Tânia Moreira lamenta discursos que demonizam estrangeiros e levantam «muros», em vez de pontes
Setúbal, 02 jun 2024 (Ecclesia) – Tânia Moreira, coordenadora do Secretariado da Pastoral das Migrações de Setúbal, disse que as dificuldades nos processos de regularização de migrantes, em particular na Agência de Integração da Migração e Asilo (AIMA), estão “muito pior”.
“Há relatos de pessoas que estão há meses, há mais de um ano à espera de uma resposta, não conseguem estabelecer contacto com ninguém para esclarecer a situação, e simplesmente ficam penduradas, com as vidas penduradas”, lamentou a responsável, convidada da entrevista conjunta Ecclesia/Renascença, emitida e publicada aos domingos.
“O feedback que eu tenho do terreno é que a situação está muito, muito pior”, acrescentou.
Tânia Moreira precisa que as duas principais dificuldades identificadas são “a documentação e a habitação”, com “muitas famílias, de quatro pessoas, cinco pessoas, a viver num quarto”.
“As pessoas queixam-se que veem um anúncio, fazem um telefonema, a pessoa apercebe-se de um sotaque diferente, imediatamente o contacto é interrompido e já não dão essa oportunidade”, assinalou.
Questionada sobre se estamos na presença de casos de “xenofobia”, a entrevistada entende que é importante “chamar as coisas pelo nome”.
“Nalguns casos, só pode ser”, precisa, considerando que o país acolhe “melhor os ricos” e que “ninguém olha para os migrantes que vêm do norte como criminosos”.
“Se nós, como Igreja, não ajudarmos a dar resposta a estas questões; se as autarquias, se a sociedade em geral não dá resposta, as pessoas vão para onde?”, questiona.
Se trouxerem as pessoas sem terem condições, é óbvio que elas depois caem nessa marginalização, porque não há como conseguirem habitação de outra forma e noutras condições”.
A coordenadora do Secretariado da Pastoral das Migrações de Setúbal afirmou que, neste momento, “são mais os muros do que propriamente as pontes”.
A intenção de oração do Papa Francisco para o mês de junho convida a rezar por aqueles que fogem do seu país, denunciando os “fantasmas” dos muros que querem afastar os migrantes.
“O que mais me amedronta e o que mais me surpreende é como é que esses fantasmas também conseguem entrar dentro das nossas comunidades, dentro da Igreja”, observa Tânia Moreira.
A responsável sustenta que a maior parte das pessoas migrantes “são pessoas de bem, não vêm para causar distúrbios, vêm simplesmente para tentar ter uma vida melhor e vêm em paz”.
Quanto a um alegado aumento da criminalidade, com a chegada de um maior número de estrangeiros, a entrevista entende que essa é “falsa questão e é uma ideia que os políticos lançam, para depois aparecerem como salvadores da pátria”.
Tânia Moreira assume um “grande receio” com o resultado das próximas eleições europeias, admitindo que este cenário de discriminação “vai piorar bastante”.
“Nasci aqui, cresci aqui, sou filha de pais cabo-verdianos, senti na pele, durante a minha vida, algumas destas questões relativas à imigração”, acrescentou a leiga católica, que segue o carisma de João Batista Scalabrini, santo italiano que se dedicou ao acompanhamento dos migrantes.
Henrique Cunha (RR) e Octávio Carmo (Agência Ecclesia)
Vaticano: Papa denuncia «fantasmas dos muros» contra migrantes (c/vídeo)