Migrações: Instituições no Patriarcado de Lisboa convidam a conhecer o «irmão estrangeiro» e «o desafio que enfrenta»

Ana Mansoa explica que contribuem para «uma Igreja mais cristã e, em consequência, para uma sociedade mais acolhedora e mais humana» quantos mais cristãos conhecerem a realidade, os «dados reais»

Foto: Patriarcado de Lisboa

Lisboa, 29 set 2025 (Ecclesia) – O Centro Padre Alves Correia (CEPAC), dos Missionário Espiritanos, e a Comunidade Vida e Paz (CVP), do Patriarcado de Lisboa, são duas instituições que apoiam migrantes, alertam para o “desconhecimento”, e destacam a importância de trabalhar em rede.

“Quando desconhecemos, temos tendência a ter medo, temos tendência a apoiar algumas narrativas defensivas ou que atacam o outro que é desconhecido. Nós acreditamos que quantos mais cristãos conhecerem verdadeiramente a realidade, conseguirem fundamentar em dados reais, dignos às suas convicções, estaremos todos a contribuir para uma Igreja verdadeiramente mais cristã e, em consequência, para uma sociedade mais acolhedora e mais humana”, disse a diretora-executiva do CEPAC, esta segunda-feira, 29 de setembro, em entrevista à Agência ECCLESIA.

Ana Mansoa afirma que uma das “grandes barreiras” à construção da esperança que já pedia o Papa Francisco “é o desconhecimento”, e realça que cada pessoa, “independentemente, da sua profissão, do seu domínio de vida”, tem a responsabilidade, enquanto cristão, “de ser fiel ao Evangelho em pequenas coisas”.

O presidente da direção da Comunidade Vida e Paz assinalou que o “Evangelho é muito mais do que ir à Missa, ou cumprir determinados preceitos”, e explicou que o Evangelho se vê em situações que ultrapassam “claramente as dimensões da religião”, como “quando estava nu, vestiste-me, quando estava doente foste visitar-me, quando estava preso foste…”, que é o move também esta instituição do Patriarcado de Lisboa.

“A Igreja está na sociedade e o objetivo é mudar a sociedade. É evidente, a questão dos migrantes, politicamente, é muito forte e dá-se a muitos aproveitamentos. Eu, pessoalmente, vejo dois pontos: Há uma posição muito extremista em que tudo é culpa dos imigrantes, e há outra, também extremista, também um bocadinho populista, que diz que não há efeito de virem centenas de pessoas para a sociedade em pouco tempo”, explicou Horácio Félix.

Ana Mansoa sublinhou que não se pode, “como dizia o Horácio, ser fiéis ao preceito, e, depois, recusar acolher um irmão estrangeiro”, ou recusar perceber qual é o desafio que ele enfrenta naquele momento, “antes de o criticar, antes de o julgar, e antes até de disseminar informações que são tantas vezes não-verdadeiras”.

O presidente da CVP observou que as pessoas que habitam as ruas da cidade “têm realidades diferenciadas e, geralmente, alguma complexidade”, e, no último ano, as pessoas migrantes “diminuíram para cerca de metade”.

“Esperamos conseguir contribuir para a resolução, tanto quanto é possível encontrar a solução para as necessidades destas pessoas. Por outro lado, sentimos que, nestes últimos tempos, muitos deles, devido à situação de estarem na rua mais fragilizados, também entraram por caminhos de dependência, que será mais difícil, depois, reencontrar o sentido de vida”, acrescentou o diácono permanente Horácio Félix.

A diretora-executiva do CEPAC explica que, “assim como a própria sociedade tem mudado”, quem chega a esta instituição sem fins lucrativos, criada pelos Espiritanos, em 1992, tem também mudado “as suas necessidades, mesmo o seu perfil social”.

“O último ano, os últimos meses, têm sido muito desafiantes para todos, para as pessoas que acompanhamos, para a equipa também, para os técnicos. E aquilo que nos chega é, infelizmente, cada vez mais desesperança. Encontramos cada vez mais famílias numa situação de extrema vulnerabilidade.”

Segundo Ana Mansoa, “é cada vez maior” o número de pessoas que acompanham no Centro Padre Alves Correia, que “infelizmente, assim como os portugueses, não conseguem fazer face a despesas de habitação”, e ter habitação digna, ou “dar acesso à educação”, e têm trabalho, “recebem o seu salário,  contribuem com os seus impostos”, por isso, no CEPAC têm investido na “promoção da saúde mental”, também das famílias.

“Às vezes, acredita-se que Portugal tem pessoas, um grande número, que entraram de forma ilegal. Aquilo que as atira na esmagadora maioria das vezes para a ilegalidade ou para a irregularidade é a morosidade na avaliação dos seus processos de pedidos de autorização de residência”, acrescentou a entrevistada, no Programa ECCLESIA, transmitido hoje na RTP2.

HM/CB/OC

O patriarca de Lisboa encontrou-se com várias instituições ligadas ao acolhimento e integração de pessoas migrantes na diocese, no dia 10 de setembro, “em resposta a um desafio” que essas organizações lançaram no Jubileu diocesano da Caridade, realizado na Universidade Católica Portuguesa em Lisboa, a 14 de março, e do qual resultou uma Carta de Compromisso, assinada por mais de 120 pessoas individuais e entidades, entregue em maio.

“Que se comprometem a concretizar nos seus contextos paroquiais, nos seus contextos de vida diárias, alguns princípios que achamos fundamentais no processo de integração das pessoas migrantes. Entregamos essa carta e uma série de compromissos, e saímos de lá com um desafio, precisamente, construir um dossiê que tem como objetivo ajudar no processo de discernimento e no processo de acolhimento de pessoas migrantes nas nossas comunidades”, explicou Ana Mansoa.

D. Rui Valério reuniu com o CEPAC, a Cáritas Diocesana de Lisboa, a Pastoral Social do Patriarcado de Lisboa, a CVP, o Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS Portugal), a Universidade Católica Portuguesa, o Centro Social 6 de Maio e a Fundação Solicitude, no Seminário dos Olivais.

“Somos todos os dias desafiados ou questionados quase sobre o propósito do nosso trabalho. Somos desafiados, muitas das instituições que estavam presentes naquela reunião também o afirmaram, dos desafios que vamos sentindo no dia-a-dia em transmitir a relevância do trabalho que nós fazemos, e em fazer compreender às pessoas que estão à nossa volta, parceiros, amigos, que, de facto, aquilo que fazemos não é mais do que concretizar o que Jesus faria, se fosse nosso contemporâneo”, referiu a diretora-executiva do CEPAC.

O presidente da Comunidade Vida e Paz assinala que as instituições acabam por se especializar em determinadas áreas, “e é bom que assim seja”, mas, depois, têm o funcionamento em rede e todos contribuem para “ajudar as pessoas”, segundo Ana Mansoa “o grande desafio de todas as instituições que trabalham na cidade de Lisboa” é conhecerem “melhor o trabalho que cada um faz” e aprenderem uns com os outros.

“E conseguirmos aumentar, catapultar, capitalizar o trabalho que todos fazemos em prol das pessoas, porque, no limite, sejam eles imigrantes ou portugueses, o que nos importa é a dignidade da vida humana”, realçou a responsável pelo Centro Padre Alves Correia.

“A rede pode ter uma forma institucional, mas, muitas vezes, funciona de forma, digamos, quase até de amizade. Relações institucionais menos formalizadas, mas que, de facto, têm todas em vista encontrar solução para a pessoa, porque, muitas vezes, o processo burocrático é lento e não responde em tempo útil à necessidade da pessoa”, acrescentou o diácono Horácio Félix da CVP.

O ‘Dossier Migrações para a Igreja de Lisboa’ apresenta-se como “um documento com informações relevantes sobre o tema das migrações, incluindo dados sobre o fenómeno na Diocese de Lisboa, que possa esclarecer e apoiar o trabalho dos agentes pastorais da diocese ou qualquer parte interessada”.

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