Acácio David Pradinhos, Diocese de Bragança-Miranda
No séc. XIX S. João Bosco, pai e mestre da juventude implementou uma pedagogia em que as artes (música, teatro, dança, entre outras) eram uma ferramenta pedagógica valiosa para recuperação dos jovens mais pobres e abandonados. Na atualidade, a pobreza tem outro rosto e atingiu proporções tão preocupantes que “a partir do ano letivo 2025/2026, o uso de telemóveis com acesso à internet será proibido em todo o espaço escolar para os alunos do 1.º e 2.º ciclos (do 1.º ao 6.º ano), abrangendo escolas públicas e privadas”.
Nessa linha, a Fundação Casa de Trabalho “com a implementação do projeto XPTO, no distrito de Bragança, pretende, através da arte do teatro, aumentar os conhecimentos de 150 adolescentes/jovens sobre a utilização saudável da tecnologia e sobre os fatores de risco que estão associados ao uso excessivo da mesma com incidência em conteúdos específicos (redes sociais, videojogos, apostas online).O projeto XPTO vai utilizar “a arte do teatro como ferramenta educativa e transformadora” ao promover “a participação em laboratórios colaborativos em áreas como dramaturgia, cenografia, dança e música, culminando na criação de uma peça de teatro que aborda os desafios do uso da tecnologia”.
Os ecrãs invadiram a sociedade atual influenciando significativamente a vida de crianças, jovens e adultos. É muito frequente encontrar crianças de tenra idade agarrados a um ecrã para permanecerem sossegados. O que se pode esperar dessas crianças quando crescerem? Sem margem para dúvidas a tecnologia tornou-se omnipresente no nosso quotidiano. Tudo está acessível através de um click, de formas cada vez mais acessíveis e intuitivas. Os telemóveis permitem a visualização de filmes, o acesso a redes sociais estrategicamente criadas para interação viciante, jogos, apostas, séries, etc.
Os avanços digitais trouxeram inúmeros benefícios, mas rapidamente surge a tomada de consciência dos inconvenientes do uso excessivo de ecrãs pelas consequências que acarreta, sobretudo ao nível da socialização, integração social e, em especial, da saúde mental. Tudo, ou quase tudo, é virtual.
O teatro promove a presença real e a atenção plena dos intervenientes. Se no ambiente virtual tudo acontece à distância e por clicks, o teatro exige envolvimento direto dos intervenientes. Num laboratório de teatro, ao iniciar um processo criativo, os jovens estão de tal forma envolvidos que não há espaço para as distrações digitais. A viagem pelos sentidos tem início nos jogos de expressão dramática gerando situações de descoberta individual e em grupo. Todos se concentram naquilo que está a acontecer no momento, numa interação humana genuína perante o olhar atento do “monitor”. As partilhas de opinião são feitas de olhos nos olhos em oposição às mensagens instantâneas e emojis a representar sentimentos nos telemóveis.
O teatro devolve o debate de ideias, olhares, emoções, gestos, partilhas com rotinas saudáveis e disciplinadoras. É uma forma de reconectar com os outros e com nós próprios, sem filtros nem ecrãs. O uso passivo das tecnologias sufoca a criatividade, a empatia e o pensamento crítico, competências essenciais para viver em sociedade. O teatro convida à reflexão, à argumentação e à expressão da opinião pessoal. Enquanto os ecrãs promovem a superficialidade, o teatro permite que jovens e adultos explorem diferentes papéis, compreendam diferentes pontos de vista expressando emoções de forma construtiva.
O teatro oferece uma opção saudável de ocupação dos tempos livres. O envolvimento em atividades artísticas e coletivas pode reduzir significativamente o tempo passado frente aos ecrãs. Jogos de expressão corporal, comunicação verbal e não verbal, exercícios de voz, improvisações, leitura de textos, criação de cenários, ensaios e finalmente, os espetáculos, requerem tempo, compromisso e assiduidade. Haverá melhor forma de equilibrar os hábitos digitais?
O teatro também é uma arma poderosa na sensibilização de públicos através da criação de peças que abordam temas atuais, incluindo o uso saudável em oposição à dependência tecnológica.
Ao identificar-se com o que é representado no palco, o público é convidado a refletir sobre os seus próprios comportamentos, o que pode ser o primeiro passo para a tomada de consciência que é preciso mudar.
As artes usadas com o propósito de criar um ambiente pedagógico positivo e inspirador numa perspetiva promotora do desenvolvimento das competências sociais e, sobretudo, a autoestima. Além das habilidades sociais, os jovens desenvolvem a consciência crítica, aprendem a gerir as suas emoções e a expressar da sua criatividade.
Na década de 70 a pedagogia do S. João Bosco inspirou-me a recorrer ao teatro como ferramenta pedagógica, para lidar com jovens tutelados pelo Ministério da Justiça e assumir as artes performativas como projeto de vida.
Durante mais de 3 décadas a curiosidade despoletou uma profícua viagem pelas artes que gravitam em redor do teatro. Os conhecimentos adquiridos permitiram diversificar e consolidar competências para implementar dentro e fora do contexto escolar.
Uma das descobertas mais fabulosas foi o Teatro Negro, uma expressão artística muito conhecida em Praga, capital da República Checa. O Teatro Negro combina teatro visual, dança, mímica e efeitos luminosos, criando espetáculos de códigos não verbais que estimulam a imaginação. Baseia-se na ilusão ótica que resulta da incapacidade do olho humano distinguir silhuetas negras perante um fundo negro. O ambiente negro torna invisíveis os atores vestidos de preto e a luz negra faz destacar apenas os objetos que eles manipulam ou figurinos fluorescentes que vestem. Isso permite criar ilusões óticas dando a sensação de que os objetos flutuam e ganham vida própria. O teatro negro aposta na expressão visual e gestual, une a arte visual e o teatro podendo ser compreendido por públicos de qualquer idioma ou cultura ajudando a superar as barreiras linguísticas. O Teatro Negro é um espetáculo universal e o XPTO também é um projeto multicultural. Daremos notícias na data da apresentação pública.
Acácio David Pradinhos, docente, encenador e escultor
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