempo há momentos de desânimo, porque a gente sente que não caminhamos, que estamos um pouco estancados. E, claro, a gente vê uma juventude tão numerosa e tão forte, metade da população tem menos de 17 anos, em Moçambique, de 34 a 36 milhões, há 15 a 16 milhões que têm menos de 17 anos. A partir dos 15, que é quando começam a trabalhar, e 40 ou 50 anos, também há um grupo de 10 milhões que todo mundo busca trabalho, busca algum biscate, busca alguma coisa”, desenvolveu.

O bispo de Nacala assinala que a “falta de formação, uma educação académica” também dificulta muito, porque “muitos jovens são analfabetos, e lamenta quando se ouve alguém dizer que “tem sete filhos, e nenhum já foi à escola”, com “os mais pequenos, pelo menos, em idade escolar”.

“No final temos um bolo, um grupo de mulheres que serão 60% ou 70 analfabetas, e 40 ou 50% de homens analfabetos, e quando é hora de fazer algo, podes apanhar uma enxada, podes apanhar uma ferramenta, mas outras coisas que são iniciativas de invenção, de empreendedorismo, ficam bloqueadas as pessoas”, exemplificou.

Ainda no âmbito da juventude, D. Alberto Vera Arejula dá o exemplo da “propaganda” na televisão para que as meninas “não tenham filhos até aos 18 anos”, mas, quando visita as comunidades da diocese, encontra “meninas com 14, 15 anos, que já estão com o seu bebé, e essas são limitações que se encontram”.

Ao mesmo tempo, as grandes alegrias de ser bispo aqui são a simplicidade, o acolhimento, a confiança que se vê no povo moçambicano é esplêndido, no sentido de abertura, no sentido de acolhimento. É um povo muito simples, mas, ao mesmo tempo, com muita dessa simplicidade, talvez, excessivamente bondoso, excessivamente no sentido de confiar em tudo. São alegrias também muito grandes”.

D. Alberto Vera Arejula conta que quando mais disfruta é nas visitas ao povo rural, “pois, dá a impressão de que quando veem um bispo estão vendo algum extraterrestre, não sei, algo especial”, as crianças, os jovens, todos acorrem, as reuniões com os líderes, “sejam católicos, sejam muçulmanos, dá gosto escutar e partilhar com eles”, e as celebrações são alegres, festivas.

“Depois você vê a pobreza, vê o difícil que é sair dessa situação, a morte que está muito próxima, e que se vê com muita frequência, em crianças, em jovens, isso também dói”, concluiu o bispo de Nacala.

D. Alberto Vera Arejula tem 67 anos, nasceu a 8 abril de 1957, em Aguilar del Río Alhama, Espanha, e é missionário da Ordem de Nossa Senhora das Mercês (O. de M.); foi ordenado sacerdote no dia 22 agosto de 1981.

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