Missão dita e ouvida

 

A rádio mantém todo o seu fascínio de meio portátil de comunicação social. Houve quem pensasse que a chegada da televisão lhe assinaria a certidão de óbito. Não foi assim. Depois vieram todos os multimédia, desde os computadores aos mp3 e ipods. Tiraram alguma audiência, mas a rádio manteve-se firme e, por este andar, está para durar.

A Igreja, desde há muito tempo, fez da Rádio um grande espaço de Missão. E mantém-se nesta frente. Que o digam a Rádio Renascença e outras emissoras católicas espalhadas pelo mundo. O papel da Rádio na Evangelização pode ser muito importante. O povo mantém aceso o fascínio de ouvir notícias, música, desporto, animação. É um media relativamente barato, fácil de produzir e eficiente.

Depois dos 40 anos, todos nos sentimos com autoridade para evocar a história. É verdade que cresci num tempo em que a televisão só ocupava um pequeno espaço na sala de jantar e os computadores, mp3 e ipods ainda não tinham chegado à cabeça dos inventores. Por isso, a maior riqueza que se podia ter era um rádio, cuja gestão era cuidadosamente acompanhada pelos superiores dos seminários, onde entrei aos 12 anos.

Mas foi em Angola que percebi melhor a força das mensagens veiculadas pela Rádio. Em contextos de guerra e de falta de liberdade de expressão, uma emissora de rádio torna-se numa arma letal para a democracia e para a paz. Os beligerantes sabiam que a maioria absoluta da população só conseguia ouvir rádio e, por isso, apostaram tudo na manipulação das notícias, puxando as pessoas para o seu lado da trincheira ideológica. Muito ódio se espalhou, muita morte se gerou, muita violência se instituiu. E foi nesse contexto de guerra que a Igreja católica quis restaurar a Rádio Ecclesia, silenciada pelo governo de Luanda no seu período mais radical de partido único, no final dos anos 70. A Igreja católica percebeu que a sua voz era decisiva para formar e informar com verdade, em nome da reconciliação, da justiça e da paz. Mas só em 1997 conseguiu que a sua voz se escutasse em Luanda e, até hoje, não tem autorização do governo para estender o sinal a todo o país. Em 2005, na Universidade católica, em Luanda, pude participar no Congresso comemorativo dos 50 anos da Rádio Ecclesia e fui lá dizer, diante do Ministro da Comunicação Social, que calar a Igreja era um enorme prejuízo para o povo e para uma comunicação social de qualidade e defendi que uma Rádio Católica desempenha uma grande responsabilidade social.

Hoje divido-me entre alguém que edita e produz conteúdos para programas (entrevistas, depoimentos, comentários) e um simples ouvinte das muitas emissoras que se escutam em Portugal. ‘Ser voz’ para os outros e ‘ser ouvidos’ dos outros é ter a oportunidade de estar nos dois lados da trincheira radiofónica. Devo até confessar que ouço mais rádio do que vejo televisão, leio jornais ou navego na Internet (embora todos os dias faça de tudo um pouco). E continuo a achar que a Igreja deve abrir portas em todas as frentes radiofónicas para propor a sua mensagem de justiça e paz. Se o Evangelho é uma boa notícia, todos os meios são poucos para a divulgar com qualidade. E a Rádio, directa e simples, é um espaço precioso para que a Missão passe por ali e chegue ao coração de todos. Concordo que abrir na RDP um espaço para as Religiões é um serviço público que se presta a Portugal. Com as potencialidades de difusão que a RDP tem, a voz da Igreja poderá ir mais longe e mais fundo, com propostas de valores que só aceita quem quer, mas abrirá um debate sobre o sentido da vida e da história.

Tony Neves, Jornalista

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