Migrações: Está a faltar o dever de «fraternidade e humanidade» no auxílio aos refugiados (c/áudio)

Maria Beatriz Rocha Trindade, investigadora e professora com largas décadas a olhar o fenómeno migratório, lamenta a criminalização da solidariedade e retrocesso civilizacional

Lisboa, 12 jul 2019 (Ecclesia) – A professora e investigadora sobre Migrações Maria Beatriz Rocha Trindade disse hoje que se está a faltar à “obrigatoriedade de humanidade, de fraternidade” com os refugiados, numa prática que deveria “ultrapassar as leis e decisões” nacionais.

“Os refugiados, o assunto é tomado pelas Nações Unidas depois de 1951, depois da II Grande Guerra Mundial, existe uma obrigatoriedade de humanidade, de fraternidade, de receber e de inserir, que ultrapassa as leis e as decisões do próprio país. Constitui uma obrigação, mas infelizmente assim não é na prática”, afirma a investigadora em entrevista à Agência ECCLESIA e à Renascença.

A acompanhar o fenómeno migratório há largas décadas, tendo fundado há 25 anos o Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais e autora de vasta bibliografia sobre o tema, a professora catedrática afirma a “criminalização da solidariedade” e o retrocesso civilizacional a que assistimos.

“Basta ver os nacionalismos que ganham suporte graças aos líderes desses movimentos que atacam justamente a receção, dizendo sempre que é em função da legalidade”, suporta.

Lamenta a investigadora que a “apetência” por Portugal como país de destino não corresponda, depois, ao acolhimento registado.

A socióloga e primeira antropóloga portuguesa destaca a ação “pioneira” da Igreja católica no auxílio aos emigrantes e às comunidades portuguesas na diáspora, “não de agora, mas desde sempre”, nas respostas que deu através das chamadas missões católicas, antecedendo até o papel do Estado.

“Eu acho que a Igreja é sempre um espaço de grande apoio mas são poucos os elementos para poder atender um público tão vasto”, indica.

A Igreja, diz, “não poderá fazer muito mais do que se esforça objetivamente por fazer, tentando dar apoio aos católicos e aos não católicos”.

“É um apoio aos humanos, é um apoio de solidariedade, de ouvir mais do que impor, e isto cada vez mais acho, que a atitude; é uma atitude de abertura e de diálogo, insisto, e não de exigência ou de imposição. Eu acho que é preciso também um olhar de justiça e não um permanente olhar de crítica, como é hábito ser feito muitas vezes”, afirma.

Em junho de 2012, em parceria com a atual diretora da Obra Católica Portuguesa de Migrações, Eugénia Quaresma, Maria Beatriz realizou um trabalho de investigação sobre os 50 anos deste serviço da Igreja católica.

“Apercebemo-nos que a Igreja sempre tinha procurado atender à mobilidade, desde a forma como interpretava e exprimia os conceitos, como se dirigia ao público-alvo para quem era realizada essa prática, às pessoas que deslocou, à forma como recebeu em Portugal, tentando integrar nos locais de origem os padres, das paróquias onde viviam os nossos emigrantes, todo um conjunto de práticas e interpretações que estiveram à frente do Estado”, sublinha.

A prática religiosa e a fé constituem para os emigrantes um “pilar” mas também uma “catálise de reencontros”.

“A fé é um pilar, mas também é uma catálise de reencontros, de reapropriação de tudo o que era seu, e que assim permanece como sendo seu, e por outro lado também é uma ponte de adaptação”, indica.

A investigadora e titular da Ordre National du Mérite, de França, com o grau de Chevalier, e da Grã-Cruz da Ordem da Instrução Pública, de Portugal, indica que o tempo e o espaço ajudam a analisar o fenómeno e a combater generalizações.

“A mobilidade que não pode ser traduzida por números mas que tem de ser olhada com um olhar de solidariedade, fraternidade, um olhar de homem para homem, de mulher para mulher, um olhar com uma certa compreensão que não se pode limitar unicamente à deslocação mas que tem de ser situada num contexto, naturalmente, económico e social, que produz essa mobilidade”, adverte.

Contra a generalização “que não corresponde à verdade”, Maria Beatriz Rocha Trindade esclarece que a emigração “de licenciados e formados” representa uma pequena parte no fenómeno português e que “muita mão-de-obra não qualificada” continua a sair.

Ainda sobre a importante reflexão e formação que a sociedade portuguesa necessita fazer no âmbito das migrações, a investigadora deu conta de um projeto apresentado à Unesco para uma Cátedra sobre Mobilidade e Direitos humanos, projeto este que viu anulado em janeiro deste ano.

Maria Beatriz Rocha Trindade destaca a importante formação que a sociedade portuguesa beneficiaria.

“Foi um projeto que nós construímos, com o propósito de modificar, tanto quanto possível, não tudo, mas os segmentos da sociedade em que pudéssemos atingir, e por algo que ninguém percebe não foi levado para a frente”, lamenta.

Ângela Roque (Renascença) e Lígia Silveira (Agência ECCLESIA)

LS

https://agencia.ecclesia.pt/portal/143591-2/

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