Muitos milhares de velas iluminarão a localidade de Torrão (Marco de Canaveses) e as três pontes de Entre-os-Rios durante a Procissão das Endoenças que se realizará na Quinta-Feira Santa. A Procissão das Endoenças realiza-se há pelo menos 300 anos, ligando as duas margens do troço final do Tâmega (confluência com o Douro), entre Torrão e a parte alta de Entre-os-Rios, num percurso que inclui a Ponte Duarte Pacheco. Antes da inauguração desta infra-estrutura, ocorrida em 1941, a procissão atravessava o Tâmega em barcos rabelos “iluminados com lanternas” e “lá havia o sermão das endoenças e o percurso da Via-Sacra até ao Calvário, na Capela de S. Sebastião” – disse à Agência ECCLESIA o Pe. Daniel Quintela, pároco desta localidade da diocese do Porto. Depois da eucaristia da Ceia do Senhor (Quinta-feira Santa) há um sermão e depois a procissão. No percurso, as pessoas colocam velas acesas nas margens daqueles rios, peitoris das janelas, fachadas, varandas e nas ruas medievais de Entre-os-Rios. “Este ano iremos distribuir mais de 40 mil velas” – realça o Pe. Daniel Quintela. E acrescenta: “faz-se um autêntico lago iluminado”. O efeito visual “é muito bonito e particular” que tem o acrescento dos desenhos e figuras iluminadas. A simbologia fluvial não desapareceu e os “barquinhos de fogo” realizam uma coreografia na confluência do Tâmega e do Douro. Outrora eram barcos rabelos mas, hoje, estes deram lugar às embarcações usadas por pescadores do sável. Esta terra duriense que vive a Quaresma “intensamente” espera também por um Centro Social. “Instalações que possam ajudar as pessoas a crescer na fé” – confessou. Gente que vive do trabalho diário mas “temos também muita imigração sazonal para Espanha”. A procissão das Endoenças sai ao princípio da noite de Quinta-feira Santa da Igreja Paroquial de Santa Clara do Torrão, parando no centro de Entre-os-Rios, para o “sermão do encontro” entre Cristo crucificado e Nossa Senhora das Dores, antes de seguir para o Calvário. Na tarde de Sexta-feira Santa – faz-se o percurso inverso, de regresso à Igreja da Santa Clara do Torrão. “Vem o esquife do Senhor morto” – afirma. Incorporam a procissão estandartes das Irmandades religiosas, “anjinhos”, figuras alegóricas, os andores do Senhor dos Passos e da Senhora das Dores. Actualmente, o Pe. Daniel Quintela quer dar “mais sentido à procissão” e coloca “frases bíblicas – em faixas – para ensinar as pessoas”. Na frente da procissão vão os Bombeiros e no final uma banda de música. Esta tradição – “apesar do folclore existente” – ainda atrai os habitantes e os turistas. “As pessoas não entram muito dentro da Igreja – embora esteja repleta na missa da Ceia do Senhor – mas a multidão espera cá fora pela procissão das Endoenças” – relatou o Pe. Daniel Quintela. Um sintoma “da religiosidade” desta gente. O silêncio e o respeito caminham com as pessoas neste percurso juntamente “as personagens bíblicas: apóstolos, Jesus, Sagrada Família, Moisés, David” – descreveu. Há cinco anos atrás, a tragédia de Entre-os-Rios dominou as notícias e deixou muitas lágrimas naquele povo. Foi uma Quaresma diferente mas hoje as pessoas já voltaram ao seu ritmo laboral. “Vem muita gente de fora e não existe um lugar onde se possa fazer uma celebração muito alargada” – lamenta. E avança: “temos é muitos altifalantes pelas ruas para as pessoas ouvirem o sermão”. No meio de tanta instabilidade e insegurança, “noto que as pessoas têm necessidade do religioso mas também reparo que têm pouca formação”. A religiosidade popular está “muito ligada a superstições e a promessas” – disse. Para as cumprir, muitas pessoas “vão descalças durante o percurso da procissão” – explicou o pároco. Nesta localidade e mesmo nas redondezas, a procissão das Endoenças é um “momento alto da religiosidade”. A história deixou marcas porque, em tempos idos, os párocos das redondezas “não celebravam nas suas paróquias e vinham aqui viver esta celebração”. E acentua: “celebrações que apelavam ao sentimento e os pregadores faziam as pessoas chorar”.