Minimalismo Digital para um Essencialismo Espiritual

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

A ecologia e a tecnologia foram dois dos focos principais das Jornadas Mundiais da Juventude no Panamá. A notícia na Ecclesia sobre o assunto termina com uma iniciativa digital “Follow JC Go”, uma app inspirada na experiência do “Pokémon Go.” Aí tive um sentimento misto de deslumbre e assombro.

No início de fevereiro será lançado um livro de um professor de computação da Universidade de Georgetown, Cal Newport, sobre a filosofia de um novo estilo de vida, o Minimalismo Digital.

A ideia é a de que a qualidade de vida tem diminuído nos últimos tempos pela adopção excessiva de novas tecnologias que consomem mais do nosso tempo do que seria suposto. Para resolver este problema, Newport propõe reduzir radicalmente o tempo que gastamos a olhar para os écrans, focando a nossa atenção sobre um reduzido número de actividades digitais que apoiem apenas aquilo que valorizamos na vida e, tranquilamente, ignorar tudo o resto.

Será que uma app como o “Follow JC Go” se enquadra neste reduzido número de actividades?

 

Entre o deslumbre e o assombro

Os ecos são muito positivos. O custo do “Follow JC Go” financiado por patrocinadores e doadores privados ascende o meio milhão de dólares, envolveu 43 designers, teólogos, especialistas bíblicos, historiadores da Igreja e engenheiros, dedicando 32 000 horas desde Agosto de 2016 à sua construção. Também no Sínodo dos jovens foi expresso o desejo que estes têm de ser mais activos em levar o Evangelho à tecnologia, divertindo-se, aprendendo e evangelizando através destes canais. Ricardo Grzona, director executivo da Fundação Ramon Pane que promoveu a criação desta app disse que ”tudo hoje, linguagem e relações, entre os jovens, passa através dos smartphones. Nós quisemos estar lá e propor-lhes um video-jogo educativo, religioso e interactivo, e com o qual podem formar equipas de evangelização.”

O Papa Francisco ficou deslumbrado, compreendeu a ideia de combinar a tecnologia e a evangelização, e apoiou-a. No início, também fiquei deslumbrado. Sem dúvida que colectar santos pode chamar a atenção para alguns que desconhecemos, ou devoções Marianas, e figuras bíblicas, apanhando coisas como água, comida e espiritualidade para a “sobrevivência virtual.” Mas não corremos o risco de alguma banalização destas realidades? Comecei a sentir algum assombro, e apesar de compreender também a ideia, questionei-me se este é ou não um caminho evangelizador.

 

Levar Jesus aos outros

Evangelizar é levar Jesus aos outros. O facto desta App levar os jovens a manifestar exteriormente, como acontece no Pokémon Go, a busca pelas realidades espirituais implica andarem pela rua a falar delas. Será que o fazem?

Sozinhos é difícil porque a ideologia a-religiosa remeteu as coisas espirituais de tal modo para o foro pessoal que assumir a identidade cristã é, para muitos, motivo de uma certa timidez. Isso significa que esta App será usada mais em equipa, em conjunto, e juntos os jovens encontram mais força para manifestar publicamente as suas convicções.

Mas o facto de ser um jogo que mantém os jovens a olhar para o écran, em vez de olhar à sua volta e conhecer as necessidades da cidade ou bairro onde vivem, leva-me a duvidar do potencial evangelizador de uma App como esta.

Fiz a experiência e falei dela aos meus filhos. Uns ficaram dispostos a experimentar, mas a mais nova quis logo instalar o jogo e divertiu-se. Quem sabe se as minhas dúvidas não têm fundamento.

Por outro lado, levar Jesus aos outros implicar, em primeiro lugar, acolher Jesus dentro. Também parece que existe uma App para isso: “Click to Pray.”

 

Acolher Jesus dentro

Na praça de S. Pedro, o Papa Francisco diz aos peregrinos que ”a internet e redes sociais são um recurso do nosso tempo. Um modo de nos mantermos em contacto uns com os outros, de partilhar valores e projectos, e expressar o desejo de formar uma comunidade.” Uma app como a “Click to pray” seria um modo de rezar como comunidade digital e fazê-lo juntos.

No âmbito do minimalismo digital não se pretende eliminar a tecnologia da vida das pessoas, mas reduzir o seu efeito ao que é essencial e produz mudanças positivas na qualidade de vida. Creio que apps como o “Follow JC Go” e, sobretudo, o “Click To Pray” podem fazer parte das interacções mínimas digitais que trazem valor à nossa vida.

Mas um dos desafios que o minimalismo digital chama a atenção é o da crescente incapacidade de valorizar os momentos de solidão positiva em que gastamos tempo com os nossos pensamentos, em vez de “vegetar” em frente a um écran. Nesses momentos de solidão positiva procuramos dar sentido à informação que dispomos, e reflectir sobre o seu significado, desembaraçando os nós da complexidade da vida emaranhados no nosso cérebro.

Estes momentos são essenciais para o nosso caminho espiritual como nos aponta o Papa Francisco na sua Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate depois de referir como a vida é uma missão,

”Isto não implica menosprezar os momentos de quietude, solidão e silêncio diante de Deus. Antes pelo contrário! Com efeito, as novidades contínuas dos meios tecnológicos, o fascínio de viajar, as inúmeras ofertas de consumo, às vezes, não deixam espaços vazios onde ressoe a voz de Deus. Tudo se enche de palavras, prazeres epidérmicos e rumores a uma velocidade cada vez maior; aqui não reina a alegria, mas a insatisfação de quem não sabe para que vive. Então, como não reconhecer que precisamos de deter esta corrida febril para recuperar um espaço pessoal, às vezes doloroso mas sempre fecundo, onde se realize o diálogo sincero com Deus? Em certos momentos, deveremos encarar a verdade de nós mesmos, para a deixar invadir pelo Senhor; e isto nem sempre se consegue, se a pessoa «não se vê à beira do abismo da tentação mais opressiva, se não sente a vertigem do precipício do abandono mais desesperado, se não se encontra absolutamente só, no cume da solidão mais radical» (Carlos Martini, As Confissões de Pedro, p. 69). Assim, encontramos as grandes motivações que nos impelem a viver, em profundidade, as nossas tarefas.” (Papa Francisco, Gaudete et Exultate, 29)

 

O essencial

Enquanto estas apps nos ajudarem a viver em profundidade serão um instrumento de evangelização e aprofundamento espiritual. Sobretudo, a cada cristão cabe a responsabilidade de não banalizar o seu uso, ou reduzir o impulso cristão evangelizador a essas.

Não há nada que substitua os relacionamentos reais que levam tempo a construir, a oração pronunciada em comunidade, o encontro com os outros e falar de Deus no quotidiano, como se fosse a coisa mais natural deste mundo.

São a positividade de um essencialismo espiritual que expressa uma qualidade de vida plena e transmissível.

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Agência ECCLESIA

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